Opinião
A economia política da matemática
O senhor Presidente da República no seu recente roteiro da ciência preocupou-se com a possibilidade de em muitos cursos superiores que lidam com relações quantitativas se poder ser admitido sem aproveitamento no exame de matemática.
O senhor Presidente da República no seu recente roteiro da ciência preocupou-se com a possibilidade de em muitos cursos superiores que lidam com relações quantitativas se poder ser admitido sem aproveitamento no exame de matemática. No âmbito deste roteiro visitou, significativamente, a velha escola de economia do Quelhas onde ensinaram e investigaram alguns dos expoentes das matemáticas portuguesas: Mira Fernandes, Vicente Gonçalves, Bento de Jesus Caraça.
Pouco demorou para que o senhor ministro da Ciência e Ensino Superior anunciasse que passaria a ser obrigatório o exame de matemática para os cursos de - precisamente por esta ordem - Economia, Engenharia, Informática e Matemática.
O que está em causa é realmente muito importante e merece a preocupação do senhor Presidente da República e de todos nós, mas a resposta que agora se esboça, com a decisão referida não é a mais adequada. Trata-se de uma decisão contraditória com outras recentes no mesmo âmbito e, naturalmente, constituirá um engano que agravará a situação que é suposto melhorar.
Deve recordar-se que o Estado tem vindo continuadamente - e bem - a facilitar a entrada na universidade. Desde há muito, foi remetida para as escolas a decisão sobre os critérios de entrada e, como era de esperar, aquelas com dificuldade de recrutamento de estudantes foram diminuindo as exigências de entrada. Foi neste processo que muitas escolas de engenharia, economia, gestão e outras eliminaram, uma após outra, a exigência do exame de matemática. O resultado sobre o nível de formação dos estudantes foi, como seria de imaginar, devastador. Uma parte apreciável das razões para os baixos salários e a desadequação dos nossos diplomados ao mundo do trabalho deve procurar-se aqui. Mas isto não preocupou desde há décadas os sucessivos responsáveis políticos pelo sector.
Agora pretende-se atacar o problema da pior maneira, através de regulamentações, sem curar da previsão das suas consequências e da sua bondade para o resolver. Dado o efeito que teria sobre o número de entradas na universidade aquela medida ou não vai ser aplicada ou, simplesmente, irá ser acompanhada de nova e devastadora diminuição da exigência nos exames de matemática. Queira Deus que seja a primeira.
De facto, dar mais um impulso na diminuição da preparação matemática dos nossos jovens deve ser evitado a todo o custo, quer por razões de competitividade, como de mobilidade e equidade social.
O problema da competitividade resulta, em grande parte, da rigidez das estruturas sociais, da ausência de mobilidade no mundo empresarial, corporativo, político. O lugar onde a imobilidade social melhor se vê é no funcionamento do sistema educativo. Neste, o reduzido papel atribuído à matemática tem ali um papel fundamental.
O sistema educativo, em vez de reduzir as diferenças amplifica-as e a situação tende a agravar-se. Entre 2000 e 2006 as diferenças de desempenho entre a parcela dos estudantes de estatuto mais elevado e os estudantes de estatuto mais baixo agravaram-se em Portugal, ao arrepio do que seria desejável e ocorreu na maioria dos países. Entre os 30 países da OCDE só a Grécia e a Islândia conhecem situações piores.
A matemática não é só importante pelo treino do rigor, e da disciplina do pensamento. Esta disciplina é aquela em que entre nós, a diferenciação social pesa menos nos resultados da aprendizagem. Um sistema educativo sem preponderância da matemática é mais propício à reprodução das estruturas sociais existentes e à conservação de uma economia pouco competitiva.
Para a universidade e para o País receber candidatos bem preparados na matemática é decisivo. Mas como consegui-lo efectivamente?
As soluções existem e são exequíveis. Um exemplo positivo, embora tímido, foi dado com a divulgação semestral, pelos poderes públicos, de informação sobre a empregabilidade dos diplomados por curso e escola. Curiosamente, os media pouca atenção têm dado aquelas informações.
Outras iniciativas deveriam tender a realizar avaliações explícitas dos diplomados. Na verdade, um enfoque sério e eficaz não pode deixar de passar pela renúncia a um sistema burocratizado e inócuo e pelo investimento num processo de avaliação dos alunos diplomados à saída das universidades. Estas ficariam livres, libertando parte substancial da burocracia ministerial, para organizar o ensino a seu modo e para recrutar alunos e docentes como entendessem.
