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02 de Abril de 2023 às 21:10

O Governo "matou" a confiança dos privados com o Pacote Mais Habitação

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o Pacote Mais Habitação, o IVA zero nos alimentos, as mais recentes sondagens políticas, entre outros temas.

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O PACOTE DA HABITAÇÃO

O que nasce torto tarde ou nunca se endireita. O ditado popular aplica-se bem a este caso. O Governo tentou endireitar o programa. Fez vários recuos. No final, tudo espremido, soa a pouco. Os dois problemas centrais mantêm-se: não há mais construção; e não vai haver mais arrendamento.

Precisamos de construir mais casas. Na última década construímos seis vezes menos que na década anterior. O que é que o programa faz para haver mais construção? Nada. O que há é o que já havia: o PRR. Até a simplificação dos licenciamentos, a medida mais positiva, foi adiada.

Precisamos de mais casas para arrendar. Mas provavelmente não vamos ter. O próprio PM, aqui, na SIC, não se comprometeu com um número. Com este programa, o Governo "matou" o bem mais inestimável de todos: a confiança dos senhorios. E sem confiança dos privados não há mais arrendamento. Até João Leão, ex-ministro das Finanças, reconhece que os privados são essenciais para resolver a crise da habitação.

Vejamos a questão mais polémica: a do arrendamento forçado.

Esta medida inquinou o programa. Retirou-lhe credibilidade. E não vai servir para nada. É ter a fama sem ter proveito. O Governo fica com a fama de radical e não vai arrendar uma única casa. Nem os municípios querem. Nem o IRHU tem meios para o fazer. Nos últimos dias até três Presidentes de Câmaras do PS (Sintra, Gaia e Gondomar) se distanciaram da ideia.

E, todavia, há um problema com prédios devolutos, que devia ser resolvido com rapidez para colocar casas no mercado: há milhares de prédios que estão degradados. Precisam de obras. Obras que os proprietários não fazem, muitas vezes por falta de recursos. O Governo podia criar uma linha de crédito bonificada para financiar estas obras. O Estado bonificava os juros, com a condição de o proprietário arrendar os prédios reabilitados, com rendas acessíveis. Assim se reabilitava património e se arrendavam mais casas, com rapidez. Tudo na base do incentivo e do bom senso.

IVA ZERO E CRÉDITO À HABITAÇÃO

O Governo celebrou com a CAP e a APED um acordo, reduzindo o IVA, para fazer baixar os preços de vários produtos nos supermercados. A medida é polémica e os resultados são incertos. Mesmo assim, acho um passo positivo:

Primeiro, combater a inflação na alimentação exige um esforço de três agentes: a produção, a distribuição e o Governo. Estavam todos de costas voltadas. Acabaram juntos. Um sinal na boa direção.

Segundo, a solução portuguesa é mais eficaz que a espanhola. Aqui, ao contrário de Espanha, os supermercados obrigam-se a baixar os preços na dimensão da redução do IVA.

Terceiro, os supermercados podem falhar no seu compromisso, dizem alguns. É verdade. Mas não é provável. Se os preços não baixarem, o sector da distribuição vai ser fortemente afetado na sua reputação. É um risco que os grandes grupos não querem correr.

No crédito à habitação, as medidas de apoio aprovadas pelo Governo são consideradas por todos manifestamente insuficientes. Vale a pena, pois, dispensar atenção a uma proposta complementar apresentada pela DECO PROTESTE: um travão à subida das prestações dos empréstimos.

A proposta é esta: quando a taxa de juro de um empréstimo cresce mais do que 3pp, o excedente será diferido para mais tarde e pago só no final do contrato.

As vantagens para o titular são evidentes: seriam menos sobrecarregados no presente. Os encargos serão os mesmos, mas mais suaves porque mais diferidos no tempo.

Os Bancos não teriam qualquer desvantagem. Recebem menos no presente, mas seriam ajustados no futuro. E o Governo não teria qualquer encargo financeiro adicional. Porque não avançar?

SONDAGEM: UM ANO DE GOVERNO

A sondagem SIC/Expresso, tem muito que se lhe diga. Desde logo quanto ao Governo: cerca de 64% dos portugueses acham que o Governo é mau ou muito mau. Um resultado desastroso: 2 em cada 3 inquiridos não gostam do Governo. Não é só por causa da inflação, como disse o PM, na SIC. É mais do que isso:
Primeiro, o Governo não tem obra a apresentar. Apesar de 7 anos de poder. É na habitação, na saúde ou na educação. Isto é fatal.

Segundo, é um Governo fraco. Dos mais fracos que o país teve até hoje. Há ministros inexistentes, impreparados e vários erros de casting.

Terceiro, houve demasiada arrogância neste primeiro ano de maioria. Casos e casinhos que o país não gostou.

Finalmente, são muitos anos de poder. O país cansou-se. Começou a ficar farto do Governo, das caras, do estilo, do discurso. Não vai ser fácil recuperar. O cansaço é mais estrutural que conjuntural.

Para o PSD, esta sondagem é boa e má. Boa porque empata com o PS, depois de ter andado anos a perder. Mas não dá para embandeirar em arco.

Primeiro: o PSD não está a saber capitalizar o descontentamento em torno ao Governo. O PS perde 7pp e o PSD só cresce 1. Não é brilhante.

Segundo: o Chega, com 13% de votos, é um problema para o PSD: pode impedi-lo de ganhar as eleições europeias. O Chega está a beneficiar da ajuda do PS e do PSD: o PS valoriza-o, considerando que um Chega forte enfraquece o PSD; o PSD normaliza-o, mantendo uma ambiguidade perigosa sobre acordos governativos futuros. Um erro de Rio que Montenegro tarda em corrigir.

Terceiro, não é líquido que o PS baixe ainda mais nas sondagens. O núcleo duro do PS sempre esteve entre os 28% e os 32%. A prova é que, em 2015, mesmo perdendo eleições, o PS fez 32%. Logo, é o PSD que tem de crescer. E rapidamente. As europeias são já daqui a um ano. Sem ganhar as europeias a liderança de Montenegro pode entrar em crise.

AS DESIGUALDADES NOS SALÁRIOS

Há uma semana, expliquei aqui que Portugal voltou a cair no ranking do PIB per capita da UE. E que essa realidade tem uma influência grande nos baixos salários. E ontem mesmo, falando para sindicalistas, o PM veio apelar a um esforço negocial maior com vista ao crescimento dos salários. Este é, de facto, o nosso grande calcanhar de Aquiles. Vejamos os dados essenciais:

A tendência dos últimos anos é negativa: os salários, em 2020, tinham um peso de 48,4% no PIB; em 2021 esse valor caiu para 47,9% e voltou a cair para 47,1% em 2022.

A questão salarial é ainda mais séria se atentarmos nos números da desigualdade salarial entre homens e mulheres:

Pela positiva, há a constatar a evolução dos últimos 12 anos: em 2010, os homens tinham, em média, um salário 17,9% mais alto do que o das mulheres; em 2021, esta diferença baixou para 13,1%. Mesmo assim, em média, as mulheres continuam a ganhar muito menos que os homens. A situação melhorou, mas muito pouco.

Pela negativa, há a constatar que, sempre que as qualificações aumentam, a desigualdade contra as mulheres é mais gritante: nas profissões altamente qualificadas, as mulheres ganham em média menos 16,5% que os homens; e ao nível dos quadros superiores a desigualdade é ainda mais gritante: 24,5%. Há muito trabalho a fazer.

O mesmo se diga do sector social. O salário médio dos trabalhadores das Misericórdias e demais IPSS é muito baixo. Está 23% abaixo do salário médio nacional. Praticamente ao nível do salário mínimo. Uma realidade inquietante, de que pouco se fala.

O CRIME NO CENTRO ISMAILI

Primeiro apontamento: a condenação do crime. O que sucedeu é um crime hediondo. Perpetrado por um cidadão afegão. Mas podia ter sido cometido por qualquer outro e de qualquer outra nacionalidade. Até por um cidadão português. Não é um ato terrorista. É um crime de delito comum. Um ato tresloucado, que infelizmente acontece mais vezes do que devia acontecer.

Segundo apontamento: a solidariedade às vítimas. Às famílias de duas vítimas inocentes. Ao Centro Ismaili, que é um exemplo notável de trabalho social e de integração. E também aos três filhos menores deste afegão que, de repente, ficam sem mãe e sem pai. A mãe morreu num incêndio. O pai vai ficar anos a fio na prisão. Estas crianças precisam de atenção. Não interessa se são crianças afegãs. São crianças e todas as crianças merecem proteção.

Terceiro apontamento: o indecoroso comportamento de André Ventura. Primeiro, a fazer política com uma tragédia humana. Depois, a tentar conquistar votos a partir de uma falsidade: este não é um problema de imigração e muito menos de terrorismo. É um caso de justiça. Este comportamento não é próprio de um líder decente.

A ACUSAÇÃO DE TRUMP

O país e o mundo não gostam especialmente de Donald Trump. Logo, ficaram felizes com a acusação judicial ao ex-Presidente dos EUA. Eu também não gosto de Trump. Mas não gostei desta acção da justiça norte-americana.

Não é pelo facto de se estar a abrir um precedente. Afinal, é a primeira vez que um ex-Presidente é levado à justiça. O argumento do precedente, a meu ver, não faz sentido. Um ex-Presidente não pode estar acima da lei. A lei é igual para todos. É uma regra elementar do Estado de Direito.

Eu gostava que Donald Trump fosse levado à justiça, sim, mas com fundamento em comportamentos bem mais sérios e graves: a invasão do Capitólio, em que a as responsabilidades de Trump são evidentes; ou a tentativa de falsear os resultados eleitorais no Estado da Geórgia. Dois ataques à democracia.

Abrir um precedente com base numa acusação desta natureza – alegados pagamentos ilegais a uma actriz de filmes pornográficos – pode ter efeitos contra-producentes:

Primeiro, pode dar uma ideia de incapacidade da justiça norte-americana. Afinal, não consegue acusá-lo pelo que é realmente grave: os "atentados" que Trump fez à democracia e ao Estado de Direito.

Segundo, pode dar uma ideia de mera perseguição política e ainda ajudar Trump e os trumpistas a vitimizaram-se. Não me parece que tenha sido a forma mais inteligente de a justiça americana agir.
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