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24 de Dezembro de 2014 às 09:45

A Sra. Motorista e os Três Reis Magos

O Natal é uma espécie de momento de trégua universal, luz e fogo contra o escuro e o frio.

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"A Senhora esteve na paragem tempo a mais - e eu ando sozinha a guiar este autocarro - porque 'cortaram' os 3 colegas que faziam esta carreira. A greve que vamos fazer é no interesse nosso e vosso - mais um ano disto, e não há autocarros para ninguém.'


Uma motorista de autocarro no Porto respondia, assim, a uma passageira que, de cabeça perdida sabe Deus por que sofrimentos diários, insinuava cobras e lagartos sobre a greve que os trabalhadores da STCP planeiam fazer já no início do novo ano. Com o período de compras a lembrar a carteira vazia, as obras e o trânsito a dificultarem a circulação, a iniquidade a crescer no fermento nefasto da inconsequência geral, é um passo curto até que mesmo o cidadão mais paciente perca o tino e a lucidez. Neste caso, felizmente, uma conflituosidade galopante foi desarmada pela pedagogia; quando chegámos ao fim da linha, a conversa tinha-se alastrado a todo o autocarro. Onde antes só se ouvia atrito, respirava agora uma conversa interessante. Perspectivas diferentes deixaram então de estarem condenadas ao conflito e, de forma civilizada, transformaram-se em algo construtivo. Tão só porque a Sra. motorista decidiu explicar, dialogar, conversar. Como num conto de Natal, daqueles que fluentemente nos ensinam que a mesquinhez é mal que cresce, como erva daninha, alimentada pelo medo.


Em alguns textos este ano - às vezes como tema central, outras como referência paralela - tentei debruçar-me sobre a quota parte de responsabilidade que temos no estado de coisas a que chegámos. É um exercício cansativo e, porventura frívolo, tentar reflectir sobre o "nós". Até porque "nós", há muitos. Há, no entanto, partes partilhadas que tocam a todos, e que fazem parte da forma como nos identificamos uns com os outros - o Natal é, claramente, uma delas. Uma espécie de momento de trégua universal, luz e fogo contra o escuro e o frio. Um tempo de generosidade contrastante com o vácuo generalizado.


É no Primeiro Livro do Novo Testamento, o Evangelho segundo São Mateus, que encontramos referência aos Reis Magos, cuja chegada a Belém com as suas oferendas marca o ritual das ofertas como símbolo da época. Curiosamente, esta referência é única; ou seja, ao contrário do que sucede com outras figuras ou narrativas, não há delas senão uma única descrição, isto em termos de Evangelhos Canónicos. Sabemos que São Mateus se refere aos Magos como tendo "vindo do Leste" para admirar o Rei dos Judeus. Note-se que, nessa mesma descrição, não há qualquer referência ao facto de serem três, sendo que há até alguns cultos cristãos que consideram que possam ter sido doze. Mas o que conta, realmente, é o valor intangível da ritualização, e não a mesquinhez literal - é na celebração do ritual que achamos ter encontrado a força das coisas partilhadas, e é essa a simbologia universal e indiscutível das prendas que os Reis trouxeram a Jesus.


O Natal tem esta coisa extraordinária que é a contaminação positiva geral, e isso é que importa. E a natureza acompanha-o: no dia 21 de Dezembro começa o escuro Inverno, mas os dias esses, começam já a ficar mais longos.

 

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