Os poderes públicos deveriam, assim, concentrar-se na organização de exames e na classificação dos diplomados. É aqui que entraria a matemática. Este seria o momento certo para controlar e influenciar o trabalho das universidades. O importante e o eficaz é o controle da preparação dos que saem e não o conhecimento dos que entram.
Estes exames teriam várias funções:
- De informação aos candidatos e aos empregadores;
- De guia para os decisores públicos que deveriam utilizar estes resultados para orientar as escolas, penalizando as piores e premiando as melhores de acordo com os critérios superiormente definidos.
Director do ISG - Instituto Superior de Gestão.
majesus@isg.pt
Coluna à terça-feira
Pouco demorou para que o senhor ministro da Ciência e Ensino Superior anunciasse que passaria a ser obrigatório o exame de matemática para os cursos de - precisamente por esta ordem - Economia, Engenharia, Informática e Matemática.
Deve recordar-se que o Estado tem vindo continuadamente - e bem - a facilitar a entrada na universidade. Desde há muito, foi remetida para as escolas a decisão sobre os critérios de entrada e, como era de esperar, aquelas com dificuldade de recrutamento de estudantes foram diminuindo as exigências de entrada. Foi neste processo que muitas escolas de engenharia, economia, gestão e outras eliminaram, uma após outra, a exigência do exame de matemática. O resultado sobre o nível de formação dos estudantes foi, como seria de imaginar, devastador. Uma parte apreciável das razões para os baixos salários e a desadequação dos nossos diplomados ao mundo do trabalho deve procurar-se aqui. Mas isto não preocupou desde há décadas os sucessivos responsáveis políticos pelo sector.
Agora pretende-se atacar o problema da pior maneira, através de regulamentações, sem curar da previsão das suas consequências e da sua bondade para o resolver. Dado o efeito que teria sobre o número de entradas na universidade aquela medida ou não vai ser aplicada ou, simplesmente, irá ser acompanhada de nova e devastadora diminuição da exigência nos exames de matemática. Queira Deus que seja a primeira.
De facto, dar mais um impulso na diminuição da preparação matemática dos nossos jovens deve ser evitado a todo o custo, quer por razões de competitividade, como de mobilidade e equidade social.
O problema da competitividade resulta, em grande parte, da rigidez das estruturas sociais, da ausência de mobilidade no mundo empresarial, corporativo, político. O lugar onde a imobilidade social melhor se vê é no funcionamento do sistema educativo. Neste, o reduzido papel atribuído à matemática tem ali um papel fundamental.
O sistema educativo, em vez de reduzir as diferenças amplifica-as e a situação tende a agravar-se. Entre 2000 e 2006 as diferenças de desempenho entre a parcela dos estudantes de estatuto mais elevado e os estudantes de estatuto mais baixo agravaram-se em Portugal, ao arrepio do que seria desejável e ocorreu na maioria dos países. Entre os 30 países da OCDE só a Grécia e a Islândia conhecem situações piores.
A matemática não é só importante pelo treino do rigor, e da disciplina do pensamento. Esta disciplina é aquela em que entre nós, a diferenciação social pesa menos nos resultados da aprendizagem. Um sistema educativo sem preponderância da matemática é mais propício à reprodução das estruturas sociais existentes e à conservação de uma economia pouco competitiva.
Para a universidade e para o País receber candidatos bem preparados na matemática é decisivo. Mas como consegui-lo efectivamente?
As soluções existem e são exequíveis. Um exemplo positivo, embora tímido, foi dado com a divulgação semestral, pelos poderes públicos, de informação sobre a empregabilidade dos diplomados por curso e escola. Curiosamente, os media pouca atenção têm dado aquelas informações.
Outras iniciativas deveriam tender a realizar avaliações explícitas dos diplomados. Na verdade, um enfoque sério e eficaz não pode deixar de passar pela renúncia a um sistema burocratizado e inócuo e pelo investimento num processo de avaliação dos alunos diplomados à saída das universidades. Estas ficariam livres, libertando parte substancial da burocracia ministerial, para organizar o ensino a seu modo e para recrutar alunos e docentes como entendessem.
Os poderes públicos deveriam, assim, concentrar-se na organização de exames e na classificação dos diplomados. É aqui que entraria a matemática. Este seria o momento certo para controlar e influenciar o trabalho das universidades. O importante e o eficaz é o controle da preparação dos que saem e não o conhecimento dos que entram.
Estes exames teriam várias funções:
- De informação aos candidatos e aos empregadores;
- De guia para os decisores públicos que deveriam utilizar estes resultados para orientar as escolas, penalizando as piores e premiando as melhores de acordo com os critérios superiormente definidos.
Director do ISG - Instituto Superior de Gestão.
majesus@isg.pt
Coluna à terça-feira
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