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31 de Março de 2024 às 21:39

Não há dinheiro para tudo. “Ou o Governo baixa as expectativas ou vai ter problemas sérios”

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o novo primeiro-ministro, o novo parlamento e o excedente histórico, entre outros temas.

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O NOVO PRIMEIRO-MINISTRO

 

  1. Já quase toda a gente disse que Luís Montenegro surpreendeu com o Governo que criou: por ser, dadas as circunstâncias, um bom Governo; por ser um governo melhor do que se esperava; por, tendo muita prata da casa, ser, todavia, prata com qualidade. Onde é que LM surpreendeu?
  • Primeiro, no método. Este Governo foi constituído em segredo. Não foi feito na praça pública. Isso mostra profissionalismo.
  • Segundo, no perfil. O novo Governo faz uma boa conciliação entre experiência e novidade. Tem gente muito experiente, como Castro Almeida – o ministro com maior experiência governativa, esteve em três governos – e tem novidades absolutas, como Maria do Rosário Palma Ramalho ou Dalila Rodrigues, duas conquistas fora do aparelho político e partidário.
  • Terceiro, no núcleo político. Foi bem escolhido o núcleo de ministros do centro do Governo. Isto é essencial. Quando o centro do Governo funciona, os Governos funcionam. Quando o centro do Governo não funciona, os Governos não funcionam.
  • Finalmente, vê-se que é um Governo para trabalho intensivo. Faz sentido. Ou prova em seis meses e pode durar dois anos ou mais; ou não prova em seis meses e pode cair em novembro.

 

  1. Por que é que Luís Montenegro surpreendeu? Porque o novo PM é dos melhores políticos a gerir expectativas. Ou parte de expectativas baixas ou coloca-as propositadamente baixas. A seguir, supera as expectativas definidas. Isto é uma arte. Muito praticada por Margareth Thatcher.
  • Foi assim na campanha eleitoral. Superou expectativas. Foi assim nos debates. Ganhou-os quase todos, ao contrário do que se esperava. E foi assim na longevidade política: dizia-se que dificilmente chegava a umas legislativas. Já é PM.
  • Falta agora saber se vence as expectativas do futuro. As previsões apontam para um governo de curta duração. Será que consegue vencer as previsões? Vai depender de governar bem, do resultado das europeias e das circunstâncias da oposição.

 

O NOVO GOVERNO

 

  1. Comecemos a análise pelas maiores surpresas. São sobretudo seis:
  • Fernando Alexandre. Uma surpresa e um ministro poderoso. Tem competência para dar e vender. Basta pensar que podia exercer três outras pastas: economia, infraestruturas e administração interna. Primeira prioridade: devolver paz às escolas.
  • Maria do Rosário Palma Ramalho. A maior novidade em termos absolutos. Uma académica com enorme prestígio. Primeira meta: reforço do CSI e do apoio aos medicamentos para idosos.
  • Rita Júdice. Alguns dizem que não foi primeira escolha. Não sei. Até pode ter sido a 10ª. Mas isso não a diminui. Tem curriculum e conhecimento. Grande desafio: a proposta para novo PGR.
  • Margarida Blasco. Outra surpresa para o grande público. Mas não para o setor. Tem muita experiência em questões de segurança. Tarefa prioritária: negociar a paz na PSP e GNR.
  • José Manuel Fernandes. As questões da agricultura "jogam-se" sobretudo em Bruxelas. O novo ministro, além de especialista em fundos europeus, é o 4º eurodeputado mais influente do PE segundo um recente ranking internacional.
  • Dalila Rodrigues. Tem trabalho feito e reconhecido no setor. E tem um novo desafio: é a primeira vez em 40 anos que a AD tem um ministro da Cultura. Não sucedia desde Lucas Pires em 1981.

 

  1. A seguir, o núcleo político. Tem grande potencial.
  • Paulo Rangel. É o ministro com mais peso político. E com grande experiência internacional. É o nº 2, ministro de Estado e MNE. Novidade: vai levar os Assuntos Europeus para o MNE.
  • Nuno Melo. É o único ministro do CDS, mas tem um estatuto fortíssimo. Na Defesa e na estratégia política do Governo. Novidade: vai tentar colocar João Almeida a líder parlamentar.
  • Leitão Amaro. Uma escolha esperada e natural. É íntimo do PM e um valor seguro. Novidade: vai presidir às reuniões de secretários de Estado. O que lhe dá estatuto e poder.
  • Castro Almeida. Um super-ministro. Vai mandar no PRR e no PT 20/30; vai ter, nos fundos, os poderes que antes se concentravam em duas ministras; fica com as autarquias; e apoia o PM na coordenação política do Governo. Tudo num ministro é obra.
  • Pedro Duarte. Um ministro decisivo para um governo minoritário. É o homem certo no lugar certo: tem qualidade, espírito de diálogo e bom senso. Muito respeitado á esquerda e á direita.

 

  1. Finalmente, as áreas mais sensíveis.
  • Miranda Sarmento. Está finalmente na sua "praia". Tem competência e condições para fazer um grande lugar. Desagravamento fiscal: é o seu grande desafio estrutural.
  • Ana Paula Martins. Sabedora, competente e elogiada pelo setor. Tem a tarefa mais árdua do Governo. Grandes prioridades: programa de emergência; futuro da Direção Executiva do SNS.
  • Miguel Pinto Luz. Outro super-ministro. É um político muito traquejado. Bem precisa desse traquejo. Tem três "batatas" quentes pela frente: TAP, novo aeroporto e habitação.
  • Pedro Reis. Fez há anos um grande lugar como presidente da AICEP. Com grande ligação às empresas. Tem de aplicar o mesmo talento a "puxar" pela economia. É uma grande causa da AD.
  • Graça Carvalho. O único caso de alguém que volta a ser ministra depois de o já ter sido no passado. Já elogiada pelo setor. Tem experiência e dá segurança ao PM. Mas a pasta é muito exigente.
  • Margarida Balseiro Lopes. Tem enorme talento político. É dos jovens políticos com mais valor. E enfrenta um desafio sério: gerar esperança nos jovens. Devia fazer do IRS Jovem uma bandeira.

