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15 de Julho de 2003 às 10:53

A Administração Pública e o controlo da despesa pública

À mais ligeira observação encontram os especialistas e estudiosos da ciência das finanças razões fortes para crítica fundamentada no notável acréscimo de despesas.

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O controle da despesa pública está na ordem do dia, e a reforma da Administração Pública não pode deixar de ser feita tendo-o também em vista, numa dupla perspectiva: contribuir para a redução da dinâmica da despesa corrente em termos nominais, especialmente pela eliminação de duplicações de estruturas e competências; mas também, e mais importante, pela redefinição dos mecanismos, das competências e dos órgãos de elaboração, de acompanhamento, de avaliação e de responsabilização da e pela despesa pública. Neste sentido, permito-me transcrever um trabalho que considero de grande actualidade e relevância:

“(...) Tratadistas de economia, de finanças e homens de Governo têm-se debruçado, em todas as nações modernas, no estudo do problema do aumento crescente das despesas públicas resultante do alargamento dado aos fins do Estado, bem assim da sua intervenção, cada vez mais ampla, na vida económica e social.

A evolução tem sido vertiginosa nos últimos vinte anos; os Governos, impulsionados pelas teorias e reivindicações económicas, políticas e sociais, encontram a todo o passo motivos prementes de organização e de reorganização, quase sempre determinantes de novos encargos.

Por império das necessidades a reforma surge em determinado sector da administração pública; a breve prazo elas revelam-se noutro com igual intensidade e logo se desencadeia a norma jurídica para disciplinar um instituto ou novas relações económico-sociais. Em curto lapso de tempo as reformas administrativas atingem profundamente toda a vida da Nação, intervindo o Estado na actividade dos seus próprios serviços, dos serviços semipúblicos e em tantos outros de natureza privada e interesse público.

À mais ligeira observação encontram os especialistas e estudiosos da ciência das finanças razões fortes para crítica fundamentada no notável acréscimo de despesas. Não está em causa a concepção política que porventura sustentem acerca da maior ou menor intervenção do Estado na vida da Nação, porque importante maioria dos modernos autores acorrem com entusiasmo para decisivo intervencionismo. A essência da crítica está, sim, no facto de se entender que a administração dos dinheiros públicos e a sua defesa estão deficientemente salvaguardados.

Porquê esta afirmação? Por um lado é intuitivo que a sucessão de reformas naturalmente faz nascer serviços e atribuições em diferentes departamentos do Estado, tomado este em sentido amplo, que não raras vezes se justapõem, se identificam e se chocam. Com efeito, é extremamente difícil evitar que certas funções exercidas com o mesmo objectivo, embora em sectores diferentes, surjam aqui e além como consequência da vertigem reformadora.

Para obviar a esta situação propõem-se os Governos executar o que poderá chamar-se a reforma das reformas, isto é, a reforma administrativa propriamente dita, a qual, tendo em consideração a matéria legislada, examina em plano de conjunto a sua articulação, os seus excessos, as suas lacunas ou deficiências, procurando sanar o que se afigura excrescência, superabundância ou mesmo conflito de competências.

(...) Num segundo grau põe-se o problema da fiscalização das despesas públicas. Aqui se situa o fulcro das objecções a que nos referimos. Afirma-se de uma maneira geral que a execução orçamental carece de duas ordens de fiscalização. A primeira respeita à conformidade legal, isto é, tem em vista apreciar juridicamente o acordo do direito positivo com o facto da despesa realizada ou a realizar-se – é o contrôle financeiro. (...) Ao lado dele e funcionando com autonomia instaura-se o contrôle económico de natureza puramente administrativa, cujo superior objectivo é saber em que condições económicas são explorados os serviços.

Ora, precisamente, enquanto a fiscalização financeira ou de legitimidade oferece garantias de segurança para os dinheiros públicos, a segunda – a de mérito –, por inexistência ou precário funcionamento, está longe de permitir a qualificação da administração.

Na realidade, a ausência de métodos sistemáticos de investigação da execução económica do orçamento constitui o fundamento mais sério das críticas movidas à actual organização financeira.

O Estado intervencionista não se compadece, na verdade, com a exclusividade do contrôle financeiro. Os orçamentos actuais abarcam somas consideráveis, movimentando números e actividades que o orçamento do Estado-polícia nunca poderia atingir.

As repercussões económicas e sociais nas finanças públicas são agora de grande envergadura, por isso que o Estado exerce, além de todas as funções clássicas, as de comerciante, industrial, segurador, banqueiro, e ainda intervém, directa ou indirectamente, como grande interessado na relação económica, no abastecimento, na habitação, no trabalho, na saúde, na higiene, na assistência, nos transportes, etc., sendo frequentemente ele próprio o empresário e principal responsável na vida económica e social da Nação.

Como é da mais elementar percepção, tão vasta rede de tão altos interesses, envolvendo o investimento de elevadíssimos capitais e a instituição de numerosas administrações, exige necessariamente uma fiscalização económica e de mérito que se comporte à altura das próprias actividades.

(...) Em Portugal o problema apresenta as mesmas característica que ele oferece em todos os países. (...) Também no nosso país se observa ser perfeito o contrôle de legitimidade das despesas públicas no aspecto financeiro. Esta fiscalização, exercida em boas condições técnicas pelo Tribunal de Contas, é do mais relevante valor na administração pública. (...)

Ora é exactamente a qualidade da gestão administrativa que hoje preocupa os Governos no sentido de as despesas públicas se realizarem não só em conformidade legal, mas certificando-se também que se efectuam com maior economia numa plena eficácia. A gestão administrativa é fiscalizada precisamente, na nossa ordem jurídica, através do chamado autocontrôle exercido pela hierarquia administrativa, e isto em relação aos serviços públicos, porque, quanto aos semipúblicos, este 1.º grau da fiscalização não tem tido resultados brilhantes. O contrôle sistemático praticado por órgão competente não existe. (...)

Na época actual é extrema a necessidade da correcção económica das despesas públicas, já prevista entre nós, e que circunstâncias certamente imperiosas não permitiram implantar pràticamente. (...) Se esta correcção pode determinar, aqui ou além, quebras ao princípio da autonomia, deve lembrar-se que à primeira autonomia, que é da Nação, devem sujeitar-se todas as outras nos precisos termos dos preceitos constitucionais.” Estes extractos provêm de um texto de Joaquim José de Paiva Corrêa, publicado em 1950.

Por Fernando Teodoro
Publicado no Jornal de Negócios

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