Opinião
A Era do GPS
A inovação tecnológica parece conseguir acompanhar as necessidades do mercado, de uma forma que nos parece impossível de suster. No entanto, não parece abrandar de forma nenhuma.
Um PDA, adquirido no início deste ano, topo de gama, poderá estar ultrapassado em seis meses. A razão? Porque não tem GPS, ou WiFi, ou outras funcionalidades altamente inovadoras. Os produtos têm ciclos de vida de cerca de um ano e há uma verdadeira obsessão pela chamada “funcionalidade”.
Toda esta situação provoca um paradoxo interessante: num mundo em que as empresas tentam colocar o máximo de características nos seus aparelhos, há um desejo tão grande por simplicidade. Exemplo disso é o muito conhecido iPod da Apple ou o RAZR da Motorola. São aparelhos que apostaram num design diferente, num aspecto sofisticado e na simplicidade de operação para as razões do seu sucesso.
Quem é então o verdadeiro condutor das características destes aparelhos: o consumidor ou as empresas que os fabricam?
As estratégias que estão a ser usadas, pelos fabricantes, para moldar os padrões de utilização dos consumidores são baseadas em dois vectores contraditórios. Ou o fabricante adopta uma postura de ter tecnologia proprietária, não partilhada, ou adopta uma plataforma que é conhecida publicamente e explorada por vários intervenientes.
A primeira opção significa que os conteúdos e o funcionamento são exclusivos do fabricante. O exemplo óbvio é o iPod. Tecnologia proprietária e exclusiva, quer no aparelho em si, quer na interface com o computador.
Esta estratégia só funciona porque aparelhos como o iPod têm um apelativo emocional que ultrapassa a questão da funcionalidade do aparelho. Desafia o senso comum, porque é que um gadget com tão poucos atributos e funcionalidades tem tanto sucesso? Quem tem um iPod, acredita que o iPod é o melhor... não por causa da quantidade e diversidade de características técnicas, mas por ser muito bom no que faz. O iPod faz agora mais coisas, mas teve a sua fase de maior crescimento quando só tocava música, nada mais.
Completamente oposta é a estratégia dos fabricantes de PDAs baseados em Windows Mobile. Mesmo a quantidade de fabricantes diferentes que produzem aparelhos que são compatíveis em termos de software. O apelativo é baseado numa premissa completamente oposta. É a própria abertura da plataforma que constitui o maior apelativo. Neste caso, as características do PDA são cruciais para a proposição de valores, porque são a única coisa que permite uma diferenciação. Nestes casos, são raras as situações em que a simplicidade de utilização seja um dos valores a que se apela.
Os consumidores têm, actualmente, imenso poder sobre o desenho de novos produtos, especialmente os consumidores online. São verdadeiros “lobos com pele de cordeiro”, que podem fazer ou desfazer um produto. As características dos aparelhos são discutidas até à exaustão em forums, por meses a fio, muito antes do produto estrear.
Blogs, YouTube, MySpace... tudo contribui para a imagem global de um produto. Tudo é permitido online.
Hoje em dia, o feedback do consumidor é obtido ainda antes do produto ser lançado no mercado. Desta forma, todas as dúvidas e receios dos consumidores podem ser respondidas no produto final. Características técnicas podem ser adicionadas, outras podem ser removidas. Os fabricantes usam a Internet como uma ferramenta criativa de marketing. A Internet é utilizada como uma vantagem competitiva de maior importância.
Claro que a grande questão é que o produto tem de sair para o mercado, eventualmente. Há um perigo real de ficar demasiado tempo em desenvolvimento, e de se transformar na next big thing que nunca ninguém vai utilizar. A PS3 sofreu este efeito, com uma panóplia inicial de características que foi sendo reduzida até o seu estado actual, mas com um ano de atraso.
Outra variável complexa do desenvolvimento prende-se com a globalização, e com os mercados emergentes vs. mercados mais maduros. É surpreendente ver o nível de sofisticação dos telemóveis e PDA nesses mercados. Especialmente, quando a decisão de comprar um telemóvel envolve um nível de compromisso financeiro elevado.
Nos mercados mais maduros há uma tal saturação da oferta, que a diferenciação pelas características técnicas é mesmo a única hipótese de um produto se tornar diferente. Ou isso, ou o hype que criam.
No entanto, há duas funcionalidades emergentes que poderão dar a volta a estas questões, e se podem tornar centrais: a localização e o contexto.
Dependendo da localização do aparelho e do contexto em que se encontra, as aplicações e serviços propostos ao cliente podem ser diferentes. Teoricamente, até a própria forma como o utilizador interage com o telefone, pode ser diferente.
Ecrãs muito grandes e interfaces complexos são difíceis de utilizar num contexto móvel. A localização e o contexto podem resolver muitos dos problemas que se criam aos utilizadores e aos fabricantes.
A localização pode ser estabelecida por GPS, ou pela infra-estrutura de comunicações. A localização é a pedra basilar do contexto. O histórico de interacções, ou o método de transporte do utilizador, podem também ser inputs importantes.
O “gadget” faz parte das nossas vidas. Acompanha-nos em todos os momentos do dia. Assim sendo, a informação e os serviços disponíveis deviam variar consoante a hora do dia e o local onde nos encontramos. Este é o próximo caminho da personalização: aliar o contexto à utilização. Não temos as mesmas necessidades quando estamos no trabalho, no ginásio, na praia. O “gadget” tem de reflectir essa realidade.
Onde estamos, se temos bilhetes para o teatro, se estamos para atender alguns ou não estamos para ninguém.
Receber as mensagens de trabalho quando não estamos de férias, ou quando acabámos de chegar ao escritório, são exemplos de como o contexto pode afectar a funcionalidade.
Porque não aproveitar esta vaga para inovar? Afinal, inovar é algo que os portugueses fazem tão bem!