Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
27 de Janeiro de 2016 às 20:40

Tempo para um novo Presidente

Este é o primeiro artigo depois da eleição do novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Importa reconhecer que o processo que conduziu à sua eleição e o que anunciou já para o seu mandato contém algumas novidades.

  • ...

Antes de mais, saliente-se o tipo de campanha que fez, gastando tão-só uma verba manifestamente limitada face ao que tem sido, e foram também agora, a generalidade dos orçamentos, pelo menos das candidaturas mais significativas. É verdade, e está dito e redito, que Marcelo Rebelo de Sousa quase não precisava de campanha, porque foi presença assídua em casa dos portugueses durante bem mais do que uma década.

 

De qualquer modo, praticamente não fez comícios, tendo-se limitado a algumas sessões em pequenos recintos, não utilizou estruturas partidárias, não usou "outdoors", não ofereceu esferográficas nem impermeáveis, nem calendários, nenhum material de campanha. Teve uma pequena sede de campanha em Lisboa, perto do Palácio de Belém, e que se saiba mais nenhuma. Tinha um discreto diretor de campanha, Pedro Duarte, mas um "staff" do qual a figura mais conhecida publicamente era Virgínia Estorninho, militante essencialmente de base desde a fundação do PPD/PSD.

 

Tudo foi insólito e é bom lembrar que já há dez anos, quando Cavaco Silva se candidatou, Marcelo disse que não podendo ser nessa ocasião, talvez viesse a acontecer dez anos depois. Portanto, há dez anos ele sabia que podia ser candidato e foi referindo-o nas suas intervenções dominicais, nos vários canais de televisão, onde falava com os portugueses todas as semanas.

 

Por isso mesmo, admitindo essa possibilidade, ou estando mesmo convencido dela, podia ter organizado meios de comunicação e de promoção mesmo que sem orçamento elevado. Não o fez, e nem nas redes sociais isso aconteceu. Aliás, a propósito de redes sociais, diga-se também que esta campanha mais parecia uma campanha do século passado. A campanha e as eleições em si mesmas, porque quase nada informatizado, nada de voto eletrónico, as mesas de voto consultando listas de papel infindas com os nomes dos votantes, enfim, processos bem antiquados.

 

Mas Marcelo Rebelo de Sousa traz mais novidades e será o primeiro Presidente da República que prescinde da figura de primeira-dama. Marcelo sublinha o caráter unipessoal do cargo e diz que não faz sentido a projeção pública da família do Presidente. Tem explicado que essa realidade é mais própria de monarquias do que propriamente de regimes republicanos, no entanto, registe-se que na noite eleitoral quem mais foi aparecendo ou falando à televisão foi um dos seus irmãos. Marcelo referiu-se mais aos filhos, aos netos e à sua companheira, tendo dito dos primeiros que ninguém os veria a correr nos jardins ao Palácio de Belém numa referência direta ao ainda locatário do Palácio.

 

Marcelo parece pois querer introduzir o estilo de um Presidente mais do século XXI, numa época em que o "vintage" tem sucesso considerável. Esse estilo desapegado, solitário, descontraído, faz lembrar um pouco os primórdios da República, em que os primeiros Presidentes mantinham muitos dos seus hábitos anteriores à sua escolha para a chefia do Estado.

 

Marcelo vai ser certamente um Presidente mais descontraído, mais próximo das pessoas, que irá continuar a fazer "bodyboard" e a tomar banhos com frequência nas praias de Cascais ou do Guincho. Ninguém o pode censurar por isso, pelo contrário, as pessoas tenderão até a achar graça e a considerar interessante esse lado informal do novo Presidente. Esse lado simpático, o seu lado generoso, a sua faceta calorosa do ser humano Marcelo Rebelo de Sousa, será certamente do agrado dos portugueses.

 

O grande enigma, a grande questão, está em saber que decisões tomará o novo Presidente perante situações de crise, como falará aos portugueses, em que momentos vai escolher o silêncio, na prática o sentido das suas decisões. Por respostas que deu na campanha eleitoral sobre temas quentes, Marcelo Rebelo de Sousa já deu a entender que considera que um Presidente deve pôr de lado as suas convicções para ser representante do sentir da maioria da generalidade dos portugueses. É exatamente isso que ainda falta aclarar: a que tipo de convicções se refere Marcelo Rebelo de Sousa e em que ponto pode acabar essa isenção e imparcialidade e vir ao de cima o pensamento e o sentir do novo Presidente da República. Na prática, Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito pelo que os portugueses conhecem da sua vida até hoje e pelo que gostam daquilo que conhecem. Manda a verdade dizer que não foi eleito por aquilo que se propõe fazer, porque o principal que ele garantiu foi isso mesmo: que vai ser árbitro, que vai ser imparcial. Os árbitros devem de facto ser sempre imparciais, mas às tantas têm mesmo de apitar e a questão é saber, como dizia um destacado dirigente do FC Porto, que integrou um painel de comentadores com Fernando Seara e comigo na SIC e RTP, Pôncio Monteiro, mesmo aquilo que em princípio é falta, não é seguro que o seja porque "depende da intensidade".

 

Na realidade, os mandatos dos Presidentes da República trazem sempre surpresas em relação às personalidades que deles se lhes conhecia. Com Marcelo nem tudo vai ser novo, mas pouco será como antes. Portugal precisa, especialmente neste período da sua História, de um grande Presidente da República. Esperemos todos que Marcelo o consiga ser.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio