Opinião
Uma prenda de Natal
Os meus pais ensinaram-me esta canção de Natal, cujo autor se esconde em origens populares. A lição, clara para quase todas as crianças, é a de que é legítimo sonhar com as prendas, mas não devemos ser excessivamente ambiciosos e exigentes nessa matéria.
«Menino Jesus do céu / Dá-me um avião / Ou um automóvel / Ou mesmo um balão / Um barco a motor / O que te der jeito / Qualquer prendazita / Fico satisfeito»
Os meus pais ensinaram-me esta canção de Natal, cujo autor se esconde em origens populares.
A lição, clara para quase todas as crianças, é a de que é legítimo sonhar com as prendas, mas não devemos ser excessivamente ambiciosos e exigentes nessa matéria. Qualquer que seja a prenda recebida a criança deve dar-se por contente, até porque há sempre outras crianças que recebem menos.
Esta canção soa-me aos ouvidos desde que o Governo anunciou que vai construir o TGV (ou mais propriamente a rede de alta velocidade). Algo me diz que alguém se equivocou e colocou por engano aquele verso popular no programa do Governo.
Mas ilusão das ilusões, o Governo está convencido que é ele que está a dar uma prenda aos portugueses. De facto somos nós que estamos a dar uma prenda ao Governo. Ainda por cima tivemos o azar de ter um Governo com gostos caros, em vez de um ficasse satisfeito com qualquer prendazita. Pela minha parte ficava satisfeito com um Governo que se limitasse a gastar aquilo que os portugueses lhe dão. A maior ameaça ao bem estar dos portugueses são líderes políticos visionários que sabem como gastariam o nosso dinheiro.
A pobreza do argumentário público sobre a necessidade deste grande investimento público é preocupante. È notório que há uma dimensão conjuntural nesta proposta. Ela é simbólica duma estratégia de investimento público que ocorra em simultâneo com o esforço de consolidação orçamental. Mas claro está que um investimento com estas características só pode ser avaliado em termos do seu valor e impacto estruturais.
Advoga-se ainda que criará empregos, numa conjuntura em que o desemprego não dá os sinais de estabilização ou redução que todos ambicionamos. Porém, para o custo do investimento os empregos criados após a fase de construção são muito poucos.
Finalmente diz-se que este investimento é financiado pela União Europeia e que só um projecto com estas características permitirá a Portugal aproveitar cabalmente os Fundos comunitários. Porém este fundos obrigam a uma contribuição elevada do orçamento nacional. Este orçamento está longe de ser barato para o contribuinte português. Acresce que o Governo poderia canalizar estes recursos para outros projectos de investimento que criassem mais valor económico.
Mas de todos os argumentos o que mais me inquieta é a tranquilidade com que se afirma que não há hipótese nenhuma de recuperar o investimento efectuado. Dizem-nos que talvez seja possível cobrir os custos de exploração, mas que não há qualquer possibilidade de recuperar os investimentos. Para que não nos preocupemos com essas ninharias de 7,2 mil milhões de euros (720 euros por cada português), dizem-nos que é assim em todos os países.
Os outros países, tal como nós, fazem os TGVs para perder dinheiro, porque esperam com isso desenvolver-se. Esquecem-se de nos dizer que muitos países europeus se desenvolveram sem estes tipos de investimento, desde a Irlanda, ao Reino Unido ou à Dinamarca ou Finlândia.
Espero, sinceramente, que o nosso Governo não acredite naquilo que nos diz. Espero que o Governo acredite que o valor criado pelo TGV é superior aos custos com a sua construção e exploração. De outra forma teremos que modificar muito daquilo que é ensinado nos cursos de economia e gestão. A ideia de que só se deve investir em projectos rentáveis, que é ensinada em todas as escolas portuguesas, não parece ser doutrina aceite no seio do Governo português. A ser verdade esta forma de pensar «anti-economicista» é preocupante.
O Governo já explicou o lado dos custos. Ou pelo menos já disse quando pretende gastar. Porém, ainda não explicou como vai rentabilizar este investimento. Não explicou como é que este conjunto de investimentos vai criar riqueza (não emprego ou despesas). Quais os sectores de actividade que vão beneficiar deste projecto? Quais as reduções de custos de que as empresas nacionais vão beneficiar? Quais os produtos e serviços que passarão a ser exportados em resultado deste investimento? Numa palavra qual o valor criado pela realização do TGV.
Na ausência de um justificação económica sólida para este investimento resta-me regressar à explicação inicial. O XVII Governo Constitucional deseja receber uma prenda de todos os portugueses (mesmo de muitos que ainda não nasceram). Acha que os portugueses têm dinheiro a mais e não se sabem desenvolver sozinhos. Espera por isso, que todos nós, contribuamos alegremente para a sua prenda de Natal.