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18 de Outubro de 2002 às 11:13

A Arte do negócio internacional

Cerca de 70% das fusões e aquisições internacionais não produziram qualquer benefício económico para os accionistas, sendo que 31% das transacções chegaram mesmo a reduzir valor para os accionistas. Rita Prates Abreu, Cardigos & Associados

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Cerca de 70% das fusões e aquisições internacionais não produziram qualquer benefício económico para os accionistas, sendo que 31% das transacções chegaram mesmo a reduzir valor para os accionistas. Por Rita Prates, Abreu, Cardigos & Associados

Já não é novidade que o fenómeno da internacionalização da economia e das fusões e aquisições de empresas obrigam os Advogados a serem cada vez mais «internacionais»: a dominar idiomas estrangeiros na perfeição, a serem capazes de negociar fora do seu país e fora da moldura legal que conhecem.

Na análise desta realidade económica, que já não é recente, a KPMG Transaction Services realizou uma actualização em 2001 de um estudo de 1999, onde comparou a forma como as empresas de todo o mundo abordam as fusões e aquisições e como o sucesso das transacções criou valor para o accionistas.

Apesar de já não conterem o elemento surpresa de 1999, os resultados, embora já menos negativos, foram os seguintes:

- 70% das fusões e aquisições internacionais não produziram qualquer benefício económico para os accionistas, sendo que 31% das transacções chegaram mesmo a reduzir valor para os accionistas.

Esta situação ainda sofre disparidades quando comparamos os Estados Unidos e a Europa na criação de valor decorrente das transacções, uma vez que, na Europa, 24% criaram valor e nos Estados Unidos essa percentagem ascende a 35%.

Ao contrário do que se poderia pensar, também se apurou no mencionado estudo de 1999 que a principal razão para tal fracasso consistia nas diferenças culturais existentes entre os intervenientes nas referidas operações.

Com o intuito de abordar estas diferenças culturais na negociação, a associação multinacional de Sociedades de Advogados independentes, Multilaw, realizou uma Academia para jovens Advogados de todo o mundo, na qual a Abreu, Cardigos & Associados participou, que teve lugar no Quebec, Canadá, entre os dias 11 e 17 de Agosto e onde foi abordado o tema «The art of doing a dea».

Algumas das diferenças culturais na negociação mencionadas na referida Academia, poderão ser classificadas, no mínimo, como inesperadas:

À mesa das negociações:

Para ilustrar como pode haver diferenças culturais que inviabilizam um projecto comum, exemplificaremos com o caso do projecto Super Chip, que ocorreu em 1994, entre a IBM, SIEMENS e TOSHIBA.

As razões apontadas para o falhanço deste projecto, que levaram a que os diferentes grupos, passado um ano, se separassem, foram as seguintes: os alemães não entendiam que os japoneses, durante as reuniões, adormecessem quando se discutia um assunto que não lhes dizia respeito; os americanos queixavam-se que os alemães planeavam demasiado e que os japoneses gostavam de rever as ideias constantemente, não chegando a conclusões claras e, aos japoneses espantava-lhes o facto de terem de trabalhar confinados a pequenos escritórios individuais, em vez de trabalharem em grandes salas conjuntas, como estavam acostumados.

Quanto a colocar questões a clientes estrangeiros:

Os maiores contrastes dizem respeito aos orientais e aos ocidentais. Por exemplo, na Ásia, os clientes tendem a responder a uma questão concreta com uma resposta concreta. Se a pergunta claramente requer uma resposta mais alargada, tal terá de ser expressamente mencionado na pergunta.

Assim, exemplificando, se se perguntar a um asiático como está o tempo, ele quase certamente responderá «está bom», não mencionando que daqui a uma hora o céu vai ficar cheio de nuvens e vai haver uma tempestade.

Este aspecto a nível de negociação tem a maior importância, os Advogados ocidentais terão de ter em atenção que os seus conselhos legais não deverão de ir para além do estritamente perguntado pelo cliente, porque tal atitude, ao contrário do que se poderia pensar, é entendida como não profissional e até um insulto, uma vez que se considera que o Advogado está a insinuar que o cliente não sabe colocar a questão.

No relacionamento com as autoridades administrativas estrangeiras:

Mais uma vez as maiores diferenças dizem respeito às autoridades orientais. Estas autoridades e seus empregados não estão habituados a que os Advogados utilizem expressões como «tal não é correcto», «vocês não têm poderes para fazer isso» e que perguntem as razões que levaram a uma decisão que não consideram razoável.

A palavra «porquê» é uma palavra que os leva à total confusão, é uma palavra que se deve considerar de uso proibido. Estas autoridades não estão preparadas para que as suas decisões sejam questionadas e estão habituadas a uma cultura de obediência.

Estilo de negociação

Na conclusão de um negócio onde a outra parte é representada por Advogados estrangeiros, há que ter em atenção que os estilos de negociação são tantos como as nacionalidades.

Assim, a titulo de curiosidade, os advogados chineses recebem os advogados da parte contrária com um banquete onde se come e bebe em demasia. Quando chega o momento da reunião, a equipa que esteve no banquete é substituída por uma outra que irá efectivamente proceder à negociação.

Quanto aos japoneses, cuidado com o «sim», que não quer dizer que se aceita, simplesmente quer dizer «entendi». Por seu lado, os Tailandeses apresentam-se com um sorriso constante, mas tal não quer dizer que estejam a concordar ou discordar, à segurança nunca retirar qualquer conclusão da expressão facial!

No caso da conclusão do negócio ser feita com uma advogada tailandesa, nunca oferecer orquídeas, porque é o mesmo que oferecer relva! Finalmente, e agora por razões de segurança, nunca esquecer de tratar um japonês pelo primeiro nome de baptismo seguido de «San», a falta deste titulo já deu origem a rupturas nas negociações e até a ofensas físicas!

Rita Prates, Advogada, em colaboração com Vincent Chain, Sócio da Sociedade de Advogados Lee Hishammuddi (Kuala Lumpur, Malásia).

rita.prates@abreucardigos.com

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