Opinião
Cuidar de si próprio "online"
Um fenómeno interessante está a ocorrer no sistema de saúde norte-americano, independente das alterações no sistema de saúde do país: as pessoas estão a começar a tomar conta da sua própria saúde e a tentar evitar a necessidade de recorrer aos cuidados médicos.
Um fenómeno interessante está a ocorrer no sistema de saúde norte-americano, independente das alterações no sistema de saúde do país: as pessoas estão a começar a tomar conta da sua própria saúde e a tentar evitar a necessidade de recorrer aos cuidados médicos. Do mesmo modo que os computadores centrais institucionais foram substituídos por computadores pessoais, as pessoas estão a fazer o mesmo em matéria de saúde, mudando dos instrumentos institucionais para os individuais - não para tratar doenças sérias como o cancro mas para a prevenção e monitorização diária.
Uma variedade de tendências está a contribuir para que isto aconteça. Em primeiro lugar, começa a ser evidente que muitos problemas de saúde são auto-induzidos: demasiadas bebidas e comidas pouco saudáveis, demasiado tabaco e pouco sono e exercício. Esta evidência não é nova mas agora é mais fácil de acompanhar o comportamento pessoal. Tal como podemos usar um "software" financeiro para gerir o nosso dinheiro, também podemos utilizar vários instrumentos informáticos para monitorizar o nosso comportamento e as estatísticas relativas ao nosso corpo.
Muitos destes instrumentos são coisas que as pessoas conceberam para si próprias. Por exemplo, J.J. Allaire criou para si próprio a aplicação para o iPhone Lose It! para perder peso e passou de 88 para 77 quilos e ganhou 4,5 milhões de utilizadores durante este processo. Tal como os fundadores do Homebrew Computer Club, um grupo de "monstros" da informática que se juntaram durante os anos 80, muitos começaram por improvisar "gadgets" e mais tarde perceberam que tinham encontrado uma oportunidade comercial. Muitos destes novos investigadores "caseiros" na área da saúde reúnem-se na Quantified Self Meetups, onde algumas pessoas fazem demonstrações dos seus "softwares" e outros aprendem ou comparam dados.
Os instrumentos que utilizam incluem tudo desde pedómetros/acelerómetros que monitorizam os passos e o movimento (da Nike, FitBit e outros) a registos do sono (MyZeo), e controladores do pulso e do coração e também da glicose (principalmente para diabéticos). As pessoas também contam e calculam o seu consumo alimentar. Tal como podemos utilizar o nosso computador para gerir as nossas finanças de acordo com o nosso orçamento, também podemos utilizá-lo para gerir o nosso corpo.
A esperança é que estes dados possam ajudar as pessoas a alterar o seu comportamento na direcção correcta. No meu caso, já me comporto muito bem: nado 50 minutos por dia, uso fio dental regularmente, alimento-me com sensatez e muito outras coisas. Mas agora que utilizo o meu monitor de sono MyZeo (eu durmo bem!), tenho notado uma ligeira alteração no meu próprio comportamento quando saio à noite. Algumas vezes, sinto-me mais motivada a sair mais cedo, antecipando sono extra durante a manhã! Não é grande coisa mas é o tipo de alteração que com o tempo conta.
Os instrumentos sociais são, potencialmente, mais eficazes mediante a utilização da chamada "dinâmica de jogos". Ou seja, tal como podemos ganhar pontos colaborando com outros em jogos de vídeo como o "World of Warcraft" também podemos ganhar pontos competindo ou colaborando com amigos em comportamentos saudáveis. Este tipo de serviços tornam a saúde num jogo sério onde os outros podem reforçar a nossa força de vontade.
