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"Occupy" o Governo

Hoje em dia, muitas das discussões sobre a forma como os "social media" têm influenciado a política centram-se na sensibilização: as pessoas aderem aos "social media", descobrem que não estão sozinhas, começam a protestar e, entretanto, a sua "revolução Facebook" pode esmagar aqueles que estão no poder. Mas mesmo que tal revolução seja bem-sucedida, isso é apenas o princípio. O que acontece em seguida?

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Como uma “investidora anjo” de empresas em início de vida (“start-up”) e, algumas vezes, como filantropa, tenho a possibilidade de viajar pelo mundo e de conversar com pessoas distintas que me deram uma perspectiva informal e lúcida sobre como, na verdade, funcionam a maior parte dos países. [NT1] É uma imagem desanimadora. Estive em, aproximadamente, 70 países e descobri, aproximadamente, 70 diferentes formas de fazer com que as coisas corram mal.

Muitos destes países têm eleições. Mas, como tem sido dito sobre a Rússia, os candidatos até podem surpreender, mas o resultado é previsível. Frequentemente, apenas uma só pessoa ou um pequeno grupo tem quase um poder absoluto. Há empresas aparentemente independentes que estão, quase na sua totalidade, ao serviço de apoiantes do Governo, que, normalmente, recebem parte dos lucros.

Mesmo nas democracias verdadeiras, onde as populações votam livremente, as coisas estão a correr mal, como é exemplo da Grécia. Noutros locais, como no Egipto, a democratização conduz a ainda mais protestos ou até mesmo à violência.

Sim, as coisas parecem estar a melhorar na Birmânia e o Zimbabwe parece calmo. Mas a Hungria – e, mais recentemente, a África do Sul – promulgou legislação para reprimir as informações que podem danificar, não o governo em geral, mas aqueles que estão no poder. Por todo o mundo estão a emergir tumultos e protestos.

Nos Estados Unidos e noutras regiões, os governos eleitos costumavam assegurar os cuidados das populações. Contudo, actualmente, da mesma forma que algumas empresas conspiram contra os seus clientes para manterem afastados quem possa provocar perturbação, os governos tornaram-se num grupo de interesse distinto. Os partidos políticos trocam proveitos e ignoram aqueles que os elegeram.

Por exemplo, o poder de tributar é utilizado, frequentemente, mais para empregar funcionários públicos em empresas privilegiadas do que para fornecer os serviços que as populações querem. As burocracias ineficientes e sem concorrência focam-se mais em manter os postos de trabalho do que em servir potenciais clientes.

Uma parte do problema é como o dinheiro é distribuído, não apenas para os ditadores que, na prática, controlam toda a economia, mas também para os países democráticos, onde as empresas são livres de usar os seus recursos para “influenciar” o governo. Os partidos políticos pretendem transmitir ideias e visões do mundo mas, de muitas formas, eles são apenas máquinas de dinheiro que se auto-perpetuaram.

As recentes rebeliões um pouco por todo o mundo mostram que alguns cidadãos reconhecem que lhes estão a ser oferecidas falsas opções, muitas vezes com menos significado do que a escolha entre marcas de pastas de dentes. A ligação às redes sociais deu-lhes novas ferramentas para protestarem, de modo a derrubarem governos. Contudo, aquilo que é necessário são novos caminhos para que os governos operem de forma eficiente e responsável.

Não sei o que deve ser feito. Contudo, apoio um esforço, chamado de “Americans Elect”, que exige uma mudança radical nos Estados Unidos. Talvez seja um modelo para outras partes do globo.

A primeira tarefa do grupo é simplesmente conquistar o direito de ter um candidato nos boletins de voto nos 50 estados norte-americanos, de forma a combater o quadro convencional de um candidato democrata e um republicano. Tal não tem sido fácil e a luta continua estado a estado. As regras e as regulações na maioria dos estados protegem os dois partidos que dominam a política dos EUA há mais de um século. Acontece que as burocracias da maioria dos estados, teoricamente em respeito pelo público, funcionam, na realidade, em respeito pelos partidos, e fazem tudo para que o Americans Elect não integre os boletins de voto do próximo Outono.

Muitos comentadores defendem que o Americans Elect vai apenas retirar votos aos adversários no poder mas sem conseguir um impacto duradouro. Contudo, eu espero que uma frustração mais generalizada venha a dinamizar a capacidade do grupo para incentivar uma alteração genuína em direcção a uma nova abordagem.

O Americans Elect vai usar um grande conjunto de concursos e convocatórias dentro e fora da Internet para seleccionar um candidato que esteja em dívida para com milhões de pessoas, em geral, e não apenas para com um pequeno grupo de grandes doadores cujos interesses têm de ser respeitados pelo candidato. O plano é ardiloso: aquilo que está a ser pedido aos financiadores originais é que concedam empréstimos e não donativos. Dessa forma, não terão qualquer queixa a fazer ao Americans Elect depois de os empréstimos serem pagos. (Obviamente, eles serão uma natural fonte de dinheiro para a volta seguinte, por isso, o grupo tem de se tornar auto-suficiente com base nos pequenos donativos, ou corre o risco de se tornar dependente).

Esse dinheiro deveria ser suficiente para alcançar um público alargado que vai reagir através da Internet, ao dar pequenos donativos e ao participar de um esforço nacional para sugerir e escolher um terceiro candidato à presidência. Esse candidato não vai tentar dividir e polarizar o país, mas sim uni-lo em torno de abordagens de senso comum relativas à política orçamental, educação, saúde e outras questões a longo prazo. Em suma, a população não quer que lhe seja vendida a antiga pasta de dentes, mas aquilo de que verdadeiramente precisam é de verdadeiros trabalhos dentários.

O Americans Elect não é a única organização com esta visão mas é a única com a escala necessária. Recentemente, vi uma apresentação feita por uma empresa chamada 5ivePoints, que ajuda pessoas a elaborar as suas campanhas, muitas vezes voluntárias, mobilizando através do Facebook, Twitter, Google +, entre outros. Obviamente, a 5ivePoints vai procurar os partidos estabelecidos como clientes, mas a minha esperança é que os grupos como o Americans Elect, e, possivelmente, os manifestantes presentes em outros países, a comecem a utilizar (ou a alguma parecida). Se o objectivo é substituir os actuais governos com mais modelos de prestação de contas, temos de utilizar novas ferramentas online não só para dispensar os antigos modelos mas também para criar novos.

Esther Dyson, CEO da EDventure Holdings, é uma activa investidora numa variedade de empresas em início de vida (“start-up”) por todo o mundo. Os seus interesses incluem tecnologia da informação, saúde, aviação privada e viagens espaciais.

Copyright: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org


[NT1] Um “investidor anjo”, ou “angel investor”, na expressão original, é alguém (empresa ou individual) que está disposto a ajudar uma empresa em início de actividade.
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