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[192.] Dolce & Gabbana

A Autoridade da Qualidade Publicitária britânica (ASA) obrigou a Dolce & Gabbana a retirar anúncios que considerou inspirarem a violência, depois de 150 queixas. Os dois reclames tinham sido publicados em jornais de referência londrinos. A decisão baseou-

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Caracterizada por campanhas no fio da navalha, a empresa italiana mostrava aqui - literalmente - facas ensanguentadas em anúncios. O caso foi uma boa ocasião para uma campanha publicitária ser explicada pelos próprios com argumentação séria e fundamentada. A empresa italiana afirmou que os anúncios se inspiravam em pintura oitocentista, eram altamente estilizados e pretendiam ser uma representação icónica desse período artístico. Acrescentou que os modelos não agitavam as armas de forma agressiva; que as cenas não eram realistas; que não havia palavras ou expressões sugerindo violência ou actos ofensivos; que os modelos se apresentavam em poses rígidas para concentrar a atenção dos leitores nas roupas.

Todas as explicações estão correctas. Há nos anúncios um ambiente napoleónico e fortemente teatral, habitual na pintura do século XVIII e inícios do seguinte; a presença duma mulher ou homem nus, tão frequente na pintura, corroboram a irrealidade das cenas; a rigidez e teatralidade são de molde a impedir qualquer impulso violento aos leitores; pode até dizer-se que a encenação da violência é contrária à violência. Qualquer leitor dos diários londrinos encontrará imagens de violência real muitíssimo mais chocantes nas páginas das notícias.

Em várias campanhas da D&G o tema mostrado ou conotado foi geralmente o da sexualidade híbrida ou homo, sendo esses  anúncios seguramente mais "violentos" para muitos observadores do que estes inspirados na pintura europeia. Há uma estética de afirmação homossexual vincada nas campanhas da marca. A homossexualidade é aceite hoje legalmente em todos os países desenvolvidos, mas não socialmente, pelo que é previsível que as campanhas da D&G provoquem uma oposição não verbalizada, tanta mais que a força visual das imagens é enorme e pode por vezes confundir-se com "gay pride".

Os anúncios considerados violentos no Reino Unido, porém, não se inscreviam nessa linha. Como muitas campanhas de moda, recorriam a arquétipos da arte ocidental para levar mais longe a provocação e o efeito de surpresa, para captar a atenção. Quem sabe se os que apresentaram queixa não encontraram aqui uma oportunidade politicamente correcta - a tal violência - para verbalizarem  uma reprimida oposição às campanhas da marca. O mesmo sucedeu com outro anúncio da D&G, este mostrando um homem mantendo os braços presos de uma mulher no chão, enquanto outros quatro observam, como voyeurs. Também aqui a rigidez dos modelos e a encenação não enganam quanto ao tipo de imagem e os voyeurismo masculino não constitui novidade: há centenas de anos que os maiores mestres da pintura europeia fizeram o mesmo, como o revelam, por exemplo, as muitas versões do episódio bíblico de Susana, com os dois velhos a observá-la nua sem ela saber (uma versão de Tintoretto no Prado, Madrid, até Maio). Este anúncio, como todos os actuais da D&G, é altamente estilizado. Foi escandaloso em Espanha, o governo interveio e a marca retirou-o.

Porque se queixam as pessoas de imagens violentas num mundo de imagens violentas e porque aceitou a ASA as queixas? Não referirei os argumentos, altamente expectáveis. A mim parece-me que as razões não são ditas nem pela ASA nem pelos queixosos nem pela própria D&G: é que, a contrário da pintura, estes anúncios... são anúncios. Publicidade. Espaço pago para aumentar vendas. Comércio. Não usam a (suposta) violência para a defesa de uma moral, como a ficção, nem para a criação estética, como a pintura. Nesse sentido, e desfazendo um aparente paradoxo, esta publicidade, como toda simbolicamente ligada por vários meios ao dinheiro, usa a violência num sentido que os observadores podem considerar como de violência... gratuita.

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