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29 de Fevereiro de 2008 às 13:59

As Seis Cartas de Henrique VIII

Meus queridos leitores, esta semana a DECO resolveu divulgar um estudo sobre o atendimento aos balcões dos CTT e reprovou todas as 300 estações por onde andou. Em coerência com as conclusões do estudo, divulgou os resultados nos jornais e não pelo correio

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As queixas sobre o Serviço Postal não são de hoje. A investigação levada a cabo pelo japonês Irpráhy Namoto prova que já na idade da pedra os funcionários postais se queixavam de numerosas doenças profissionais, com destaque para as dores de costas, e da insuficiência do subsídio de deslocação e que os utentes se queixavam que não tinham como colar os selos. Aproximando-nos mais no tempo, reporta o mesmo autor que desde os primórdios da civilização europeia, com a inovadora introdução do serviço por pombo correio, utentes e chefes de repartição trocavam acusações mútuas sobre, do lado dos primeiros, o aspecto escanzelado dos pombos e, do lado dos segundos, o escasso número de pequenos animais que regressava das entregas. Acrescenta ainda o nosso autor que o número de pombos desaparecidos em serviço aumentou significativamente com a introdução na Europa, proveniente da Índia, do arroz. Também nos Estados Unidos as queixas começaram cedo; por exemplo, o Poney Express foi acusado de mau serviço pelos utentes por responder à pergunta “onde está o meu correio?” com a resposta, aprovada pela administração na ordem interna de serviço NP347, “siga a seta”.

Queixam-se com razão os funcionários postais da injustiça de algumas (muitas) apreciações. O congolês Onissuá Kimalypance, da Universidade de Ketaz Adizer, aponta a incompreensão pelo público de toda a extensão da missão de serviço público e do elevado espírito de sacrifício dos funcionários postais. Conta este autor que ainda há poucos séculos atrás em três continentes os funcionários postais corriam o risco de ser comidos (sic) pelos destinatários e na Europa da Idade Média as más notícias eram frequentemente acompanhadas pela morte do mensageiro, queimado atado a um poste de madeira, o que é apontado como uma das origens da tradicional “espetada”.

Mas e como ficamos no Portugal de hoje? Num paper publicado este mês pelo francês Jémepas Lepoisson é estudada a eficiência das empresas públicas de serviço público, que incluem o serviço postal. Ao longo da sua evolução estas empresas atravessam um conjunto de fases, documentadas por este autor. A primeira é a fase da criação, a “Época da Galinha”: o serviço ainda está no ovo, há que provar ao consumidor que é útil. Nesta fase a norma é “o cliente é rei”, o que aliás explica ter sido também baptizada Fase de Londres em homenagem à Royal Mail, criada por Henrique VIII, embora só aberta ao público por Carlos I.

A segunda é a fase da promoção, a “Época da Cobra”. O cliente começa a conhecer o produto, há que encantá-lo e hipnotizá-lo; é por esta razão designada Fase de Bombaim, de divisa “cliente é príncipe”.

A terceira é a fase da consolidação, a “Época da Vaca”, pois o serviço está estabelecido e é uma autêntica vaca leiteira, dando bom rendimento com baixos custos fruto das economias de escala. Por isso é a Fase de Amesterdão, de divisa “o cliente é o cliente”.

A quarta fase é a da competição. Os serviços são frequentemente internacionalizados e passa a haver concorrência, até de empresas privadas de entregas especiais ou ordinárias. Há que alargar a novas áreas de mercado para gerar novas sinergias, vendendo outros produtos (livros, material de escritório, etc.). Chega a ser tentada a criação de bancos, com benefícios no financiamento da expansão do negócio. O comportamento predador nesta fase vale-lhe a designação de “Época do Tiranossauro” e por ser uma expedição de pesca em novos negócios leva a que seja conhecida como Fase da Nazaré. A divisa é “o cliente é um pato”.

Finalmente, temos a fase da decadência, quando o fracasso de parte dos novos negócios e a redução do serviço provocada pela comunicação digital aumentam os custos e estrangulam financeiramente; consequentemente diminui a qualidade de serviço e a divisa passa a ser “o cliente é um chato”. É a “Época do Abutre”, animal que só fica com os restos, também conhecida como a Fase da Ericeira. É que foi da Ericeira que a família Real fugiu para o Brasil.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos que medida se devia tomar depois do estudo da DECO sobre o atendimento nos balcões dos CTT, Frederico respondeu: “Mudar o nome da empresa para CTT-Continua Tudo Torto.”

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