Opinião
A mesma luta
As réplicas que o Campeonato do Mundo de Futebol já produziu eram expectáveis mas não na quantidade com que deram à costa. Não falo sequer dos fundamentalistas.
Dos que, aliviados pela coisa ter acabado, continuam a zurzir no país por ter gostado dela. E dos que, por terem gostado tanto, inventam espaços onde podem agora proclamar virtualmente o jogo. De cada um desses tratará cada qual, entretidos nas respectivas barricadas.
Podia pensar-se que as referenciadas réplicas andavam ainda em torno de violações óbvias do proclamado «fair play». A do holandês que pôs a perna de molho a um português. A do inglês que usou um pé para produzir uma patada noutro português. A do português que investiu contra o pescoço de um holandês. E as de todos os outros jogadores, de todas as outras nacionalidades, que cometeram jogo violento. Esperava-se que se viessem retratar. Se o fizeram nunca saberemos. Porque tudo foi ultrapassado por algo mais «hard» e todas as atenções se viraram para a agressão incontornável de um francês a um italiano, na sequência de alegados insultos com que o dito italiano terá mimado o referido francês. A mãe e a irmã deste foram imediatamente convocadas para a discussão e a invocação de terroristas e aparentados também. E não faltou, não fosse italiano o alegado autor da convocatória e da invocação, a confissão da falta de cultura própria, impeditiva do conhecimento da figura do terrorista islâmico. Cada um diz o que quer e todos acreditamos com a maior candura, já se vê, na verdade e na bondade do que lhes vai na alma. Este género de filme, não tão aprimorado, é verdade, não nos é desconhecido. Lembramo-nos todos, já lá vão uns anos, da discussão em torno de uma alegada agressão de um jogador português a um árbitro, tendo-se, na altura, aventado sobre a possibilidade de forças ocultas terem projectado o abdómen do árbitro na direcção do punho do português que, desesperado, não conseguiu retrair o punho nem parar o braço, nem mesmo retirar a mão de tão incómoda posição.
Há, todavia, mais coisas debaixo do sol que, nem por isso, são claras e transparentes. Para lá dos prémios que o denominado grupo de estudos técnicos da FIFA decidiu outorgar e que se parecem certeiramente com negócios de compensação ( o futebol mais atractivo, que é um prémio género fora de concurso, «versus» o melhor jovem jogador), existem duas estranhas coincidências que unem, na latinidade, Portugal e Itália. A simples possibilidade da isenção fiscal aos prémios dos jogadores da selecção ou a pressão a que foi sujeito o veredicto em torno da situação apelidada de «calciocaos» e a eventual amnistia, numa primeira decisão rejeitada. A simples possibilidade causa náuseas. A ideia central é a mesma. Uns e outros, jogadores, portaram-se tão bem no mundial que merecem um prémio. O prémio é uma esponja. Que permita isenção fiscal e amnistia a crimes alegadamente praticados. Esta luta é muito latina. Só latinos se lembrariam de prémios destes. Invoca-se uma lei feita em circunstancialismos diversos e adapta-se ao caso vertente ou invoca-se a lei geral que prevê amnistias em dados casos e força-se a sua aplicação ao caso concreto. Evidentemente, a questão vai muito para lá da mera questão legal que, pelo menos no caso português, no que respeita à lei invocada, parece ferida de inconstitucionalidade. A questão situa-se no plano da equidade e da moral, coloca-se no plano dos princípios da igualdade e do mérito e é, neste sentido, uma questão política.
No fundo, só dois países latinos e estes dois países latinos acham plausível invocar a possibilidade de, como prémio, não pagar impostos ou branquear passado mais que nebuloso. O que nos leva ao plano da educação e da formação mais ancestral dos dois povos. E fiquemos por aqui.