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06 de Agosto de 2007 às 13:59

A tentação do “emprego para a vida”

Duas notícias recentes fizeram-me, uma vez mais, reflectir sobre o mercado de trabalho no nosso país e de como a sua dinâmica está desfasada da realidade económica mundial. Uma das notícias dizia respeito ao número crescente de licenciados (mais de mil an

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Uma das notícias dizia respeito ao número crescente de licenciados (mais de mil anualmente) candidatos à cerca de meia centena de vagas do Curso de Estudos Avançados em Gestão Pública (CEAGP), promovido pelo Instituto Nacional de Administração e que muitos crêem garantir um "emprego para a vida". A outra notícia referia a existência de 883.600 trabalhadores a recibo verde em Portugal, o que ultrapassa o número de funcionários públicos (580.291 em 2006).

Como é óbvio, há uma notória relação entre os dois factos noticiados. Os licenciados que concorreram ao CEAGP tentam escapar ao trabalho precário que, como os números indicam, gerou um amplo sistema de emprego informal e desregulado no nosso país. Acontece que, para desgosto dos muitos candidatos ao CEAGP, o novo sistema de vínculos, carreiras e remunerações da função pública promove uma aproximação ao regime laboral comum, com a restrição significativa dos contratos por nomeação. De tal forma que está prevista a "cessação por insuficiência de desempenho, revelada na atribuição de avaliações negativas em dois anos consecutivos que, mediante verificação em processo disciplinar, consubstanciem violação grave e reiterada de deveres profissionais". Logo, acabaram os vínculos vitalícios, ou quase, e com eles o tal "emprego para a vida" – o que, na minha opinião, merece ser louvado.

Contudo, isto não esconde o grande paradoxo do nosso mercado de trabalho: por um lado, temos a flexibilidade pura e dura dos recibos verdes, que não garante quaisquer direitos sociais; por outro, temos a formalidade extremamente rígida dos contratos efectivos ou sem termo, que dificulta a empregabilidade, a mobilidade profissional, a renovação geracional e a valorização do mérito dos trabalhadores. E perante este quadro à partida inquinado, muitos empregadores optam pela modalidade dos recibos verdes, que tem pelo menos a virtude de facultar, ainda que com todas as vicissitudes conhecidas, uma ocupação remunerada. De outra forma, haveria certamente mais desemprego e subsequentes problemas sociais.   

Mas voltando aos candidatos ao CEAGP, há que salientar que, apesar da evolução legislativa na função pública – que esperemos seja complementada com uma maior flexibilidade laboral no sector privado, resultante da aprovação em 2008 do novo Código do Trabalho –, a mentalidade dos nossos jovens permanece desfasada das novas dinâmicas de emprego. Isto a fazer fé no principal argumento para concorrer ao CEAGP: a segurança alegadamente inabalável de um contrato com o Estado. As novas gerações continuam, pelo exemplo citado, a conceber a carreira profissional como um processo linear de progressão intraorganizacional e a demonstrarem uma gritante falta de cultura de risco, essencial para assumir uma postura empreendedora na actividade laboral.

Hoje, o conceito de carreira profissional tem necessariamente de ser repensado à luz de factores como a globalização (com o consequente aumento da competição económica à escala global), a inovação tecnológica (que pôs em causa a estrutura dos empregos e originou a obsolescência de certos tipos de qualificações), a consolidação de formas atípicas de emprego, o aumento dos níveis de habilitação escolar e profissional dos trabalhadores, a melhoria das condições de vida e a alteração das expectativas e aspirações profissionais. Ora tudo isto implica que, mais do que uma carreira entendida enquanto processo de mobilidade vertical, seja de considerar, isso sim, um conjunto cada vez mais diversificado de formas de mobilidade profissional: interna ou externa (conforme se faz fora ou dentro da mesma empresa), geográfica, sectorial, funcional, contratual, entre outras. Ou seja, modelos que se afastam inequivocamente da ideia de um "emprego para a vida".

De resto, penso que a plena realização profissional só é atingível se resultar da mobilidade permanente aqui falada, e não da ilusória estabilidade laboral. O "emprego para a vida", a acomodação a determinadas funções, o apego às rotinas, a progressão exclusivamente dentro da mesma empresa são perspectivas anacrónicas e que, muito dificilmente, contribuem para um bom desempenho profissional e para a satisfação pessoal dos trabalhadores.

Acresce que, se jovens qualificados como são os candidatos ao CEAGP recusam, à partida, qualquer factor de risco nas suas vidas profissionais, então dificilmente se construirá em Portugal uma sociedade de empreendedores. A predisposição para arriscar está, sem dúvida, na génese do empreendedorismo. Logo, sem esta predisposição o nosso país nunca registará elevadas taxas de criação de empresas, como seria desejável para produzir mais riqueza e gerar mais emprego. Neste sentido, penso, como muitas vezes tenho dito, que só um sistema de ensino que estimule a iniciativa individual e afaste o medo de falhar poderá levar os jovens portugueses a assumirem uma atitude mais empreendedora na hora de decidirem o respectivo futuro profissional.

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