Opinião
A virtuosa vitóriade Hollande
A resolução da crise do euro através do reforço da independência do BCE e da consagração definitiva de uma política de prioridade absoluta aos objectivos anti-inflacionistas é uma condição necessária à retomada do projecto de unidade política da Europa.
A resolução da crise do euro através do reforço da independência do BCE e da consagração definitiva de uma política de prioridade absoluta aos objectivos anti-inflacionistas é uma condição necessária à retomada do projecto de unidade política da Europa.
A provável eleição, no próximo domingo, do candidato socialista, François Holande, para a presidência de França trará problemas para a estabilidade económica interna daquele país. Mas esta ocorrência pode comportar inesperadas virtualidades para o esclarecimento do debate sobre a política de estabilização da Zona Euro.
A ilusão que se está a criar consiste em esperar que uma alteração política em França poderá alterar a natureza da política económica e monetária modelada pelas instituições europeias.
O programa de Hollande, tirando as nacionalizações, segue a linha de Miterrand. Apenas difere no grau. Por exemplo, Mitterrand aumentou em 100.000 os funcionários públicos; Holland faz um desconto, só quer mais 65.000. O estímulo à procura pela despesa pública e pela política monetária laxista, o dirigismo estatal lá estão no lugar habitual como há 30 anos atrás.
Em Maio de 1981, François Mitterrand - vencendo o incumbente Valéry Giscard d'Estaing - é eleito primeiro presidente socialista da 5ª República francesa. Prometia alargar ainda mais o controle e dirigismo estatal sobre a economia, ameaçava "quebrar o capitalismo", "derrubar o muro do dinheiro" e executar um extenso programa de nacionalizações. Numa altura em que, nos EUA e no Reino Unido, Reagan e Thatcher se moviam em sentido contrário, Mitterrrand servia uma forte mistura de keynesianismo, nacionalismo e controle de estatal.
Prometeu e cumpriu. Lançou medidas de estímulo da economia. Nacionalizou parte substancial da banca (representando 96% dos depósitos), grande parte da indústria (13 das 20 maiores empresas industriais) e tomou posição de controlo em muitas outras. Aumentou as despesas sociais, cortou uma hora da semana de trabalho sem perda de salário, aumentou de quatro para cinco semanas as férias pagas e aumentou em 100.000 o número de funcionários públicos. Aumentou os impostos sobre os grandes rendimentos e lançou fortes e variados estímulos públicos à economia. Era "La relance".
Em pouco tempo, lançou o pânico nos mercados, provocou o assalto ao franco, disparou a inflação, suscitou a fuga de capitais e arrastou a redução das receitas públicas. Ao contrário do que pretendia, aumentou o desemprego e as empresas nacionalizadas começaram a ter enormes prejuízos. A bancarrota ficou à vista. O franco foi desvalorizado três vezes.
A festa não durou dois anos: apenas 21 meses. Em Março de 1983, o franco foi encostado à banda baixa do sistema monetário europeu e aproximou-se da saída. Valeu Delors, negociando um compromisso com a Alemanha para a revalorização do marco e desvalorização do franco.
Acabou a "La relance". Começou o processo de desnacionalização. A linguagem mudou: à "quebra do capitalismo" sucedeu: "modernização", "dinâmica industrial" e "tournant rigueur".
A economia francesa saía fortemente enfraquecida da aventura e, durante muito tempo, só a excepcional capacidade e patriotismo de Delors à frente da Comissão Europeia permitiu mascarar a perda de capacidade negocial da França face ao gigante alemão.
Agora em 2012, como então, a implementação do programa socialista vai contribuir para a diminuição da capacidade negocial da França. Desta vez nem seriam necessários os 21 meses da experiência Mitterrand.
Mas é provável que o bom senso impere. Passada a cozinha eleitoral as exigências para a estabilidade da economia impor-se-ão. Fica no entanto um ganho seguro: a ilusão da possibilidade de uma aventura monetária na Europa desaparecerá por um razoável período e a Europa poderá resolver com rigor os seus problemas e redesenhar as instituições do euro em sossego. Fortes benefícios advirão igualmente para as posições de países com elites fortemente influenciadas pelos acontecimentos gauleses. Por um tempo, que se espera longo, a conversa sobre o excesso de austeridade desaparecerá e até pode suceder que ideias verdadeiramente novas surjam em sua substituição.
A Alemanha é o país que mais se bateu pela unificação política da Europa. A moeda única veio atrapalhar a unificação política pretendida pelos alemães e rejeitada por franceses e ingleses em 1987, 1988 e 1989. A criação do euro, reserva de negociação prevista para obter a unidade política, foi gasta com a unificação alemã e interrompeu durante largo período os esforços de reunificação política europeia.
