Opinião
Convergências permanentes
Num processo que envolve a UE e a NATO, Portugal e o seu território são um ativo estratégico muito importante para as operações.
1. Na intervenção que fiz no American Club of Lisbon esta semana tive ocasião de referir três pontos que assumem significado especial nas relações entre Portugal e os Estados Unidos da América. Quero referir-me, em primeiro lugar, à questão das Lajes. Como é sabido, este processo tem passado por diferentes fases na sua evolução e já se conheceu quer uma quase garantia de saída total dos interesses norte-americanos nos Açores, quer a hipótese de uma continuação da Base, embora com utilização de efetivos reduzidos, indo até à admissibilidade de um novo tipo de utilização mais ligado ou configurado a um centro de análise conjunta de informações e também a uma unidade de formação de pilotos de aviões, entre outras componentes. Estas decisões, em certa medida unilaterais por parte do nosso aliado, foram sendo devidamente ponderadas no Congresso dos EUA e a intervenção de congressistas, de um modo ou de outro, com laços a Portugal, permitiu que não se concretizasse uma opção de abandono total, que seria gravemente lesiva dos interesses dos açorianos, nomeadamente da ilha onde a Base se situa, a Terceira. As razões económicas e financeiras conjunturais, embora possam constituir um grande fator de pressão sobre a administração ou o governo de uma determinada época, podem ser más conselheiras para a formulação de opções estratégicas, por natureza, estruturais. A evolução que o mundo vai conhecendo, carregada de instabilidade em diferentes regiões, aconselha prudência na tomada de decisões com caráter de irreversibilidade. Por isso mesmo, foi recebida com agrado a notícia da reponderação de uma distribuição equitativa da nova realidade da presença norte-americana no Ocidente europeu entre o Reino Unido e as Lajes - dando por adquirido (e os próprios nem sempre dão) que o Reino Unido é Europa…
2. Cumpre salientar a importância cada vez maior que assumem as negociações do TTIP, ou seja, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. Já decorrem há mais de dois anos e foram agora especialmente pressionadas pela conclusão de outro acordo, também ele significativo, embora não tão ambicioso, entre os EUA e vários países do Pacífico. A emergência de novas economias de facto poderosas, apesar das variações nos níveis de crescimento e de poder surgir aqui ou ali uma crise nesse próprio processo de crescimento, leva as economias mais tradicionais, historicamente mais poderosas, a juntarem forças e a eliminarem barreiras para o livre desenvolvimento das energias dos agentes económicos. Sabe-se que é muita a rivalidade entre os dois lados do Atlântico, mas os estudos económicos apontam para ganhos anuais do lado da UE de cerca de 120 mil milhões e do lado dos EUA na ordem dos 100 mil milhões. E isto são ganhos mais ou menos diretos, porque o efeito indutor de desenvolvimento que tem um acordo como esse é dificilmente mensurável a uma distância temporalmente razoável. Facto é que o novo acordo não criará um espaço com regime idêntico ao da UE, de plena liberdade de circulação a vários níveis, mas representará, na prática, uma zona de comércio genericamente livre. Há ainda muita negociação por fazer, muitas barreiras por ultrapassar, muitas metas por alcançar, mas o processo parece muito difícil de anular. A competitividade é sempre de saudar, mas a concorrência obsessiva que leva a situações de "espionagem" ou de denúncias recíprocas de práticas dos concorrentes, geradoras de grandes convulsões, tem de acabar. Mas não haja dúvidas de que é muito difícil criar de repente esse espaço aberto que una dois espaços até aqui tão relacionados entre si, mas simultaneamente tão rivais um do outro.
3. O terceiro ponto tem, naturalmente, que ver com a defesa da Civilização Ocidental e com as consequências da guerra na Síria e nos territórios envolventes. A Europa sente os efeitos pela questão dos refugiados, mas também por atentados que, infelizmente, vão acontecendo também em território europeu. O mundo procura organizar-se para fazer face a essa ameaça e as últimas semanas têm sido de reconfiguração de estratégias e, em certa medida, de alianças mais ou menos estáticas. Enfrentar o que se passa com o Estado Islâmico, com a Al-Qaeda, com a resistência afegã, com os movimentos paquistaneses, com o Norte de África, com todo o Mediterrâneo, com a Líbia, com a Turquia, com os países da Primavera Árabe, são desafios enormíssimos que aconselham que opções como as referidas no número um deste artigo sejam tratadas com toda a cautela. Naturalmente, num processo que envolve a UE e a NATO, Portugal e o seu território são um ativo estratégico muito importante para as operações, eventualmente, a desencadear, mas sempre para os potenciais movimentos de forças norte-americanas e, porventura, de outros aliados nossos. Estes são temas que, entre outros, interessam muito a Portugal e que nenhum debate interno político, por mais intenso que seja, pode fazer esquecer. Por isso mesmo, apesar de saber que muitas das pessoas que foram ao American Club estavam lá para ouvir falar da política nacional, fiz questão de sublinhar estas notas no início da minha intervenção dirigidas a todos, mas em particular aos representantes diplomáticos.
Advogado
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