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[94.] Santa Casa, BMW, Volvo, Lancia

É mesmo contagioso... Lá voltam as multidões... A Santa Casa apresenta agora na televisão um anúncio empolgante que mostra como tanta gente beneficia cada vez que o observador joga nos seus jogos de sorte ...

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A Santa Casa apresenta agora na televisão um anúncio empolgante que mostra como tanta gente beneficia cada vez que o observador joga nos seus jogos de sorte: os deficientes que jogam basquete no ginásio, os actores que ensaiam em fatos do século XVIII, todos largam as suas actividades e formam uma multidão feliz que se junta à porta dum posto de apostas na Praça da Figueira, em Lisboa, quando um homem entra para jogar. A multidão exulta em agradecimento quando ele sai com a sua aposta feita. Ao jogar-se, não só se ganha a possibilidade de sonhar com a riqueza como se ajuda os outros.

Numa campanha publicitária do novo BMW Série 3 o automóvel é comparado a uma pequena multidão de «sprinters». Mas por que raio? Porque o carro tem «a essência de um desportivo». Os «sprinters» estão encavalitados uns nos outros porque a comparação visa relacioná-los com a forma do carro. Eles são o carro. Quando o carro anda, eles andam, quando ele pára, eles param. O utilizador do automóvel nem dá por eles. Quando olha para trás, como se se tivesse apercebido dos «sprinters» (precisamente porque o veículo tem a essência dum desportivo), já eles lá não estão.

A comparação é uma das figuras de estilo visual mais usadas na publicidade, mas esta é um bocadinho rebuscada e, portanto, irritante. A multidão de «sprinters» está muito contida, muito artificial. Nunca poderá crescer. Tem demasiado a forma do carro, não pode mudar de forma. E há, ainda, a ideia de comparar o símbolo máximo da individualização da pessoa no espaço público – o automóvel – a uma multidão que se imagina dentro do carro. Ora essas características contrariam a essência da ideia de multidão que qualquer pessoa traz dentro de si. Os publicitários sacrificaram a justeza do conteúdo à forma visual e estética do anúncio.

Embora semelhante na ideia de multidão obediente e que anda sempre com o observador, o anúncio dos 5 milhões da TMN que correm ou param atrás da protagonista é muito mais correcto sociológica e ideologicamente.

A multidão que rejubila quando vê o novo Volvo V50 é mais moderada em tamanho. Está representada em sinédoque por sete pessoas, aliás, pela sombra de sete pessoas que fazem gestos de apreço pelo carro que ocupa a mancha branca da página. Centenas de anúncios recorrem ao processo de representarem graficamente a reacção de alguém para induzir essa mesma reacção no observador da publicidade. Neste caso, pretende-se que o observador se coloque no lugar, não dos que aplaudem na rua, mas dos que possuem um S-50 e são invejados. Este anúncio distingue-se pelo efeito estético das sombras e a forma imaginativa como se mostram pessoas sem se mostrarem.

A reacção do observador dum carro é gestualmente evidente num anúncio de imprensa do novo Lancia Musa. Um mulher a caminho da meia idade parou na rua, ficou de boca aberta e levou a mão ao peito, tal a sua admiração ao ver o carro. E uma outra, ao fundo, ri-se, ou porque vê a cena, ou porque está muito alegre por também ver o Lancia Musa. (Também poderiam estar admiradas pelo facto de o carro estar estacionado num sítio absurdo.) Este anúncio é tão dirigido ao público feminino que a sua organização na página parece a de uma página de revista feminina. Não falta, aliás, uma foto de um estojo de produtos de beleza – e será ele para o carro ou para a proprietária? A legenda diz que é um «Kit essências Beauty-Car, disponível para personalização exclusiva do Lancia Musa». O anúncio não é para mim, fico mesmo com a dúvida: Beauty-Car? Mulher igual a carro? Será que é o carro que precisa de rimel nos faróis e de um creme hidratante na pintura?

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