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24 de Janeiro de 2008 às 13:59

A Norte do Paraíso

Na semana passada, os líderes de Portugal e Espanha encontraram-se na região mais pobre da Península Ibérica, a única cujo rendimento per capita divergiu significativamente do da UE na última década, e onde vive mais de 1/3 da população portuguesa. Os inv

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A crise que determinou que Portugal divergisse da União Europeia na última década teve duas causas principais. Uma delas, já bastante discutida, foi o excessivo endividamento e o modelo de crescimento puxado pela despesa interna. A outra foi o aumento da concorrência nos nossos tradicionais sectores exportadores, que ocorreu com a entrada dos produtos dos países de Leste, Turquia, Índia e China nos mercados europeus. Um choque externo que afectou sobretudo a região Norte (RN) e que explica a demora na recuperação.

As fortes quebras das exportações de têxteis, vestuário e calçado, que se verificaram até 2005, foram arrasadoras para muitas zonas do Norte de Portugal. Situação que se reflectiu nos rendimentos da região, afectando as restantes actividades, nomeadamente os serviços. De facto, entre 1995 e 2006, a RN foi a única região portuguesa a crescer claramente abaixo do ritmo médio da UE. Em resultado disso, é hoje a região mais pobre de Portugal e encontra-se entre as 30 mais pobres das 254 regiões da UE25. E o pior é que entre as 30 mais pobres foi uma das apenas três regiões que não convergiram com a média da UE, sendo a segunda com menor crescimento entre 1995 e 2004.

A evolução da RN explica a quase totalidade da divergência de Portugal em relação à UE nos últimos 10 anos, em particular se tivermos em conta os efeitos macro-económicos da quebra nesta região na procura das outras regiões portuguesas, nos impostos e transferências sociais. Neste período, o resto do país convergiu ou manteve o seu nível de rendimento relativamente ao dos países da UE. A RN decaiu, estando hoje o seu PIB per capita perto dos 56% da média europeia (UE27), cerca de 52% da média da UE12, um valor relativo inferior ao que Portugal apresentava em 1985. 

Outras regiões, como o Algarve, o Alentejo, a Madeira e os Açores, apresentaram nos últimos 12 anos uma forte convergência. Estas regiões estão especializadas em sectores completamente diferentes dos da região Norte. Sectores como o turismo, cuja procura mundial continua a crescer, e que contrastam com as indústrias baseadas na mão-de-obra barata, onde se verificou um forte aumento da oferta mundial e uma estagnação da procura.

Na RN não surgiram ainda alternativas que lhe permitam retomar a convergência. Em 2006 e 2007, as exportações portuguesas apresentaram um forte crescimento, rompendo o ciclo de diminuição dos sectores tradicionais, e afirmando-se em novos sectores da indústria e dos serviços. No entanto, o crescimento das exportações nos sectores tradicionais está a ser feito com aumentos de produtividade, o que implica que não deverá contribuir para recuperar os empregos perdidos. E os novos sectores exportadores são mais capital intensivos e exigem trabalhadores mais qualificados, o que significa que mesmo que produzam um valor superior não irão gerar o mesmo número de empregos, nem absorver os trabalhadores que as indústrias tradicionais estão a libertar.

O Norte de Portugal sempre valorizou o espírito de iniciativa e o sucesso material. Estes são factores que muito contribuíram para a sua prosperidade no passado. No entanto, tradicionalmente valoriza pouco o conhecimento e a instrução, factores de crescimento mais importantes na economia actual. A RN é uma das cinco (em 256) regiões da UE25 com menor percentagem de licenciados. Este é um problema que afecta todo o país, mas esta região tem metade da proporção de licenciados da Região de Lisboa e Vale do Tejo, estando claramente abaixo da média nacional. Este não é um problema do passado, em vários concelhos da região Norte mais de 50% dos alunos não terminam o secundário, nível superior ao da média nacional (36%), que condenam mais uma geração a ficar na ponta da cauda da Europa.

Num contexto de tão baixas qualificações é difícil que se possa projectar uma solução para o desemprego da região baseada apenas na alta tecnologia. Porém, os projectos dos centros tecnológicos, que estão a arrancar em Braga e nas Taipas (Guimarães), juntam-se a exemplos bem sucedidos, nomeadamente nas tecnologias da informação, e podem servir para enraizar na sociedade uma maior valorização da aposta no conhecimento. Entretanto, é importante conseguir atrair para a região mais investimento, nomeadamente estrangeiro. Investimento que através da formação possa criar empregos sustentáveis para trabalhadores, que tendo hoje mais de 35 anos estarão a trabalhar mais 30 anos sem terem as qualificações desejáveis para competir no mercado global. Os investimentos recentes do grupo IKEA ou da Quimonda, e mais antigos como a Grundig ou a Blaupunkt, são bons exemplos de criação de emprego. Se o espírito de iniciativa local se souber aliar ao conhecimento, muitos outros podem aqui nascer, e esta região poderá voltar a afirmar-se e a convergir.

A economia portuguesa é um bimotor, que tem estado a voar com um dos motores meio gripado. Será muito difícil recuperar altitude, se a região onde está mais de um terço da população não conseguir contribuir para a nossa convergência. Eu acredito que irá conseguir, mas as soluções não são fáceis. E sem elas, a emigração e a saída de quadros para Lisboa, continuará a ser uma realidade.

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