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30 de Abril de 2009 às 13:00

Aprender com os erros

Steven Pearlstein, colunista do "Washington Post" e vencedor do prémio Pulitzer em 2008 pela clareza com que expôs as doenças da economia americana nos seus artigos de opinião, não é meigo com as pessoas.

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Steven Pearlstein, colunista do "Washington Post" e vencedor do prémio Pulitzer em 2008 pela clareza com que expôs as doenças da economia americana nos seus artigos de opinião, não é meigo com as pessoas. Não o é certamente quando se refere aos banqueiros e aos reguladores, a quem acusa de irresponsabilidade e de ganância, os primeiros; e de leviandade, os segundos. Mas não o é também relativamente a todos e cada um de nós, ao considerar-nos cúmplices na escolha do caminho para a crise, por termos decidido viver acima das nossas possibilidades. Em tese, a sua ideia é a de que se o sector financeiro enriqueceu à custa do esquema por si montado, ao promover novas formas para as americanos viverem acima das suas possibilidades, a decisão de o fazer foi "nossa". "Fomos nós que esgotámos os cartões de crédito, fomos nós que desbaratámos o nosso património e fomos nós que nos recusámos a pagar impostos pelos serviços do governo que pedimos. Os banqueiros da Wall Street podem ter sido os impulsionadores, mas fomos nós, americanos, que nos viciámos em crédito fácil".

Portugal e os portugueses não passam de pequenos pontos na grande linha da crise. Muito pouco ou mesmo nada lhes poderá ser imputado na responsabilidade pelo eclodir do terramoto financeiro que nos abalou. Mas se é verdade que a realidade norte-americana não é directamente transponível para o nosso país, não é menos verdade que também nós escolhemos viver acima das nossas possibilidades. Este "nós" dirige-se desde logo aos governos e aos responsáveis do sector financeiro. Mas dirige-se também às pessoas que, muitas vezes movidas pelo simples desejo de viver melhor, foram gastando mais do que aquilo que tinham. Porque o crédito foi sendo cada vez mais acessível, permitindo tapar um "buraco" que crescia dia-a-dia. Porque as expectativas de um amanhã melhor foram sendo sempre superiores ao pouco que cada dia nos ia trazendo. Até que um dia "a casa veio abaixo", o crédito fácil acabou e muito daquilo que foi adquirido passou a valer bastante menos do que custou...

É ainda muito cedo para saber o mundo que vamos ter dentro de algum tempo. Vivemos agora aquilo a que podemos chamar de "fase do ajustamento". Aquela em que temos de agir de acordo com as nossas possibilidades e não com base em expectativas optimistas que servem de pretexto a que gastemos hoje o que só amanhã iremos ganhar. Referindo-se à realidade americana, Pearlstein diz que esse ajustamento - que irá obrigar a uma redução média de cerca de 10% do "nível de vida" dos cidadãos - está em curso. Dito por outras palavras, onde ontem se gastava 106% da "riqueza produzida", vai ser preciso, amanhã, não gastar mais de 96%. Não é um desafio fácil, mas o colunista do "Washington Post" invoca a dimensão, dinamismo e elevados níveis de empreendorismo da economia americana como argumentos determinantes.

Por cá (em Portugal e na Europa), as coisas não são assim tão lineares. Se é verdade que estamos "condenados" a idêntico esforço de ajustamento, já a capacidade para o realizar não é a mesma. A nossa economia está muito longe de ter o dinamismo e os níveis de empreendorismo do outro lado do Atlântico. Por outro lado, o nosso modelo de protecção social é significativamente mais exigente e, nas circunstâncias actuais, fundamental para atenuar as crescentes dificuldades que hoje atingem largas faixas da população.

Mais preocupante é o impacto que esse ajustamento americano vai - está a - ter na "exportação" de desemprego. A "frugalidade" norte-americana pode traduzir-se num custo pesado para a nossa economia. Pearlstein dizia que os americanos se estão a adaptar muito bem ao facto de terem de comprar menos roupa, menos sapatos, menos automóveis e por aí adiante e que tal redução pouco impacto terá na economia nacional que já poucos bens de consumo produz. É verdade. Mas já se está mesmo a ver o preço que vai ser pago em desemprego por quem, cá, produz e exporta tais bens. A ausência de uma abordagem multilateral no comércio internacional pode transformar um "mero ajustamento" numa "grande bola de neve". E esse é um erro que temos de saber evitar.


Advogado
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