Opinião
Défices orçamentais e défices de compostura
Vítor Constâncio tem hoje serviços no BCE provavelmente mais apetrechados para lhe fornecer a informação de que necessita, do que tinha quando exercia as funções como governador do Banco de Portugal.
"Peu de temps après l'annonce des prévisions pessimistes de Bruxelles, Pierre Moscovici a tenu à réagir. Le ministre de l'Economie a 'réaffirmé' mardi après-midi l'objectif de la France. 'Je réaffirme notre engagement à ramener notre déficit sous le seuil de 3% en 2015', a-t-il dit devant la presse, jugeant que Bruxelles'raisonnait à politique inchangée', en ne prenant pas en compte les réductions de dépenses promises par Paris."
Novembro de 2013
"Face à la dérive budgétaire, Pierre Moscovici exclut toute rigueur supplémentaire."
Março de 2014
"Na realidade, a maior diferença (entre as projeções da Comissão e do Governo português) deve-se a uma abordagem menos otimista e, quanto a nós, mais realista, do impacto sobre o défice da retoma económica, e também talvez uma visão menos otimista sobre as medidas tomadas contra a fraude fiscal", declarou Pierre Moscovici.
Novembro de 2014
Esta sequência de declarações, que pedimos desculpa por ir em francês, demonstram bem o burlesco que pode atingir a transição de funções na vida política. Aqui há um ano, o ex-ministro francês da Economia e Finanças, Pierre Moscovici, discordava de Bruxelas sobre as previsões do défice e explicava que Bruxelas não tinha verdadeiramente em conta os efeitos previsíveis das medidas anunciadas pelo Governo francês. Desta vez, já nas vestes de comissário europeu, não se inibiu nada para responder aos jornalistas que a diferença de previsões sobre o défice e o crescimento da economia em Portugal resultava, certamente, das previsões de Bruxelas serem mais realistas. Ou seja, são mais realistas agora do que antes de entrar em funções, apesar de os serviços serem os mesmos.
Moscovici, aliás, pelas últimas notícias lidas antes deste artigo ser escrito, promete mesmo ser inflexível com o défice francês, mas dizia também, aqui há uns tempos, que não admitia mais rigor em França por causa de eventual violação das metas estabelecidas. Tudo isto faz pouco sentido e dá, de facto, pouca credibilidade. Há vários ditados para estes casos, um que diz que o "hábito faz o monge", o outro diz que "o homem faz a função". Nós, portugueses, também não nos podemos esquecer que Vítor Constâncio é vice-presidente do BCE, encarregado da supervisão bancária. Ainda agora foi ele o porta-voz dos resultados dos testes de stress aos bancos europeus. Mas aí acreditamos também noutra máxima, a de que "cada pessoa é o que é, mais as suas circunstâncias", como lembrava Ortega y Gasset. E Vítor Constâncio tem hoje serviços no BCE provavelmente mais apetrechados para lhe fornecer a informação de que necessita, do que tinha quando exercia as funções como governador do Banco de Portugal. Este caso Moscovici poderia ser divertido se não estivéssemos a tratar de assuntos tão sérios e, principalmente, se Bruxelas não tivesse passado a dispor de poderes de apreciação prévia dos orçamentos dos Estados-membros. Entregues, como estamos, a este "confusionismo" funcional, é difícil de saber como lidar com as situações.
Sinceramente, estou convencido de que até as agências de rating e os próprios mercados se sentirão confusos com todas estas incongruências, e não se devem sentir nada confortáveis quando se lembra o ditado português, "bem prega frei Tomás, ouve o que ele diz, não faças o que ele faz". Falando mesmo a sério destes assuntos sérios, todos precisamos de sentir que tem nexo aquilo que vamos ouvindo e vendo. Penso solidariamente no que sentirão os cidadãos franceses a ouvir Moscovici a dizer o que diz em Bruxelas, que dista só 200 km de Paris, onde costumava dizer exatamente o contrário. A UE precisa de tino, de juízo, precisava, ao fim e ao cabo, de compostura pessoal e institucional.
Advogado
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.