Imagine um "health club" que não nos ameaça mas, em vez disso, envia-nos uma mensagem: "Juan e Alice vão estar à sua espera hoje às 16h00 para levantarem pesos em conjunto". Ou "A sua equipa está apenas a quatro pontos da equipa azul. Por favor, junte-se a nós e ajude-nos a ganhar". Um serviço que já existe, e no qual eu pretendo investir, www.GetUpandMove.me, permite-lhe desafiar um amigo: "Vou nadar 50 minutos se a Alice correr à volta do quarteirão quatro vezes". O desafio é colocado no Facebook ou no Twitter, e o ideal é solicitar aos nossos amigos que nos incentivem.
Actualmente, este mercado é incoerente, muito semelhante aos primeiros tempos dos computadores pessoais. As diferentes aplicações não comunicam entre si; é difícil enquadrar o nosso exercício nos nossos padrões de sono ou partilhar dados com outras pessoas.
Mas essa é a parte apaixonante: há muitas empresas em fases iniciais, todas à procura de financiamento e de parceiros. Nem todas vão sobreviver; com sorte, algumas delas vão juntar-se. As empresas com boa tecnologia e péssimo "marketing" encontrarão outras com má tecnologia e um bom "marketing". As empresas em fases mais avançadas vão criar ligações com algumas aplicações principais e outras aplicações vão juntar-se a essas empresas.
Como é que tudo isto vai ser pago? No início, os primeiros a adoptarem este instrumentos vão pagá-los directamente, outros serão patrocinados pelos anunciantes. Seria bom acreditar que serão eficazes mas até agora temos tido poucas provas que isso aconteça. O testemunho de um vendedor de que nove em dez, ou 99 em 100, consumidores estão satisfeitos com os resultados dificilmente será convincente porque os que não conseguirem melhorar terão menos interesse em participar.
Mais convincentes serão os dados partilhados pelas pessoas e recolhidos (com permissão) por uma terceira parte. Em algum momento, é provável que os empregadores, interessados em ter empregados saudáveis e motivados e diminuir os custos de saúde (mas que exigem um nível menor de prova do que as empresas seguradoras e os governos), adiram com base neste esforço informal de recolha de dados e nos seus próprios programas piloto. Isso levará a uma maior recolha de dados e, eventualmente, haverá informação suficiente para convencer as companhias seguradoras e os governos a pagarem também.
Uma parte de mim resiste: a boa saúde deveria ser algo que as pessoas fazem por si próprias. Mas a minha parte realista reconhece, por outro lado, que há coisas que podem ser feitas para proporcionar um bom comportamento. Como contribuinte, prefiro pagar para fomentar o bom comportamento de outras pessoas do que pagar as consequências do seu mau comportamento.
Esther Dyson, presidente da EDventure Holdings, é uma investidora active numa série de "start-ups" de todo o mundo. Os seus interesses incluem tecnologias de informação, cuidados de saúde, aviação privada e viagens espaciais.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Uma variedade de tendências está a contribuir para que isto aconteça. Em primeiro lugar, começa a ser evidente que muitos problemas de saúde são auto-induzidos: demasiadas bebidas e comidas pouco saudáveis, demasiado tabaco e pouco sono e exercício. Esta evidência não é nova mas agora é mais fácil de acompanhar o comportamento pessoal. Tal como podemos usar um "software" financeiro para gerir o nosso dinheiro, também podemos utilizar vários instrumentos informáticos para monitorizar o nosso comportamento e as estatísticas relativas ao nosso corpo.
Os instrumentos que utilizam incluem tudo desde pedómetros/acelerómetros que monitorizam os passos e o movimento (da Nike, FitBit e outros) a registos do sono (MyZeo), e controladores do pulso e do coração e também da glicose (principalmente para diabéticos). As pessoas também contam e calculam o seu consumo alimentar. Tal como podemos utilizar o nosso computador para gerir as nossas finanças de acordo com o nosso orçamento, também podemos utilizá-lo para gerir o nosso corpo.
