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[384.] Clínica do Tempo

Com um simples efeito digital, o novo anúncio de imprensa da Clínica do Tempo

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Com um simples efeito digital, o novo anúncio de imprensa da Clínica do Tempo mostra um homem torcendo uma pele gigante da barriga como quem torce uma toalha, mas em vez de sair água, sai gordura. O impacto da imagem é literal.

Em anúncios anteriores, um homem ou uma mulher tinham umas pipetas de colchão pneumático na barriga ou no rabo expulsando ar do corpo, como se fosse gordura. Agora, em vez do ar, é mesmo um líquido amarelo, tipo óleo de fritar. E em vez das pipetas coladas ao corpo, nada mais do que as mãos espremendo a barriga.

A imagem está mais próxima do real, pois não recorre a um apêndice exterior, como as pipetas, nem à expulsão de ar, coisa diferente do que a Clínica do Tempo sugere que se tire do corpo. A ficção visual convidando ao emagrecimento deixou de precisar de metáforas de gordura. A metáfora desapareceu, sendo substituída por uma hipérbole, um exagero: na imagem do "pneu" com pipetas substituía-se o real por algo que dava nova identidade à obesidade, enquanto no novo reclame o que o homem está a fazer - torcer dobras de gordura e pele da barriga - está ao alcance de pessoas mais obesas.

A imagem hiperbólica torna-se ainda mais eficaz do que a anterior metáfora devido à proximidade com o possível. O gesto de torcer uma peça de roupa é corriqueiro e ganha força visual ao tornar-se biológico, parte do corpo.

Tal como nos anúncios anteriores, há imensas frases e promessas, mas é a imagem que singulariza este reclame. O observador pode identificar-se facilmente com o homem da foto porque, como nas das pipetas, não se vê quem é, pode ser qualquer um. Não há identidade individual numa foto do torso, entre o pescoço e a pélvis. Há uma identidade colectiva imediata que incluirá quem se sinta com quilos a mais.

O anúncio é um magnífico exemplar da incerteza semântica das imagens. A fotografia retocada sugere que se perde gordura sem recorrer a qualquer acção não natural e exterior ao próprio corpo. Isso não corresponde ao texto escrito, que menciona a utilização de "2 ultra-sons que rompem as membranas dos adipócitos", mas o anunciante e o publicitário podem invocar o carácter onírico e fantasioso das mensagens publicitárias para justificar que a hipérbole visual usada é apenas isso, um recurso habitual da publicidade. Isto é, o que a publicidade não pode ou não deve fazer por palavras - exagerar, ocultar ou faltar à verdade - faz através de imagens.
Acontece que, neste caso, o texto escrito do anúncio esticou demasiado a hipérbole, tal como fez com a pele da imagem, podendo induzir os leitores em erro. Noutro artigo (nº358) já analisei o texto escrito dos anteriores anúncios desta publicidade da Clínica do Tempo. No actual reclame, desapareceu a frase "não danifica a pele, os vasos sanguíneos, nem os nervos periféricos" e acrescentou-se a promessa de devolução da "elasticidade da pele". Outra frase tornou-se mais vaga: Em vez de "elimina a gordura pelas vias naturais", o que implicava fezes, urina e/ou suor, o novo reclame diz "A gordura é eliminada naturalmente", o que não corresponde à utilização, igualmente descrita, dos tais dois ultra-sons mencionados.

Fazendo desaparecer a metáfora das pipetas, substituindo-a pelo acto corriqueiro, quase biológico, de torcer a pele, e fazendo desaparecer uma sugestão de intervenção exterior sobre o corpo, o anunciante pretendeu tornar "natural" um tratamento que inclui ultra-sons.


ect@netcab



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