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25 de Maio de 2004 às 14:00

A Política Económica na Europa

Para salvar o projecto europeu, terá de ser a Zona Euro a «aderir» ao Reino Unido, em vez do contrário. O que mais uma vez demonstra que estamos longe ...

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As Perspectivas Económicas da OCDE, divulgadas há cerca de duas semanas, concluíram a série de previsões internacionais da Primavera, sucedendo-se às da Comissão Europeia e do FMI. Mais uma vez, acentuaram a retoma da economia mundial e o prolongamento do marasmo na Zona Euro, onde permanece a necessidade de melhores políticas macroeconómicas e estruturais, nomeadamente com vista a recuperar a confiança das famílias. Relativamente a Portugal, o ponto comum a todas reside na redução para metade do crescimento previsto para 2004 e na expectativa de um défice orçamental claramente superior a 3% do PIB (subentende-se que na ausência de receitas extraordinárias adicionais, não susceptíveis de previsão a nível técnico).

Se há nisto aspectos surpreendentes, eles resultam, em primeiro lugar, da persistência em esperar recuperar a confiança das famílias europeias bombardeando-as com exigências e perspectivas negativas (relativas a salários, corte de benefícios sociais, dramatização dos efeitos do envelhecimento da população, etc.), tendo como única contrapartida, não uma pedagogia reforçada quanto à capacidade das sociedades para vencer os obstáculos que defrontam, mas apenas a esperança na retoma que há-de vir dos EUA e do Pacto de Estabilidade.

O Economista Chefe da OCDE conclui mesmo que os problemas das finanças públicas europeias se devem «mais à perda de controlo a nível nacional do que às putativas deficiências do Pacto de Estabilidade», como se as duas não estivessem inextricavelmente ligadas, ou como se fosse possível recuperar o controlo dos défices orçamentais pondo em prática medidas fortemente restritivas em períodos de quebra da actividade económica.

Já conhecemos a receita da nova ortodoxia nacional para sair deste dilema: primeiro tomam-se medidas restritivas na fase em que a economia precisa de ser estimulada, agravando a situação económica e o próprio défice; depois, usam-se receitas extraordinárias para o cobrir até que a conjuntura internacional melhore e permita vislumbrar a retoma; quando isso acontecer, baixam-se os impostos e imprime-se novo ímpeto à exigência de cortar as despesas sociais. Tudo isto na expectativa de que a simples redução do peso do Estado seja o detonador do crescimento «à irlandesa». Na Irlanda, porém, a ordem dos factores foi a inversa: o rápido crescimento económico é que fez cair o peso do Estado, e a forte ancoragem à UE (nomeadamente ao SME e depois à moeda única) foi um factor muito mais decisivo de atracção do investimento americano do que os benefícios fiscais, que já existiam há muitos anos, com resultados sobretudo negativos.

Para além da questão do peso do Estado, que é de ordem política e resulta da escolha de cada sociedade, este modelo não serve a outros países europeus por várias razões. A primeira consiste em pressupor um sistema deficiente de gestão e prestação de contas públicas, que ignora o papel estabilizador da política orçamental e o valor do património do Estado (condição necessária a que a venda deste seja considerada como instrumento adequado à obtenção de receitas capazes de cobrir o défice).

Outra resulta de que a Zona Euro (e os países de maior dimensão que a integram) é um agente activo da retoma e dos equilíbrios internacionais e não pode gerir-se como um conjunto de pequenas economias abertas, ao sabor das conjunturas originadas algures no resto do mundo. Esta é uma das mudanças fundamentais decorrentes da moeda única, que o modelo de política económica adoptado, incluindo o Pacto de Estabilidade, se mostrou incapaz sequer de enunciar e menos ainda de resolver.

A melhor forma de ilustrar o problema consiste em contrastar a política económica posta em prática na Zona Euro com a actuação do Fed ou, melhor ainda, com a estreita coordenação de políticas entre o Banco Central e o Treasury no Reino Unido. Nesses casos, a par do controlo da inflação, encontra-se a responsabilidade das autoridades pelo nível da actividade económica e do emprego, que não pode ser alijada em grandes zonas económicas, mais dependentes do mercado interno que do exterior. Nestas, a estabilidade monetária continua a ser uma condição necessária de desenvolvimento, mas não é uma condição suficiente, o que aumenta a complexidade da política económica, sobretudo no caso da Zona Euro, onde as responsabilidades estão muito divididas entre o BCE e um conjunto cada vez mais alargado de governos nacionais.

Ignorar estas dificuldades e continuar a defender o statu quo, mesmo perante a evidência do seu falhanço, pode ser o princípio do fim do ambicioso projecto europeu na sua forma actual. Em última análise, confrontando os modelos de política económica da Zona Euro e do Reino Unido, poderemos ter de concluir que, para salvar o projecto europeu, terá de ser a Zona Euro a «aderir» ao Reino Unido, em vez do contrário. O que mais uma vez demonstra que estamos longe de ter assistido ao fim da história.

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