Opinião
[287.] Millennium BCP
Depois de Jorge Gabriel, o Millennium BCP recorre a outra figura da TV, Bárbara Guimarães. Ambos apresentam programas de feel good TV: talk-shows para a terceira idade no caso de Gabriel e concursos "positivos" de afirmação pessoal no caso de Guimarães. Trata-se de jogar pelo seguro na comunicação institucional: se estas pessoas têm boas audiências nos seus programas e respiram simpatia, os anunciantes contam que esses valores simples se transfiram para os seus próprios valores.
A campanha do Millennium na TV tem um anúncio institucional e outro de produtos. Este último não apresenta uma inovação temática ou formal: mostra a apresentadora às compras, entrando na agência, falando com um bancário e para o espectador. O conteúdo é bastante limitado, parece que o banco apenas pretende dizer que (ainda) é um banco e que (ainda) anda por cá. A imagem que passa é de normalidade, de tranquilidade, de "a crise não passa aqui". Por isso, não interessava inovar, apenas dizer "estamos cá", e na sua rua. Bárbara Guimarães fornece ao anúncio não só a cara bonita como essa força do hábito, própria das "caras conhecidas" da TV. De facto, já passou mais de uma dúzia de anos desde que ela entrou em casa dos portugueses pela janela que nos transfere a realidade a seu modo, a televisão.
O anúncio cumpre à risca o preceito publicitário de não ser nem verdadeiro nem falso quando o narrador me diz: "seja cliente frequente por 7€ por mês e não pague cartões, transferências, cheques e assistência médica". Numa só frase diz-me para pagar e, em consequência, beneficiar à borla disto e daquilo, como se os 7€ fossem para outra coisa (ser "cliente frequente") e não um preço dos serviços especificados, calculado pelo banco, que seja vantajoso na captação e manutenção da carteira de clientes. Ao mesmo tempo, a frase é verdadeira, pois ao pagar aquele valor fixo o cliente não paga valores por cada um dos outros serviços. Paga aquele.
O outro anúncio, mais institucional, constitui um complemento deste, pois constrói uma narrativa metafórica a respeito da crise e do Millennium como salvador dos seus clientes. O mito audiovisual mostra um iate no meio do mar em ambiente de alvorada, ao fim da noite. O veleiro está cheio de gente, muito mais do que seria de esperar num navio daquela pequena dimensão. Pretende simbolizar os muitos clientes do banco a salvo no meio do mar instável que representa a crise económico-financeira. O texto fala em "tormenta" enquanto holofotes intermitentes simulam raios e coriscos. Os passageiros são jovens informais, mas um dos planos mostra o homem do leme, um cinquentão de cabelo branco com o olhar fixo no rumo, em frente: é a administração do banco, decerto.
Este mito, como os da Grécia antiga, tem poema cantado. Um rapaz a bordo, que representa o arcanjo da boa nova, diz que vem aí o novo dia, a esperança, etc. Os outros passam do ensimesmamento à agitação e alegria ao ouvirem a voz da salvação; à cantoria do coro, junta-se, vinda do seu seio, Bárbara Guimarães, vestida de Branca de Neve. A voz da apresentadora canta meio desafinada na parte final da cantiga e, por acaso (?), o anúncio faz lembrar o novo concurso que ela apresentará na SIC a partir de 11.01, Atrevam-se a Cantar. No concurso, toda a gente da bancada canta, como a gente a bordo deste veleiro bancário, e o finalista sairá do meio da assistência, como a apresentadora no anúncio.
O mito audiovisual do Millennium está montado ao género dos espectáculos de La Feria. Não se procurou realismo, com um veleiro no mar a sério, tormenta a sério… pelo contrário, acentuou-se a encenação teatral. O mesmo quanto à movimentação dos actores e à cantoria. A melodia e a sua letra também são ao estilo melodramático de efeito fácil e rápido dos colaboradores de La Feria, porventura será deles. A quantidade de sílabas e o desacerto das tónicas com a melodia torna difícil entender as palavras, mas mesmo assim o mito passa bem, dado que a construção cenográfica e em melodrama de fim feliz ajuda a acentuar a ideia de que a mensagem é metafórica, é mitológica, é a do barco/banco que leva os passageiros/clientes a bom porto pelo meio da tempestade financeira, a tempestade perfeita que estamos a viver.
O anúncio cumpre à risca o preceito publicitário de não ser nem verdadeiro nem falso quando o narrador me diz: "seja cliente frequente por 7€ por mês e não pague cartões, transferências, cheques e assistência médica". Numa só frase diz-me para pagar e, em consequência, beneficiar à borla disto e daquilo, como se os 7€ fossem para outra coisa (ser "cliente frequente") e não um preço dos serviços especificados, calculado pelo banco, que seja vantajoso na captação e manutenção da carteira de clientes. Ao mesmo tempo, a frase é verdadeira, pois ao pagar aquele valor fixo o cliente não paga valores por cada um dos outros serviços. Paga aquele.
Este mito, como os da Grécia antiga, tem poema cantado. Um rapaz a bordo, que representa o arcanjo da boa nova, diz que vem aí o novo dia, a esperança, etc. Os outros passam do ensimesmamento à agitação e alegria ao ouvirem a voz da salvação; à cantoria do coro, junta-se, vinda do seu seio, Bárbara Guimarães, vestida de Branca de Neve. A voz da apresentadora canta meio desafinada na parte final da cantiga e, por acaso (?), o anúncio faz lembrar o novo concurso que ela apresentará na SIC a partir de 11.01, Atrevam-se a Cantar. No concurso, toda a gente da bancada canta, como a gente a bordo deste veleiro bancário, e o finalista sairá do meio da assistência, como a apresentadora no anúncio.
O mito audiovisual do Millennium está montado ao género dos espectáculos de La Feria. Não se procurou realismo, com um veleiro no mar a sério, tormenta a sério… pelo contrário, acentuou-se a encenação teatral. O mesmo quanto à movimentação dos actores e à cantoria. A melodia e a sua letra também são ao estilo melodramático de efeito fácil e rápido dos colaboradores de La Feria, porventura será deles. A quantidade de sílabas e o desacerto das tónicas com a melodia torna difícil entender as palavras, mas mesmo assim o mito passa bem, dado que a construção cenográfica e em melodrama de fim feliz ajuda a acentuar a ideia de que a mensagem é metafórica, é mitológica, é a do barco/banco que leva os passageiros/clientes a bom porto pelo meio da tempestade financeira, a tempestade perfeita que estamos a viver.
Mais artigos do Autor
[784.] Fim
26.12.2018
[783.] Anúncio de perfumes no Natal
19.12.2018
[782.] Dolce & Gabbana: desastre na China
12.12.2018
[780.] Raposeira, Beirão d'Honra, EDP
04.12.2018