Opinião
[212.] Armani, Dolce & Gabbana
Por toda a publicidade, o homem é hoje exibido como objecto. Nisso não se distingue já da mulher. É uma inevitabilidade que a publicidade transforme tudo o que existe de concreto e abstracto em bens de mercado, seja mulher ou homem, seja a alegria, o des
O primeiro a chamar a atenção para esta tendência foi Karl Marx n’ "O Capital". Mais tarde, o marxista G. Lukács escreveu sobre a reificação que ocorre quando as próprias relações e experiência humanas são vistas como mercadorias e tratadas como coisas.
Na arte ocidental, porém, a mulher já era tratada como objecto de consumo antes do capitalismo moderno. Muitos quadros resultavam de um olhar masculino e destinavam-se ao olhar masculino, mostrando a mulher pronta a ser consumida pelo olhar. Veja-se no Louvre "Vénus, Sátiro e um cupido", de Correggio (1524-5) ou "Vénus e as Graças surpreendidas por um mortal", de Blanchard (1631-3): em qualquer deles o "voyeur" está dentro do próprio quadro. A publicidade tornou esta mulher-objecto uma realidade completamente óbvia, sem a sublimação artística do Maneirismo, do Barroco e por aí fora.
Com a igualdade dos sexos, homem e mulher ficam na mesma posição relativa. Em alguns anúncios, o homem-objecto é apresentado, tal como a mulher na pintura, através da sublimação artística. É o caso dos reclames de Attitude, perfume masculino de Armani. Também a embalagem do perfume se adequa perfeitamente aos tempos de hoje, quando o homem perfumado substitui o homem fumador: o frasco parece um isqueiro. O modelo masculino apresenta-se numa posição clássica recordando atitudes expressas na arte: Lourenço de Médicis, intelectual de mão no queixo, por Miguel Ângelo, ou um outro Pensador, o de Rodin. O modelo de Armani está de tronco nu e na sombra, pelo que, sem o rosto, é um objecto. A posição clássica é acentuada pela economia de meios na composição, mal se vendo a cadeira e a mesa onde o modelo assenta o cotovelo. Pelo preto e branco, o anúncio sublinha o classicismo da "Attitude", de modo a que a estética sublime a exibição da mercadoria humana.
Já os anúncios da água de cheiro Light Blue de Dolce & Gabbana gritam o contrário, acentuando ao máximo a mercantilização do corpo masculino. Aqui não há preto e branco, ambiente reflexivo – mas há, como veremos, referências artísticas. O anúncio sublinha a sexualidade do ambiente de Verão num barco no mar, com o azul e branco dominantes concordando com o nome Light Blue. O modelo exibe o corpo e põe o braço atrás da cabeça. Em vez da "filosófica" atitude do anúncio de Armani, neste optou-se pela abertura do corpo, numa atitude de entrega descarada que o olhar directo para a câmara acentua. O anúncio, tal como o modelo, transpira sexualidade. O homem está deitado, "chama" pelo (a) observador (a) com o olhar e a posição do corpo.
Para cúmulo, com o sexo de tanga mais próximo de quem olha o anúncio do que qualquer outra parte do corpo, o ponto de vista do fotógrafo coloca o observador entre as pernas do modelo, como Courbet fez em 1866 no seu então escandaloso quadro do sexo feminino "A Origem do Mundo". É este último aspecto que torna o anúncio provocador e perturbador, o que tem sido constante nas campanhas da marca. Ficam para trás os tempos em que só havia um ponto de vista masculino sobre o feminino, em que o mortal ou o sátiro olhavam Vénus, em que os corpos oferecidos ao olhar eram a "Maja Desnuda", de Goya, ou "A Origem do Mundo", de Courbet.