Opinião
Arnaldo Gonçalves: Reformar a economia, mudar o País
Portugal tem, como se sabe, carência de uma verdadeira política de concorrência. Os monopólios e oligopólios perpetuam-se ao ritmo da pressão dos interesses instalados coarctando e mesmo impedindo a entrada de novas empresas.
A discussão do programa e as intervenções dos líderes do Governo e das oposições permitiu perceber que Durão Barroso se afirmou já como líder credível e paciente. Um político sóbrio com grande sentido de Estado e de serviço público, com uma noção exacta da posição que quer para o país na Europa. Chefe indiscutível de uma equipa que se apresenta, afinal, ajustada ao mandato a que se propôs e aos dictames impostos pelo momento presente. Equipa que tem condições para resistir à tentação da política-espectáculo e ao choque dos protagonismos fátuos que andam associados, em regra, à condição das «prima donas».
O debate permitiu perceber, também, que a oposição não se rendeu à liderança de Ferro Rodrigues, que os três partidos da esquerda política se entenderão, sempre que necessário. Nada de pactos ou unanimidades hipócritas, portanto.
Como repositório dos pressupostos e medidas de acção política, o programa do governo dá indicações seguras quanto a um sentido, uma estratégia e alguns «focal points» que surpreendem pela positiva.
O sentido que prevalece é de um compromisso de mudança, em face do desconchavo das contas públicas, do desnorte quanto à convergência com as economias avançadas da Europa. Sentido que se convalida uma crença e uma atitude. Crença que é possível arrepiar caminho e fazer melhor que nos últimos seis anos bem como mudar de atitude face a nós próprios, à Europa e ao papel dos parceiros económicos (e sociais) na retoma do curso do desenvolvimento económico.
Mudança que é entendida como um caminho em duas etapas: uma que passa pela redução do défice, pela contenção das despesas públicas, pelo saneamento financeiro; uma outra direccionada à promoção da competitividade, a novos incentivos ao desenvolvimento económico. Ambas pressupondo uma mudança substancial na produtividade dos nossos recursos humanos.
A opção de mudança é exigente e vai na linha do que o Prof. Michael Porter afirmava em Lisboa na mesma altura: arrepiar caminho, ganhar maior produtividade, mais competitividade, inovação mais exigente.
Como é que o Governo se propõe corresponder a estes desideratos? Actuando sobre quatro objectivos: consolidar o tecido empresarial e aumentar a sua competitividade; reforçar as condições de concorrência no mercado e optimizar a sua regulação e controlo global; estimular o IDE (investimento directo estrangeiro) em sectores mais reprodutivos (bens e serviços transaccionáveis); racionalizar o sector empresarial público, saneando-o financeiramente e adelgaçando-o.
Este é um programa ambicioso e estruturado. A ideia que fica é que não ilude as dificuldades, embora não resolva algumas contradições e por aqui passa a linha do comentário. Poderemos dispensar uma lógica cumulativa entre saneamento financeiro e desenvolvimento económico, atenta a situação das contas, protelando para um segundo tempo políticas de incremento ao desenvolvimento industrial e terciário que o País precisa como pão para a boca?
Sabe-se que em muitos aspectos Portugal é um paradoxo: capaz de ombrear com os melhores, a nível macroeconómico, tem no plano microeconómico um tecido empresarial que privilegia mais a «subsidiodependência» do que na assunção do risco que anda por definição associada à actividade empresarial. Como Michael Porter afirmou os empresários portugueses entendem, muitas vezes, que os problemas das empresas acabam por ser resolvidos pelo Estado, após o devido «choradinho». Não com a canalização de recursos próprios.
São por isso positivos vários sinais que o programa para o Ministério agora tutelado por Carlos Tavares aponta: a criação de uma autoridade de concorrência investida de autoridade; a eliminação de obstáculos às empresas de natureza fiscal, burocrática ou regulamentar; a inclusão dos sectores da energia e das telecomunicações, depois de décadas de secundarização na tutela das obras públicas e transportes. Sinais que são «assets» de uma política pública para a economia que se preze.
Portugal tem, como se sabe, carência de uma verdadeira política de concorrência. Os monopólios e oligopólios perpetuam-se ao ritmo da pressão dos interesses instalados coarctando e mesmo impedindo a entrada de novas empresas. Trata-se agora com dizia o Prof. Mira Amaral no DN de «regressar» a uma significante política industrial.
O problema é que só é possível ser muito competitivo nos segmentos inferior e superior do processo produtivo e tecnológico. Portugal não quer ser atractivo em indústrias poluentes e de mão-de-obra intensiva; mas ainda não o é em actividades de alta incorporação tecnológica e de inovação. Não é por termos o mais elevado índice de telemóveis por habitante que o País é tecnologicamente evoluído. Portugal atrasou-se neste capítulo face à linha da frente europeia, por falta de visão dos governantes socialistas, mas também, diga-se a verdade, por descrença dos nossos empresários.
Definidos, de forma clara, o caminho e as medidas o País espera que o governo de Durão Barroso se lance, sem delongas, ao trabalho. Mas o trilho é estreito e está pejado de obstáculos e minas e a tecnoestrutura da administração pública, entidades reguladoras, empresas públicas e participadas pelo Estado, dominada pelo «apparatus» socialista não facilitará. Espera-se também aqui, no devido tempo, medidas incisivas.
Arnaldo Gonçalves
Consultor de empresas e assistente universitário
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Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia