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08 de Janeiro de 2023 às 21:33

"O Governo chegar a 2026 só por milagre"

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre do custo de vida, do IVA dos bens alimentares, dos novos ministros no Governo, entre outros temas.

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COMO VAI SER 2023?


1. O ano de 2022 foi um ano de rupturas. O ano de 2023 vai ser um ano de grande exigência e resiliência. À escala global há que ter em atenção:
  • A guerra na Ucrânia seguramente não terminará em 2023. É a previsão de vários especialistas, a começar no influente FT.
  • Vamos ter 1/3 do mundo em recessão económica, é esta a previsão mais recente do FMI.
  • Na Europa, o continente mais afetado pela guerra, metade dos países da UE também entrará seguramente em recessão.
  • As taxas de juro continuarão a subir. Na Zona Euro, a meio de 2023, as taxas diretoras do BCE já deverão situar-se entre os 3% e os 3,5%.
  • A China vai crescer em 2023 abaixo da média da economia mundial. Algo de inédito na economia Chinesa.
  • A Índia vai tornar-se em 2023 o país mais populoso do mundo, ultrapassando a China.

2. Cá dentro, toda a atenção é importante aos indicadores mais negativos e mais positivos. Nos negativos, temos o PIB em queda; o consumo com um forte abrandamento; o crescimento das exportações a desacelerar fortemente e a inflação a manter-se em valores muito elevados.

Mas há também indicadores positivos que, se bem potenciados, ajudarão muito a nossa economia: o turismo em alta, depois de superar em 2022 os valores de 2019; um volume de fundos europeus para investir nunca visto; uma taxa de desemprego estável; um défice em baixa; e uma trajetória descendente da dívida, afastando Portugal das "más" companhias da Grécia e da Itália.

3. A grande dúvida para 2023 é esta: vamos aproveitar esta oportunidade para preparar o futuro ou vamos continuar a navegar à vista?

O CUSTO DE VIDA

  1. Começamos o ano com o mesmo drama com que acabámos 2022: a inflação na alimentação. Segundo a DECO, o cabaz alimentar, com 63 produtos essenciais, continua em valores muito altos: um aumento de 19,5 em relação ao momento em que começou a guerra. Este valor é mais do dobro da inflação global.
  • Neste quadro, com a brutal folga orçamental que tem tido, não se compreende por que é que o Governo não baixou em 2023 para 0% a taxa do IVA nos produtos alimentares essenciais. Medida que o governo espanhol adotou. Ou seja: dois governos socialistas, duas sensibilidades sociais diferentes.
  1. Noutro plano, agrava-se o pesadelo no crédito à habitação. Também segundo estudo feito pela DECO, olhando para um empréstimo de 150 mil euros, constata-se que, com a Euribor a 6 meses, a prestação a pagar ao Banco subiu 33% nos últimos seis meses, de julho de 2022 para janeiro de 2023.
  • Renegociar os créditos à habitação pode ser útil. Mas também aqui há algo que pode surpreender os cidadãos: as condições de negociação não são tão favoráveis como foram as do tempo da pandemia. Quem negociar créditos agora pode ser "penalizado" na concessão ou renovação de quaisquer outros empréstimos, nomeadamente no cartão de crédito.

  1. Falando de juros, um ex-banqueiro, Carlos Tavares, critica a banca por demorar a subir a taxa de juro dos depósitos. Será negligência ou prepotência da Banca? Em qualquer caso, o cidadão paga a factura.

GOVERNO EM DECOMPOSIÇÂO?

  1. Um festival de demissões, um Governo em decomposição, um primeiro-ministro em perda de autoridade. É o retrato de uma situação absolutamente anormal.
  • Má para o Governo. Demissão a seguir a demissão, remodelação e mais remodelação: tudo isto já é motivo de chacota. Já entrou no anedotário nacional. As pessoas já fazem galhofa com as demissões.
  • Má para a democracia e para os políticos. É a ideia de que os políticos são todos iguais e que são todos um bando de corruptos ou interesseiros. Simplesmente inaceitável.
  • Má para o país. Um Governo mergulhado em casos e casinhos não tem cabeça nem tranquilidade para governar. E os problemas centrais do país – inflação, custo de vida, educação, saúde – vão-se agravando.
  • Isto só é bom para populistas e radicais. São os que mais beneficiam com esta degradação da governação. O Chega que o diga!
  1. A culpa não é do PR, da oposição ou da comunicação social. É do Governo:
  • Primeiro, falta de cuidado nas escolhas feitas. Miguel Alves, Alexandra Reis e Carla Alves são exemplos de arrogância e negligência do Governo. O que leva os próprios deputados do PS a revoltarem-se com a situação. O grande facto da semana é mesmo a imagem da bancada do PS no debate da Moção de Censura: uma imagem fúnebre!
  • Segundo, insensibilidade e permissividade do governo em relação ás questões da ética e da transparência. O primeiro-ministro reduz tudo à lei. É legal? Siga. Ora, a ética republicana não se esgota na lei. Há situações que, apesar de legais, são imorais ou eticamente censuráveis.
  • Terceiro, o primeiro-ministro não está a saber lidar com a maioria absoluta. O que legitima a ideia de que esta maioria veio no tempo errado e para o sítio errado. Primeiro, veio tarde de mais. Ao fim de 7 anos, há cansaço a mais e liderança a menos. Depois, veio sem um projeto transformador do país. É só gestão do dia a dia.
  1. Neste quadro, o Governo chegar a 2026 só por milagre. Esta legislatura tem dois ciclos: até 2024 e depois de 2024. Se as eleições europeias forem um pântano para o PS, o mais provável é o 2º ciclo ser substituído por eleições antecipadas.

COMO GARANTIR A ÉTICA POLÍTICA?

  1. No debate da Moção de Censura, o primeiro-ministro avançou com a ideia de um mecanismo a acordar com o Presidente da República para a "fiscalização prévia" da escolha de governantes.
  • A intenção é boa. É preciso pôr cobro a esta "orgia" de imoralidades.
  • Já a forma de apresentação e a solução concreta são erradas. É deselegante o primeiro-ministro estar a fazer ao PR, em público, uma proposta que não fez previamente em privado. Depois, qualquer solução deve envolver o Governo e eventualmente a AR, de quem o Governo depende. Nunca o PR. Parece que se pretende responsabilizar o Presidente da República na escolha dos membros do Governo e isso não é aceitável.
  1. Tenho para mim que a solução passa por dois níveis de intervenção:
  1. Primeiro: escrutínio interno por parte do Governo. O Governo tem de fazer o seu trabalho de casa. O primeiro-ministro tem de ser mais exigente nas escolhas. Casos como o do secretário de Estado do Tesouro e da secretária de Estado da Agricultura podiam ter sido evitados se Ministros das Finanças e da Agricultura não fossem negligentes.
  2. Segundo: escrutínio externo das nomeações. Há anos que defendo a criação de uma solução igual à que existe com a nomeação dos Comissários Europeus: um escrutínio parlamentar.
  • A solução é simples: depois de escolhidos pelo PM, mas antes de o Presidente da República os empossar, Ministros e Secretários de Estado passariam por uma audição parlamentar para se averiguar se do seu passado e do seu curriculum resultam conflitos de interesses, impedimentos e incompatibilidades. Assim se evitariam muitos dos casos que temos visto. E teria um efeito altamente dissuasor: com este escrutínio quem tiver "telhados de vidro" não aceita ir para o Governo.
  • PS e PSD deviam entender-se sobre este escrutínio. Hoje é o PS que está a ser desgastado. Quando regressar ao Governo, vai acontecer o mesmo ao PSD. Ninguém tenha ilusões: um escrutínio mais apertado é do interesse do regime e da democracia.

NOVOS MINISTROS: FIM DE CICLO

  1. Os novos Ministros são mais um sinal de um Governo em fim de ciclo. Já se imaginava que não haveria nomes fortes. O resultado foi um registo ainda mais baixo. Em linguagem popular, é "poucochinho". Ou "prata da casa", como disse o PR. Ou um Governo mais "redutor", a funcionar em circuito fechado, como aqui antecipei há uma semana. Mas pode ser que os dois novos Ministros venham a surpreender. Têm a vantagem de terem expectativas baixas.

A decisão do primeiro-ministro revela três realidades muito táticas:
  1. A primeira é que, ao escolher para Ministros dois "pedronunistas", António Costa revelou que tem medo de Pedro Nuno Santos. Tem medo da sua força política dentro do PS. Tem medo de que Pedro Nuno Santos lhe faça oposição no partido. É um sinal de fraqueza. Pedro Nuno Santos fica inibido de fazer críticas a estas duas áreas do Governo. Mas vê reconhecida a sua força política.
  2. A segunda é que António Costa parece mais empenhado em gerir o PS, os seus equilíbrios internos e a coesão do PS do que em tirar partido da maioria absoluta que o país lhe deu. Se pensasse em primeiro lugar no país, o primeiro-ministro teria procurado seguramente Ministros mais fortes. Mesmo dentro do PS havia nomes mais fortes. È por tudo isto que mesmo alguns socialistas já dizem que falta uma ambição transformadora do País.
  3. A última realidade é o cúmulo dos tacticismos: a criação do Ministério da Habitação. No consulado de António Costa, o sector da habitação já esteve integrado no Ministério do Ambiente, já esteve no Ministério das Infraestruturas e agora é autonomizado como Ministério. Nada contra a ideia. Mas os ziguezagues mostram que não há coerência estratégica.

MARCELO, PEDRO NUNO E O PSD

  1. O Presidente da República fez uma mensagem de Ano Novo cheia de avisos ao Governo e ajudou às demissões das duas Secretárias de Estado. Isto leva algumas pessoas a considerar que a coabitação acabou. Eu acho essa leitura exagerada.
  • Mas uma coisa é certa: Marcelo está mais exigente com o Governo e tem razões para isso: primeiro, com os seus abusos o Governo colocou-se a jeito para uma intervenção mais forte do PR; segundo, uma maioria absoluta requer do Presidente da República mais escrutínio que um Governo de minoria; terceiro, são os próprios portugueses que pedem mais fiscalização da parte de Belém, como se viu em recente sondagem do Expresso.

  1. Entretanto, de forma algo surpreendente, Pedro Nuno Santos decidiu deixar o Secretariado Nacional do PS. Não era obrigado a fazê-lo. Uma coisa é o Governo, outra coisa é a direção política do partido.
      • Esta decisão tem grande significado. Ela vem confirmar o que enfatizei na semana passada: Pedro Nuno Santos não saiu do Governo apenas por causa da indemnização milionária da TAP. Saiu também por cálculo político. Dava-lhe jeito afastar-se. Quer estar livre para criticar e para se distanciar do PM. Ele quis fazer a rutura. A guerra pela sucessão de António Costa começou a sério. Vai ser o grande calcanhar de Aquiles do Governo.  É que enquanto se trata da sucessão não se tem cabeça para a governação.

      • No PSD, Montenegro anunciou o novo Conselho Estratégico Nacional, uma espécie de Governo Sombra, liderado por Pedro Duarte. A ideia faz sentido. Primeiro, o PSD ainda não é visto como alternativa e precisa de preencher essa lacuna. Depois, 2023 é também um ano decisivo para o PSD. Ou o partido se afirma como alternativa ou parte enfraquecido para as Europeias de 2024. É aí que começa o futuro. 
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