Opinião
[473.] Público, Galp
Diz a frase: "A nossa energia lá fora, gera futuro cá dentro." A frase está bem esgalhada, mas no melhor papel cai a vírgula. Entre o sujeito e o predicado, nunca. Deveria ser "A nossa energia lá fora gera futuro cá dentro." Ou então "A nossa energia, lá fora, gera futuro cá dentro."
A frase publicitária mais críptica do ano é a de um anúncio do Público a uma promoção dum DVD do programa televisivo "Estado de Graça" vendido com o jornal. Diz assim: "Aviso. A cópia tem sempre mais graça do que o original. Excepto o próprio DVD."
Vamos por partes, porque isto é muito complicado. A primeira palavra, "Aviso", remete para as ameaças que os detentores de direitos de autor e conexos colocam como primeira imagem desde o tempo das cassetes VHS. Tratando-se de um programa de comédia e de um anúncio a seu respeito, o pastiche promete um gozo a essas ameaças tornando o produto apetecível. Mas as minhas expectativas são exageradas.
O período seguinte diz que "a cópia tem sempre mais graça do que o original." Ora aqui está qualquer coisa que já dá muito que pensar a quem folheia um jornal. O que se pretende dizer é que a cópia pirata, ou à borla, tem a vantagem de não se pagar e que não pagar "tem graça". Será isto? Tem "mais graça" por ser "de graça", grátis? Talvez. Ou será que a cópia com mais graça se refere às imitações feitas no programa, como a de Maria Rueff, na imagem do anúncio, tornando a Teresa Guilherme, da Casa dos Segredos, ainda mais extravagante? O texto longo do anúncio poderia levar a esta interpretação, porque se refere às reinterpretações das "personagens" portuguesas, "verdadeiros cromos, uma autêntica comédia".
Mas não, infelizmente continuo sem poder interpretar assim o primeiro período do texto de entrada do anúncio, porque o segundo diz "Excepto o próprio DVD". Juntando este ao primeiro, a interpretação literal é de que o próprio DVD do programa tem menos graça do que o original. Por ter de se pagar e não ser "de graça"? Isto é muito estranho e é um contra-senso publicitário. Porque será que o DVD de "Estado de Graça" tem menos graça do que as outras cópias de "Estado de Graça"? Que complicação!
Continuo a pensar com dificuldade, é Verão, faz calor. A palavra "próprio" sugere que o DVD não é uma cópia, é o próprio original (sendo, por isso, no fundo da cabeça dos publicitários, que se deve comprar o DVD). Mas que o DVD não seja uma cópia é negado pela ligação dos dois períodos pela palavra "excepto", a qual integra o "próprio DVD" no conjunto de cópias possíveis. Portanto, não só esta segunda frase é incongruente em si mesma, como cria uma lógica incompreensível quando ligada à primeira.
É melhor abandonar esta análise. Está calor. São miragens, como a de uma vírgula a mais num anúncio da Galp. Fez-me lembrar o professor de Cantanhede que está sem contrato na escola, mas que parece contratado pela CGTP para andar por essa Europa fora com um cartaz dizendo "Vai estudar Relvas". Como notou João Pereira Coutinho no Correio da Manhã, quando o cartaz se estreou na Volta a França, "Vai estudar Relvas" significa que o ministro é objecto de estudo e que o observador se deveria empenhar em estudá-lo. Faltava a vírgula para indicar que o observador visado seria o próprio Relvas e que era ele quem se mandava estudar: "Vai estudar, Relvas". O que Pereira Coutinho não observou é que o cartaz foi feito por um professor dos nossos meninos portugueses. Vá lá, corrigiu o erro, e nos Jogos Olímpicos já acrescentou a devida vírgula.
No anúncio da Galp ou a vírgula está a mais ou falta uma segunda. Diz a frase: "A nossa energia lá fora, gera futuro cá dentro." A frase está bem esgalhada, mas no melhor papel cai a vírgula. Entre o sujeito e o predicado, nunca. Deveria ser "A nossa energia lá fora gera futuro cá dentro." Ou então "A nossa energia, lá fora, gera futuro cá dentro." Ou, se quisessem só uma vírgula, "Lá fora, a nossa energia gera futuro cá dentro." A primeira hipótese seria certamente melhor. Talvez os publicitários da Galp possam fazer como o professor de Cantanhede: corrigir o erro. Mostravam humildade, promoviam a boa ortografia e ajudavam a imprensa pagando pelas inserções do anúncio corrigido.
etc@netcabo.pt
Vamos por partes, porque isto é muito complicado. A primeira palavra, "Aviso", remete para as ameaças que os detentores de direitos de autor e conexos colocam como primeira imagem desde o tempo das cassetes VHS. Tratando-se de um programa de comédia e de um anúncio a seu respeito, o pastiche promete um gozo a essas ameaças tornando o produto apetecível. Mas as minhas expectativas são exageradas.
Mas não, infelizmente continuo sem poder interpretar assim o primeiro período do texto de entrada do anúncio, porque o segundo diz "Excepto o próprio DVD". Juntando este ao primeiro, a interpretação literal é de que o próprio DVD do programa tem menos graça do que o original. Por ter de se pagar e não ser "de graça"? Isto é muito estranho e é um contra-senso publicitário. Porque será que o DVD de "Estado de Graça" tem menos graça do que as outras cópias de "Estado de Graça"? Que complicação!
Continuo a pensar com dificuldade, é Verão, faz calor. A palavra "próprio" sugere que o DVD não é uma cópia, é o próprio original (sendo, por isso, no fundo da cabeça dos publicitários, que se deve comprar o DVD). Mas que o DVD não seja uma cópia é negado pela ligação dos dois períodos pela palavra "excepto", a qual integra o "próprio DVD" no conjunto de cópias possíveis. Portanto, não só esta segunda frase é incongruente em si mesma, como cria uma lógica incompreensível quando ligada à primeira.
É melhor abandonar esta análise. Está calor. São miragens, como a de uma vírgula a mais num anúncio da Galp. Fez-me lembrar o professor de Cantanhede que está sem contrato na escola, mas que parece contratado pela CGTP para andar por essa Europa fora com um cartaz dizendo "Vai estudar Relvas". Como notou João Pereira Coutinho no Correio da Manhã, quando o cartaz se estreou na Volta a França, "Vai estudar Relvas" significa que o ministro é objecto de estudo e que o observador se deveria empenhar em estudá-lo. Faltava a vírgula para indicar que o observador visado seria o próprio Relvas e que era ele quem se mandava estudar: "Vai estudar, Relvas". O que Pereira Coutinho não observou é que o cartaz foi feito por um professor dos nossos meninos portugueses. Vá lá, corrigiu o erro, e nos Jogos Olímpicos já acrescentou a devida vírgula.
No anúncio da Galp ou a vírgula está a mais ou falta uma segunda. Diz a frase: "A nossa energia lá fora, gera futuro cá dentro." A frase está bem esgalhada, mas no melhor papel cai a vírgula. Entre o sujeito e o predicado, nunca. Deveria ser "A nossa energia lá fora gera futuro cá dentro." Ou então "A nossa energia, lá fora, gera futuro cá dentro." Ou, se quisessem só uma vírgula, "Lá fora, a nossa energia gera futuro cá dentro." A primeira hipótese seria certamente melhor. Talvez os publicitários da Galp possam fazer como o professor de Cantanhede: corrigir o erro. Mostravam humildade, promoviam a boa ortografia e ajudavam a imprensa pagando pelas inserções do anúncio corrigido.
etc@netcabo.pt
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