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20 de Novembro de 2015 às 10:15

Contra o inimaginável, flores e velas

Recuso-me a deixar que a comoção que sei que sentiria substitua o dever de envolvimento racional a que o descalabro geral obriga.

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Há uns dois meses, a propósito da viralização da fotografia do miúdo afogado numa praia turca - de seu nome Aylan Kurdi - coloquei neste espaço as minhas dúvidas sobre a eficácia de uma sociedade que vê aumentar exponencialmente o seu apetite pelos aspectos gráficos das tragédias, sem que a esse apetite corresponda a urgente capacitação das causas dessas mesmas tragédias. Os media celebram efeitos, numa época em que a "reacção" é, ela mesma, "notícia"; poderíamos resumir isto dizendo que vivemos momentos de primazia da informação sobre o conhecimento. Resta saber que sociedade estamos a moldar com esses pressupostos, e que relação há entre a nossa indiferença e esse mesmo "infotainment"; torno a citar Marshall McLuhan (1911-1980): "O preço da vigilância constante é a indiferença." McLuhan era motivado pela ideia de que o "inimaginável" era sempre algo muito mais próximo do que aquilo que parece, e dedicou-se, mais do que às ideologias, ao estudo das interferências dos meios de comunicação sobre as sensações humanas. Se pensarmos que McLuhan morreu antes das redes sociais ou da internet, antes da queda do Muro, dos atentados de 11 de Setembro de 2001, ou de qualquer um dos vários "cisnes negros" com que o presente nos tem brindado, a relevância do problema explica-se a si própria: as sensações que os media nos dão dos factos, pouco ou nada têm contribuído para o seu entendimento, deixando-nos num estado de comoção geral que tem tanto de genuíno, como de inconsequente.

Que fazer, nestes tempos em que temos intimidade forçada com a violência? Pessoalmente, recusei-me a consumir qualquer imagem "real" da barbárie parisiense, incluindo - e sobretudo - imagens de câmaras de segurança nos locais da carnificina ou outras colhidas "as it happens". Perdoem-me a franqueza, mas no que toca à minha análise da loucura geral, recuso-me a deixar que a comoção que sei que sentiria, substitua o dever de envolvimento racional a que o descalabro geral obriga. Vi (e ouvi) as imagens dos adeptos ingleses no Stade de France a cantarem "A Marselhesa" de braço dado com os franceses, enterrando séculos de História e conflitos, a propósito de um jogo amigável de futebol, disputado debaixo de impensáveis medidas de segurança; tentei perceber - em alguns excelentes artigos e momentos televisivos - o que é isso do Estado Islâmico, onde nasceu, quem o paga, que desígnios oculta por debaixo da sua hipócrita pretensão "evangelizadora". Atentei no delicado momento em que nos encontramos no que toca ao horror da xenofobia, ao crescimento da extrema-direita tanto em países ricos, como em países pobres. Gostei de ver os Anonymous a desligarem contas do Twitter afectas à propaganda do Estado Islâmico aos milhares; gostei de ver Marine Le Pen, com a cabeça aninhada entre as orelhas, a elogiar Hollande e a perceber que é muito fácil fazer a demagogia da violência, até ao dia em que ela nos entra pela porta dentro. Consumi mais e mais informação. E o caro leitor, provavelmente, também. E aprendi, sem dúvida.

Mas a única coisa a que assisti e que achei digna de mudar o mundo foi a curta e eloquente entrevista de rua a uma criança francesa e ao seu pai, gravada durante uma manifestação de solidariedade para com as vítimas deste brutal atentado. Uma entrevista em que a criança vai dando conta do seu medo, e o pai - perante um entrevistador que tem a inteligência de saber estar calado - a vai tranquilizando. "Eles têm armas, podem disparar"; "Mas nós temos flores; as velas e as flores estão aqui para nos proteger". Imperdível lição sobre como o mundo se muda a partir de dentro das nossas casas.


http://www.tvi24.iol.pt/internacional/atentados-paris/eles-tem-armas-nos-temos-flores-o-pai-que-esta-a-comover-o-mundo
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