A esperança é que estes dados possam ajudar as pessoas a alterar o seu comportamento na direcção correcta. No meu caso, já me comporto muito bem: nado 50 minutos por dia, uso fio dental regularmente, alimento-me com sensatez e muito outras coisas. Mas agora que utilizo o meu monitor de sono MyZeo (eu durmo bem!), tenho notado uma ligeira alteração no meu próprio comportamento quando saio à noite. Algumas vezes, sinto-me mais motivada a sair mais cedo, antecipando sono extra durante a manhã! Não é grande coisa mas é o tipo de alteração que com o tempo conta.
Os instrumentos sociais são, potencialmente, mais eficazes mediante a utilização da chamada "dinâmica de jogos". Ou seja, tal como podemos ganhar pontos colaborando com outros em jogos de vídeo como o "World of Warcraft" também podemos ganhar pontos competindo ou colaborando com amigos em comportamentos saudáveis. Este tipo de serviços tornam a saúde num jogo sério onde os outros podem reforçar a nossa força de vontade.
Imagine um "health club" que não nos ameaça mas, em vez disso, envia-nos uma mensagem: "Juan e Alice vão estar à sua espera hoje às 16h00 para levantarem pesos em conjunto". Ou "A sua equipa está apenas a quatro pontos da equipa azul. Por favor, junte-se a nós e ajude-nos a ganhar". Um serviço que já existe, e no qual eu pretendo investir, www.GetUpandMove.me, permite-lhe desafiar um amigo: "Vou nadar 50 minutos se a Alice correr à volta do quarteirão quatro vezes". O desafio é colocado no Facebook ou no Twitter, e o ideal é solicitar aos nossos amigos que nos incentivem.
Actualmente, este mercado é incoerente, muito semelhante aos primeiros tempos dos computadores pessoais. As diferentes aplicações não comunicam entre si; é difícil enquadrar o nosso exercício nos nossos padrões de sono ou partilhar dados com outras pessoas.
Mas essa é a parte apaixonante: há muitas empresas em fases iniciais, todas à procura de financiamento e de parceiros. Nem todas vão sobreviver; com sorte, algumas delas vão juntar-se. As empresas com boa tecnologia e péssimo "marketing" encontrarão outras com má tecnologia e um bom "marketing". As empresas em fases mais avançadas vão criar ligações com algumas aplicações principais e outras aplicações vão juntar-se a essas empresas.
Como é que tudo isto vai ser pago? No início, os primeiros a adoptarem este instrumentos vão pagá-los directamente, outros serão patrocinados pelos anunciantes. Seria bom acreditar que serão eficazes mas até agora temos tido poucas provas que isso aconteça. O testemunho de um vendedor de que nove em dez, ou 99 em 100, consumidores estão satisfeitos com os resultados dificilmente será convincente porque os que não conseguirem melhorar terão menos interesse em participar.
Mais convincentes serão os dados partilhados pelas pessoas e recolhidos (com permissão) por uma terceira parte. Em algum momento, é provável que os empregadores, interessados em ter empregados saudáveis e motivados e diminuir os custos de saúde (mas que exigem um nível menor de prova do que as empresas seguradoras e os governos), adiram com base neste esforço informal de recolha de dados e nos seus próprios programas piloto. Isso levará a uma maior recolha de dados e, eventualmente, haverá informação suficiente para convencer as companhias seguradoras e os governos a pagarem também.
Uma parte de mim resiste: a boa saúde deveria ser algo que as pessoas fazem por si próprias. Mas a minha parte realista reconhece, por outro lado, que há coisas que podem ser feitas para proporcionar um bom comportamento. Como contribuinte, prefiro pagar para fomentar o bom comportamento de outras pessoas do que pagar as consequências do seu mau comportamento.
Esther Dyson, presidente da EDventure Holdings, é uma investidora active numa série de "start-ups" de todo o mundo. Os seus interesses incluem tecnologias de informação, cuidados de saúde, aviação privada e viagens espaciais.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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