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[341.] Diesel

O que está a dar são campanhas polémicas, ou melhor, campanhas que a imprensa considere polémicas: os anunciantes rezam aos santinhos para que os reclames sejam apresentados como controversos, de modo a conseguirem uma campanha viral gratuita nos...

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O que está a dar são campanhas polémicas, ou melhor, campanhas que a imprensa considere polémicas: os anunciantes rezam aos santinhos para que os reclames sejam apresentados como controversos, de modo a conseguirem uma campanha viral gratuita nos media. Se não rezam, fazem de propósito, concebendo-a "chocante" para obterem uma notoriedade muitas vezes superior ao investimento.

Basta um único cartaz em Manhattan ou Paris para determinadas marcas alcançarem projecção mundial dos seus produtos. Outras campanhas já são delineadas com o desenvolvimento de acções virais, como é o caso da que a Diesel iniciou na Grã-Bretanha, ordenando aos observadores que sejam estúpidos. "Sê estúpido", diz o slogan. Os anúncios de imprensa, internet e rua conseguem uma perfeita ligação entre texto e imagem. Sugerem que é bom ser estúpido porque se ousa fazer o que os espertos não fazem ou fazem mal. Os estúpidos são corajosos, tentam, seguem as emoções, têm ideias divertidas, estórias para contar e pensamentos interessantes, são criativos (os espertos são "críticos", entre outros horrores). As fotos ilustram com um exemplo supostamente divertido cada uma das frases.

Como em toda a publicidade, as frases são aforísticas, não vale a pena contrariar a sua verdade profunda: "O esperto ouve a cabeça, o estúpido ouve o coração. Sê estúpido." A campanha teria de ter um lado irónico, dado que também pretende que o observador veja o esperto como estúpido e vice-versa. A confirmação da ironia vem pela imagem, mostrando os protagonistas em actos patetas, divertidos para quem os vive ou pelo menos para quem os observa. Os anúncios apelam à esmagadora maioria dos observadores, que nunca sairão da cepa torta, sem possibilidade de chegarem ao topo da escala social ou de notoriedade como nos sonhos sugeridos pela maioria das campanhas. Se somos estúpidos, então que ser estúpido seja bom.

A transformação da estupidez numa qualidade positiva ou até heróica é antiga, própria da comédia, em especial da cultura de massas. O estúpido safa-se, o estúpido faz rir, o estúpido é bom. O indivíduo inteligente é insuportável, como Sherlock Holmes, Nero Wolfe, Poirot ou Dr. House. O estúpido dos romances e dos filmes, em especial das comédias, representa o homem comum. Tal como nos reclames da Diesel, tem bom coração, é corajoso, tem ideias estapafúrdias que resultam e chega a herói. Forrest Gump acumula todas as características positivas do homem comum, o estúpido. O êxito da estupidez nos conteúdos de massas é centenário, como nos filmes de Chaplin, do Bucha e Estica, de Jerry Lewis, de Forrest Gump e nas comédias tolas como Aeroplano, Naked Gun ou as ainda mais tolas Academia de Polícia.

Houve estórias em que o estúpido ganhava por deixar de ser estúpido, caso da loira burra interpretada genialmente por Judy Holliday em Born Yesterday (1946), mas há muito que a estupidez se tornou um valor positivo em si, como num filme recente, cujo título me escapa, uma parábola passada no futuro onde os mais estúpidos tomaram conta de toda a estrutura social (porque toda a população é estúpida), agem contra si mesmos e só melhoram quando um estúpido que tem um ideia, como o dos anúncios da Diesel, mostra à sociedade que é possível cultivar plantas regando-as com água.

A campanha Diesel só inova, pois, por transformar a estupidez boa em publicidade e ao ousar - com a ousadia dos estúpidos que descreve - ordenar ao observador que seja estúpido. Ou melhor, que seja esperto e consuma Diesel. Isto é, que seja um estúpido esperto, gente comum, gente vulgar, homem-massa, pessoa "como as outras", estúpida em tudo menos na boa ideia de comprar Diesel. Isto é, na ideia estúpida de…, ou melhor, na atitude corajosa de comprar… ou seja,...

ect@netcabo.pt

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