Opinião
O diabo - take 2
Navegar à vista, aproveitando os bons ventos que sopram de fora, e distribuir prebendas pelas clientelas instaladas é fácil e rende no curto prazo. Mas não dura muito, como temos a obrigação de saber por experiência própria.
Corria o mês de julho de 2016 quando Pedro Passos Coelho - numa reunião do Conselho Nacional do PSD que se destinava a dar o pontapé de saída da preparação das autárquicas que haviam de ter lugar no outono do ano seguinte - resolveu anunciar a chegada próxima do diabo. A previsão não se confirmou e o demónio tardou em aparecer. Alguns dizem tê-lo visto na noite de 1 de outubro de 2017 a levar consigo um Passos Coelho vergado ao peso dos péssimos resultados alcançados nesse dia pelo PSD nas autárquicas de Lisboa e do Porto.
Pouco mais de três meses depois eis que o diabo ameaça voltar em força pela mão de Manuela Ferreira Leite. Algumas horas após a vitória de Rui Rio na corrida à liderança do PSD, a antiga presidente do partido e apoiante convicta do novo líder, não hesitou em dizer que "da mesma forma que o Bloco de Esquerda e o PCP têm vendido a alma ao diabo, exclusivamente com o objetivo de pôr a direita na rua, eu acho que ao PSD lhe fica muito bem se vender a alma ao diabo para pôr a esquerda na rua".
Eu sei que a citação que agora transcrevo é apenas um excerto da entrevista e que representa uma espécie de "terceira opção": não conseguindo uma maioria absoluta sozinho ou em conjunto com o CDS nas próximas eleições, o PSD deveria então disponibilizar-se para juntar as suas forças às do PS, impedindo assim a reedição da "frente de esquerda" a que alguns chamam de "geringonça".
Por muito louváveis que pudessem ser as intenções, tudo está mal na proclamação, provando que também nesta matéria o demónio não é bom conselheiro, nem boa companhia.
É um erro colocar o PSD numa disputa palmo a palmo com o BE e o PCP pelos favores e a complacência socialista.
É um erro ainda maior colocar o atual PS fora da esquerda que se quer "pôr na rua", atribuindo-lhe o papel de peça central do exercício do poder em Portugal.
E é totalmente incompreensível que o partido que tem a maior representação parlamentar e que liderou o país no período mais difícil da sua histórica democrática ande a discutir cenários de hipotéticas alianças futuras com os socialistas (que, convém não esquecer, foram os responsáveis pela bancarrota que nos obrigou a chamar a troika e a viver de mão estendida durante três anos…), em vez de se concentrar naquilo que devia ser o seu principal objetivo: reconquistar a confiança dos portugueses, oferecendo-lhes uma alternativa clara e propondo-lhes um rumo diferente daquele que tem caracterizado os dois últimos anos.
Navegar à vista, aproveitando os bons ventos que sopram de fora, e distribuir prebendas pelas clientelas instaladas é fácil e rende no curto prazo. Mas não dura muito, como temos a obrigação de saber por experiência própria. Foi assim na segunda metade dos anos 90, como foi também no período entre 2005 e 2010. Irá ser de novo assim se continuarmos a ignorar a necessidade de prosseguir uma agenda reformista que liberte a sociedade e diminua o peso excessivo de um Estado que tudo quer resolver a golpes de mais impostos e mais taxas.
É nisso que o PSD se deve concentrar e não em cenários de putativas alianças. Definindo um rumo que nos permita um futuro diferente do sobe e desce das duas últimas décadas. Explicando que criar riqueza pouco ou nada tem que ver com aumentar impostos e reduzir despesas e investimentos através de cativações. Trazendo jovens de volta à primeira linha da política, ouvindo-os e rejuvenescendo os seus quadros. Criando uma sociedade mais justa e mais solidária, que proteja quem mais precisa e acabe com benefícios injustificados para os mesmos de sempre.
Advogado
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