A resolução da crise do euro através do reforço da independência do BCE e da consagração definitiva de uma política de prioridade absoluta aos objectivos anti-inflacionistas é uma condição necessária à retomada do projecto de unidade política da Europa.
Economista e professor do ISEG
A provável eleição, no próximo domingo, do candidato socialista, François Holande, para a presidência de França trará problemas para a estabilidade económica interna daquele país. Mas esta ocorrência pode comportar inesperadas virtualidades para o esclarecimento do debate sobre a política de estabilização da Zona Euro.
O programa de Hollande, tirando as nacionalizações, segue a linha de Miterrand. Apenas difere no grau. Por exemplo, Mitterrand aumentou em 100.000 os funcionários públicos; Holland faz um desconto, só quer mais 65.000. O estímulo à procura pela despesa pública e pela política monetária laxista, o dirigismo estatal lá estão no lugar habitual como há 30 anos atrás.
Em Maio de 1981, François Mitterrand - vencendo o incumbente Valéry Giscard d'Estaing - é eleito primeiro presidente socialista da 5ª República francesa. Prometia alargar ainda mais o controle e dirigismo estatal sobre a economia, ameaçava "quebrar o capitalismo", "derrubar o muro do dinheiro" e executar um extenso programa de nacionalizações. Numa altura em que, nos EUA e no Reino Unido, Reagan e Thatcher se moviam em sentido contrário, Mitterrrand servia uma forte mistura de keynesianismo, nacionalismo e controle de estatal.
Prometeu e cumpriu. Lançou medidas de estímulo da economia. Nacionalizou parte substancial da banca (representando 96% dos depósitos), grande parte da indústria (13 das 20 maiores empresas industriais) e tomou posição de controlo em muitas outras. Aumentou as despesas sociais, cortou uma hora da semana de trabalho sem perda de salário, aumentou de quatro para cinco semanas as férias pagas e aumentou em 100.000 o número de funcionários públicos. Aumentou os impostos sobre os grandes rendimentos e lançou fortes e variados estímulos públicos à economia. Era "La relance".
Em pouco tempo, lançou o pânico nos mercados, provocou o assalto ao franco, disparou a inflação, suscitou a fuga de capitais e arrastou a redução das receitas públicas. Ao contrário do que pretendia, aumentou o desemprego e as empresas nacionalizadas começaram a ter enormes prejuízos. A bancarrota ficou à vista. O franco foi desvalorizado três vezes.
A festa não durou dois anos: apenas 21 meses. Em Março de 1983, o franco foi encostado à banda baixa do sistema monetário europeu e aproximou-se da saída. Valeu Delors, negociando um compromisso com a Alemanha para a revalorização do marco e desvalorização do franco.
Acabou a "La relance". Começou o processo de desnacionalização. A linguagem mudou: à "quebra do capitalismo" sucedeu: "modernização", "dinâmica industrial" e "tournant rigueur".
A economia francesa saía fortemente enfraquecida da aventura e, durante muito tempo, só a excepcional capacidade e patriotismo de Delors à frente da Comissão Europeia permitiu mascarar a perda de capacidade negocial da França face ao gigante alemão.
Agora em 2012, como então, a implementação do programa socialista vai contribuir para a diminuição da capacidade negocial da França. Desta vez nem seriam necessários os 21 meses da experiência Mitterrand.
Mas é provável que o bom senso impere. Passada a cozinha eleitoral as exigências para a estabilidade da economia impor-se-ão. Fica no entanto um ganho seguro: a ilusão da possibilidade de uma aventura monetária na Europa desaparecerá por um razoável período e a Europa poderá resolver com rigor os seus problemas e redesenhar as instituições do euro em sossego. Fortes benefícios advirão igualmente para as posições de países com elites fortemente influenciadas pelos acontecimentos gauleses. Por um tempo, que se espera longo, a conversa sobre o excesso de austeridade desaparecerá e até pode suceder que ideias verdadeiramente novas surjam em sua substituição.
A Alemanha é o país que mais se bateu pela unificação política da Europa. A moeda única veio atrapalhar a unificação política pretendida pelos alemães e rejeitada por franceses e ingleses em 1987, 1988 e 1989. A criação do euro, reserva de negociação prevista para obter a unidade política, foi gasta com a unificação alemã e interrompeu durante largo período os esforços de reunificação política europeia.
A resolução da crise do euro através do reforço da independência do BCE e da consagração definitiva de uma política de prioridade absoluta aos objectivos anti-inflacionistas é uma condição necessária à retomada do projecto de unidade política da Europa.
Economista e professor do ISEG
Mais artigos do Autor
Uma zona franca para Sines e Beja
03.05.2021
Como acabar com o euro - Versão 3
02.03.2021
A Economia Política da censura digital
09.02.2021
O erro da contenção orçamental
08.12.2020