 

DÚVIDAS E DESAFIOS

 

  1. Um Governo assim, melhor do que se esperava, significa que vai governar bem? Ninguém sabe. Com todo o respeito, os governos são como os melões: só se conhecem bem depois de abertos. Para já, há que dar o benefício da dúvida. É o habitual no início de qualquer governo.
  • Claro que alguns acham que devia haver mais ministros oriundos da sociedade. Talvez. Mas não é fácil. O escrutínio mediático e a ideia de que será um governo de curta duração levam muita gente de qualidade a fugir destes lugares.
  • Outros questionam: faz sentido a Ciência ou a Habitação voltarem a ser Secretarias de Estado? A pergunta faz sentido. Mesmo assim, sempre achei que o decisivo não é a orgânica. São os resultados. Um exemplo: há anos que o Turismo é Secretaria de Estado e os resultados são excelentes.

 

  1. Para ter sucesso, há algumas condições essenciais:
  • Primeiro, uma boa relação com o PR. Não parece ser problema. É do interesse de ambos, PR e PM, que haja bom entendimento.
  • Segundo, a relação com o Chega. O melhor caminho que o Governo pode fazer no que ao Chega diz respeito é resolver os problemas que deram origem ao seu crescimento (problemas na saúde, educação, corrupção e imigração).
  • Terceiro, a ilusão de que há dinheiro para tudo. É uma ilusão que está generalizada. Com um excedente histórico, criou-se a ideia de que é possível satisfazer a 100% todas as reivindicações. Não é. Ou o Governo baixa as expectativas ou vai ter problemas sérios. Nada pior do que ter a fama e não ter o proveito.
  • Finalmente, é preciso ter um planeamento exaustivo de medidas para os primeiros 60 dias. A primeira impressão é essencial.

 

O NOVO PARLAMENTO

 

  1. Comecemos pelas boas notícias:
  • O Partido Socialista merece uma saudação. Foi decisivo para ultrapassar o impasse criado. E isso conferiu a Pedro Nuno Santos uma imagem de credibilidade e sentido de responsabilidade. Ele agradecerá certamente ter várias oportunidades como esta.
  • José Pedro Aguiar Branco também esteve muito bem. Antes e depois da eleição. Tem todas as condições para ser um bom Presidente. Afinal, tem estatuto, tem qualidade, tem personalidade e espírito de diálogo.

 

  1. Agora, a degradação, o desastre e a ingenuidade:
  • Primeiro, a degradação. Assistimos esta semana a um dos espetáculos mais degradantes da política e do funcionamento da AR. Foi tudo muito feio. Não podia ter acontecido.
  • Segundo, André Ventura foi o desastre. Pode ter agradado aos seus maiores fiéis. Mas desiludiu milhares dos seus eleitores. Ninguém gosta de ver um líder a faltar à palavra dada. A não ser confiável. E foi o que sucedeu: Ventura anunciou publicamente que o Chega votaria em Aguiar Branco e não cumpriu; podia ter mudado de opinião, mas nessa ocasião devia ter avisado o País e o PSD dessa mudança. Não o fez. Saiu-se muito mal.
  • Terceiro, o PSD foi pouco profissional e muito ingénuo. Devia ter falado com todos os partidos, a começar pelo PS. E, sobretudo, devia ter feito uma declaração pública muito clara. Do género: "Nós votaremos em todos os candidatos a vice-presidentes; e esperamos que também votem no nosso candidato a presidente." Bastava esta clareza para evitar o impasse. Em política, a comunicação é essencial.

 

O EXCEDENTE HISTÓRICO

 

  1. Primeiro, a dimensão política desta realidade:
  • É uma grande notícia para Portugal. Um país que tem uma dívida enorme só tem a ganhar com este excedente. Reduz dívida e juros. Ainda há dias Rui Rio o disse, com um exemplo impressivo.
  • É um grande momento de Fernando Medina. Fernando Medina entrou no Governo no meio de dúvidas de toda a gente. Muitos achavam que não tinha estatuto para o lugar. Ainda por cima vinha de uma derrota eleitoral. Acabou a ser o Ministro mais marcante e prestigiado deste Governo. E fez história com este excedente.
  • É uma notícia boa e menos boa para o novo Ministro das Finanças. Boa porque lhe garante maior margem orçamental. Menos boa porque gera uma ilusão perversa: a ilusão de que é possível gastar "à grande e à francesa". E não é mesmo possível.

 

  1. Depois, a dimensão real e prática: para que serve e não serve?
  • Serve para pagar nova despesa pública? Não. Serve para pagar despesa pública deste ano? Nem pensar. Serve para pagar a professores, médicos, polícias ou militares? É impossível. A despesa de 2024 paga-se com as receitas de 2024. Não com o excedente de 2023.
  • O excedente histórico de 2023 é, apenas e só, para amortizar dívida pública. É uma exigência da LEO (art. 21º) e gera efeitos positivos: ao amortizar dívida pública, o Estado passará a pagar menos juros. Logo, o Orçamento passará a ter mais margem de decisão e maior espaço de manobra para agir no futuro.
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