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Gouveia e Melo rejeita que gastos com defesa impliquem cortes no Estado social
O almirante na reserva participou esta terça-feira num debate sobre "O Papel de Portugal no mundo", organizado pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social). mas não assumiu ser candidato à Presidência da República.
O ex-chefe do Estado Maior da Armada rejeitou que tenha de existir uma dicotomia entre aumentar o investimento em Defesa e cortar no Estado social, defendendo que tem de haver "canhões e manteiga".
"Não há aqui uma dicotomia. Essa dicotomia, canhões ou manteiga, é uma dicotomia que se quer fazer passar, mas é canhões e manteiga. Neste caso, os canhões para proteger a manteiga, e, claro, a manteiga para sustentar as pessoas que estão a tratar os canhões", defendeu Henrique Gouveia e Melo.
O almirante na reserva participou esta terça-feira num debate sobre "O Papel de Portugal no mundo" com o vice-presidente da Assembleia da República e presidente da Assembleia da NATO, o deputado do PS Marcos Perestrello, organizado pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) jovem, que decorreu num auditório completamente cheio e com pessoas em pé na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Sem nunca assumir uma candidatura a Presidente da República -- mesmo nas declarações aos jornalistas, no final -, Gouveia e Melo foi questionado se será necessário a Europa cortar no Estado social para aumentar o investimento em defesa que tem sido pedido pela NATO e pelos Estados Unidos.
"Eu não vou falar sobre a Europa, vou falar sobre Portugal porque é o que nos interessa. Não há um 'ou', há um 'e'. Tem de ser as duas coisas. Claro que nós não devemos cortar no Estado Social, porque isso é o que garantiu a solidariedade e a coesão europeia, que no mundo inteiro é uma das marcas da nossa sociedade e do nosso diferencial positivo", afirmou.
Para Gouveia e Melo, se o investimento na área militar resultar numa "economia mais produtiva e tecnológica", o Produto Interno Bruto irá crescer e será possível direcionar esse aumento para outras áreas.
"O Estado Social não é um interruptor on-off. Nós gastamos cerca de 64%, 65% da despesa do Estado na área social. Se gastarmos 64,5%, o Estado Social não cai no dia seguinte. Temos de encontrar sinergias e ser mais eficientes", disse.
Por outro lado, defendeu, as verbas adicionais para a Defesa podem vir de outros sítios para além da despesa social.
"O Estado é que tem de decidir isso. A governação é que tem de decidir isso. O estado de negação do problema é que não é equilíbrio nenhum", disse.
O militar foi também questionado sobre o eventual regresso do Serviço Militar Obrigatório (SMO), que já tinha recusado no passado, remetendo, também neste ponto, as decisões para "a governação".
"Não há necessidade de avançarmos para um serviço militar obrigatório. Há outras formas de nos organizarmos de forma tão ou mais eficiente", considerou.
Gouveia e Melo alertou, contudo, que atualmente Portugal tem cerca de 23 mil militares "e o dobro dos polícias", deixando como sugestão colocar em situação de reserva os militares que são voluntários e passam seis anos nas Forças Armadas.
"Esses militares, até aos 50 anos, com os incentivos certos, podem-se constituir uma reserva. Vão às suas vidas, mas em caso de necessidade e de urgência, poderão voltar ao serviço das Forças Armadas. E já teriam o treino", disse, admitindo "incentivos ou fiscais ou monetários".
Sobre a guerra na Ucrânia e a atitude da nova administração norte-americana, Gouveia e Melo disse que a Europa teve "sinais que ignorou" e defendeu que este espaço tem, sobretudo, de aumentar a sua vontade de atuar na área da defesa e da segurança.
"Há uma fórmula militar, que é muito simples, mas que detalha a relação de poder entre diversas potências: diz que poder é igual a capacidade vezes vontade. Alguém tem dúvidas que a União Europeia tem uma capacidade superior à Federação Russa?", disse.
Mais do que discutir qual deve ser a percentagem de investimento em defesa, Gouveia e Melo pediu eficiência.
"Nós aumentámos numa percentagem significativa a nossa despesa com a saúde. O nosso sistema de saúde melhorou proporcionalmente ao aumento dessa despesa? Há, nitidamente no Estado português, uma necessidade de racionalização e de maior eficiência", disse, alertando que, caso contrário, se está a "atirar dinheiro para um poço sem fim".