Opinião
As empresas e os Estados
É difícil, por vezes, a uma pessoa ou a uma empresa, ou a outro tipo de instituição, conseguir conciliar todos os valores que querem ver defendidos. Ainda agora, na assembleia-geral do BPI, havia interesses divergentes entre os acionistas e, entre eles, encontravam-se pessoas e empresas de diferentes nacionalidades.
Nessa reunião estava pois em causa, pelo menos, interesses individuais, interesses societários e, em diferente medida, interesses nacionais.
Se pensarmos no grupo Viola, no grupo Santoro ou no grupo La Caixa, temos exemplos de personalidades bem diferentes umas das outras, de grupos empresariais bem distintos e de três países independentes. É discutível saber-se em que medida as empresas devem pensar, para além do seu interesse próprio, dos seus acionistas e dos seus trabalhadores, também no interesse coletivo e, acima, no interesse nacional. É evidente que quando uma empresa ou um grupo empresarial tem sede num país de regime fechado, sendo, em certa medida, apoiada e protegida por esse regime, é mais provável que os dirigentes dessas sociedades pensem no interesse que lhes é exterior, que talvez não seja o interesse nacional, mas que é talvez o interesse do regime político a que estão ligadas. Noutros casos, quando os países têm regimes abertos, mas, apesar disso, são organizados na ligação entre o Estado e os interesses económicos privados, é também possível que os representantes de unidades empresariais tenham em conta aquilo que resulte de acordos estabelecidos de conversas havidas com os representantes do seu Estado. Já quando os países têm regimes livres ou abertos e o Estado é muito desorganizado no acompanhamento das grandes decisões que os agentes privados económicos têm de tomar, é menos expectável que os responsáveis pelas empresas pensem em algo mais que não seja o seu interesse corporativo.
Não pretendo com esta reflexão qualificar os diferentes intervenientes da questão do BPI com qualquer das categorias referidas, mas pensando em Portugal, na realidade do seu sistema financeiro, é legítimo que se pense que aquilo que se passa e se vai passar no BPI tem consequências no todo nacional. Quando foi feita a lei que permite o desbloqueamento em matéria de direitos de voto dos estatutos de entidades bancárias, tive logo ocasião de alertar em vários espaços que essa lei poderia ser considerada de facto por alguns uma "lei/medida" e que poderia dar origem a variadas impugnações e contendas judiciais. Este peso do interesse nacional, as decisões que sejam tomadas nas diferentes instituições financeiras portuguesas, chamemos-lhe assim, é maior do que alguma vez foi. Por isso mesmo, compreendo que os mais altos responsáveis políticos possam sentir o dever de fazer notar aos diferentes atores envolvidos essa dimensão relevante.
Não são só acionistas do BPI que estão obrigados a essa consideração do interesse nacional. Quer em relação ao BPI, quer em relação a outras instituições financeiras, cujo futuro está neste momento em especial equação, a ponderação desse vetor, a defesa dos interesses estratégicos nacionais, ganhou uma especialíssima exigência, nomeadamente para todos aqueles que, aos mais variados níveis, têm poder de decisão na matéria.
Veremos nas próximas semanas, em relação às diferentes instituições, se existe a coragem para contrariar a tentação de seguir caminhos gastos e com más provas dadas e se existe a capacidade para rasgar novos e imaginativos horizontes.
Advogado
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