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A. Hipólito de Aguiar 04 de Outubro de 2004 às 13:59

A promoção do medicamento

O medicamento, sendo ainda assim alvo de enormes disputas, é a base de um sector industrial, que só no nosso País emprega 10 mil pessoas e tem um assinalável fulgor económico.

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No espaço de uma semana três declarações, porventura supreendentes, «mexeram» com o sector farmacêutico.

A primeira, efectuada pelo Presidente da República no decurso da semana da saúde, alertou para o excessivo consumo, e consequente gasto, em medicamentos feito pela população Portuguesa.

A segunda, proferida pelo ministro da Saúde, diz respeito ao número de delegados de informação médica (DIM) relativamente ao número de clínicos existentes em Portugal; referiu o governante que existiam 4500 DIM e somente 4000 médicos.

A terceira, da autoria do sindicato dos DIM, fez saber que existem empresas criadas, somente no «papel», com a finalidade de permitir maior número de visitas destes profissionais aos médicos, já que existem restrições neste domínio para cada laboratório farmacêutico.

Analisemos com relativa profundidade o conteúdo das mesmas:

Relativamente ao Chefe de Estado, julgo que a referência ao facto de se considerar que em Portugal se recorre demasiado ao medicamento como forma de debelar uma doença, é não só uma constatação do que de facto acontece em termos comparativos (no contexto Europeu o nosso país tem praticamente o dobro dos gastos, relativamente ao PIB, que têm a média dos países da União Europeia), como igualmente um aviso de que estamos a ser induzidos a consumir mais medicamentos do que aquilo que devíamos.

Já quanto às afirmações do sr. ministro têm, essencialmente, na minha óptica, um alcance político no sentido de expressar a sua preocupação relativamente às regras da promoção do medicamento. Pese embora com dados pouco fidedignos, já que existem significativamente mais médicos do que os referidos pelo responsável da pasta da saúde, na realidade o que está em causa é a pressão exercida pelas «forças de vendas» dos laboratórios farmacêuticos sobre os clínicos, que, realce-se, é um aspecto regulado pelo Estado, o qual, recentemente, legislou sobre a matéria restringindo significativamente o acesso destes profissionais aos médicos.

Ora é precisamente por este último aspecto que a terceira declaração a que fizemos referência anteriormente, se produz. É que, têm surgido inúmeras empresas que têm como única missão viabilizar a visita de mais delegados de informação médica, já que existem limites por cada empresa inscrita nos locais de exercício público da actividade médica. Permite-se assim aumentar o número de visitas aos médicos não havendo contudo, que se saiba, qualquer incumprimento legal no mesmo, sendo, como será fácil perceber, uma forma de contornar obstáculos criados pela tutela do sector.

Se aparentemente estas declarações aparecem desconexas, não deixam contudo de «tocar na ferida» daquilo que são precisamente as regras da promoção do medicamento.

Portugal é, curiosamente, dos países europeus, se não mundiais, com significativas restrições ao nível da promoção e publicidade do medicamento, sendo que, no entanto, devido à actividade ser de enorme envolvimento económico, registam-se alguns excessos, ou pelo menos desvios às regras legalmente consagradas.

Convém no entanto referir que o medicamento, sendo ainda assim alvo de enormes disputas, é a base de um sector industrial, que só no nosso País emprega 10 mil pessoas e tem um assinalável fulgor económico. Importa igualmente recordar que o medicamento é, seguramente, o «instrumento terapêutico» que mais tem contribuído para o aumento «vertiginoso» da esperança de vida, que em 100 anos praticamente duplicou. Além disso, o medicamento é objecto de um vultuoso investimento por parte das empresas que actualmente têm de despender cerca de 900 milhões de euros, para conseguir uma nova substância com propriedades terapêuticas, e que tem um prazo, de 10 a 15 anos, para efectuar o retorno desse investimento.

Compreende-se pois que os representantes do Estado, ao seu mais alto nível, estejam preocupados com os gastos efectuados com este produto, que hoje é correntemente utilizado pela população para debelar qualquer pequena enfermidade, por mais inofensiva que, aparentemente, seja. É que o Estado comparticipa em média 65% do valor dos medicamentos, sem que muitas vezes o pagador do remanescente, o consumidor, percepcione tal facto.

Importante era que, no futuro, se percepcionasse a Saúde não como uma despesa, mas como um investimento, não deixando, naturalmente, de pugnar pela redução do desperdício, que no caso do medicamento é muito grande!

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