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A Google que pode dizer não

No início apoiei a presença da Google na China. Estou absolutamente convencida que de cada vez que um utilizador obtém informação reforça uma pequena parte do cérebro que diz: "é bom saber coisas.

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No início apoiei a presença da Google na China. Estou absolutamente convencida que de cada vez que um utilizador obtém informação reforça uma pequena parte do cérebro que diz: "é bom saber coisas. Tenho direito de obter informação, seja sobre horários de comboios, estrelas de cinema ou actividades dos políticos que tomam decisões que afectam a minha vida".

Se se podem fazer perguntas sobre certas coisas mas não sobre outras, acabamos por questionar esse facto. As esperanças da Google (e minhas) de que poderia contribuir para libertar a China parecem agora um pouco ingénuas.

Naturalmente, a censura não é um grande segredo na China. O país emprega, aproximadamente, 30 mil pessoas como censores. Têm nomes e rostos, e podem negociar com um editor sobre um assunto sensível. É menos provável que negoceiem com detentores de "blogs", porque existem muitos, mas, segundo dizem, o Governo ensina os bloggers a apoiar a política governamental e, com sorte, podem conseguir um emprego (e segundo dizem receber 0,50 dólares por cada "post") para fazer o que o Governo pede.

Assim, porque é que a Google fez tanto barulho e ameaçou abandonar a China? A resposta passa, provavelmente, por uma combinação de interesses económicos e valores - ou de certa forma, por uma alteração de cálculos. Há muito tempo que a questão da censura irrita a Google (Brin, pela sua origem russa, mostra-se, segundo conta, particularmente hostil à censura) mas a empresa podia argumentar que a transparência sobre a censura era melhor do que não prestar serviços na China.

No entanto, a censura tem vindo a piorar. Talvez o argumento inicial estivesse errado: expor a censura chinesa não conseguiu diminui-la. Muitos chineses apoiam a censura do Governo: consideram que é uma forma de manter o civismo e a ordem. Sabem que o seu Governo é frágil e consideram que a crítica é penalizadora e não libertadora. Acreditam que, com o tempo, o Governo vai resolver os problemas.

Ao mesmo tempo, apesar da China representar um enorme mercado num futuro que nunca chega, este mercado não tem sido particularmente lucrativo para a Google. A Baidu, rival local da Google, beneficia de muitas formas do apoio governamental e do nacionalismo entre os utilizadores.

Em geral, a China é, actualmente, menos apelativa para os investidores do que era há alguns anos, não tanto por causa da economia chinesa, mas devido às limitações que qualquer empresa estrangeira enfrenta para alcançar importantes lucros de curto-prazo.

Esta desilusão crescente já estava presente quando uma onda de "ciberataques" à Google (e outras empresas) forçou a empresa a reavaliar toda a sua estratégia na China. A Google poderia ter enfrentado esta questão de outras formas: por exemplo, capitulando perante os vários pedidos do Governo chinês. Algo que, certamente, não estaria de acordo com os valores da Google - e que seria, provavelmente, também uma má decisão do ponto de vista do negócio.
Numa situação deste tipo - ou de fazer parte de um conselho de administração ou entrar num mercado - há sempre uma terceira opção, que é ir embora. Se isso não for possível, falta capacidade de negociação. Mas se essa opção existir, devemos estar prontos para a exercer.
Isso foi o que a Google fez na China - onde a sua decisão é irrevogável. A empresa não pode voltar à situação antiga. Nem tão pouco é provável que a China diga: "Nós não lançamos ataques informáticos e prometemos não voltar a fazê-lo".

Assim, dado que é pouco provável que a Google volte a entrar na China num futuro próximo, a empresa melhorou a sua posição de negociação em controvérsias futuras (e isso conseguiu o apoio do Governo dos Estados Unidos).

O que pode a Google fazer agora? Os meus amigos na AnchorFree querem que a Google apoie, de uma forma ou de outra, a Hotspot Shield, apesar da saída da China por parte da Google já ser apoio suficiente.

A Hotspot Shield é uma das melhores formas de contornar a rede interdita na China e utilizar "sites" como o Twitter, Facebook, e, claro, o Google.com (em oposição ao Google.cn).
Como a Google no passado, a AnchorFree pode operar de forma mais eficaz ao ser discreta, sem o apoio sonoro da Google e de outros "interesses estrangeiros". O seu "website" está muitas vezes bloqueado em países como a China (e muito países do Médio Oriente) mas há, normalmente, outras formas de obter o "software". O Google também pode ser bloqueado, mas há formas de aceder. Os próximos passos serão dos próprios utilizadores chineses.
No fim das contas, a China sabe que não pode fechar a Internet hermeticamente. Assim, alguém do Governo chinês está, neste momento, arrependido.

É tentador prever como isto vai acabar. Mas eu acho que não vai acabar. Tal como na Google, e na China, as decisões são tomadas mas nem todos concordam com elas. Existe um conflito entre os interesses empresariais e os valores morais.

No futuro próximo, este conflito vai continuar. Mas nesta pequena batalha de uma longa guerra, a transparência alcançou uma vitória.

Esther Dyson, presidente da EDventure Holdings, é uma investidora activa numa série de "start-ups" em todo o mundo. Os seus interesses incluem tecnologia de informação, cuidados de saúde e aviação privada e viagens espaciais.

© Project Syndicate, 2009.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques

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