Opinião
Marques Mendes: Sócrates foi o ausente mais presente destas comemorações
No seu habitual comentário semanal na SIC Notícias, Marques Mendes analisa o desconfinamento, a vacinação, a bazuca nacional e o Siresp, entre outros temas. Sobre a evocação do 25 de Abril, diz que Sócrates e o seu comportamento suspeito estão a fazer mais pela união no combate à corrupção do que muitos discursos inflamados do passado.
O DESCONFINAMENTO
- Há que dizer com todas as letras: Portugal parece que está num oásis. O mundo está mal, sobretudo a Índia e o Brasil, com as suas variantes perigosas. A Europa não está nada bem, com a variante inglesa a contaminar. Em Portugal, o efeito Páscoa não existiu e o desconfinamento está a correr bem.
- Os dados são inequívocos:
- Infetados, internados e doentes em UCI – Se compararmos com o início do desconfinamento (15 de Março), a situação está controlada. O número de internados e doentes em UCI até diminuiu significativamente.
- Posição de Portugal na Europa – Somos há várias semanas o melhor país na UEE em número de infetados. Com uma diferença enorme para a média europeia. Estamos, pois, numa situação confortável.
- O Rt – o factor de transmissibilidade continua controlado. Até já teve uma inversão positiva de valor.
- Nada de embandeirar em arco. Mas o tempo é de confiança e de esperança. Com duas ressalvas:
- Cuidado até termos imunidade de grupo. Nada de largar a máscara.
- Cuidado com as viagens de e para o Brasil. O Brasil está um caos e a variante brasileira é muito perigosa.
A VACINAÇÃO
- Boas notícias na vacinação. A vacinação está quase em velocidade de cruzeiro. No Verão teremos imunidade de grupo. Mais decisivo – estão a morrer muito menos pessoas de Covid 19. Isso deve-se, sobretudo, ao efeito vacinação.
- Óbitos em lares de idosos – Antes da vacinação foi uma calamidade. Mais de 2000 mortes no ano passado. Mais ainda era em Janeiro/Fevereiro deste ano, por causa da terceira vaga. Depois da vacinação tudo mudou: 166 mortos em Março e apenas 5 nas três primeiras semanas de Abril.
- Óbitos em pessoas acima dos 80 anos – Cerca de 4700 mortes em 2020; mais de 6000 em Janeiro/Fevereiro deste ano; depois da vacinação tudo mudou: em Março e nas três primeiras semanas de Abril apenas 48 óbitos
- Agora em velocidade de cruzeiro, eis as novidades e as dúvidas da vacinação:
- O auto-agendamento da vacinação – Um sucesso
- Mais de 100 mil inscritos em 24 horas
- 100 mil vacinações por dia – Um desafio
- Nos próximos 4 meses, a começar em Maio
- Até Maio vacinados os maiores de 60 anos – O grande objectivo
- 96% dos mortos Covid estão nesta faixa
- Professores e funcionários do Ensino Superior – A dúvida
- Não há razão para discriminação
- Médicos e Enfermeiros dos Centros de Saúde – A incerteza
- Afectos à vacinação
- Abrem "buraco" nos Centros de Saúde
- Vacinas disponíveis – O perigo
- 8,5 milhões até Junho
- Restrições da AstraZeneca e eventuais da Janssen poderão levar a grande perda de vacinas
- Do lado positivo, há neste momento três novas vacinas em apreciação na EMA: a alemã Curavac (com contrato com a UE); a norte-americana Novavax (sem contrato com a UE); a russa Sputnik (também sem contrato com a UE). A mais adiantada em termos de apreciação é a da Curavac. Mas não deverá haver decisões antes de Junho.
A BAZUCA NACIONAL
- Nos próximos 6 anos – 2021 a 2026 – vamos ter uma oportunidade única em Portugal. Vamos ter dinheiro de Bruxelas como nunca tivemos:
- Em média, 8.250 milhões de euros por anos; 688 milhões de euros por mês; 23 milhões de euros por dia, quase 1 milhão por hora. Só em 6 anos são 49,5 mil milhões. Depois ainda haverá mais 12 mil milhões até 2029.
- O Governo apresentou o PRR a Bruxelas. Tem aspectos positivos e negativos:
- Aspectos positivos – Um forte investimento na saúde, bem sustentado; uma aposta certa na digitalização da A. P.; um forte investimento na economia verde, a prioridade certa; dois programas importantes de combate à pobreza na Grande Lisboa e no Grande Porto.
- Aspectos negativos – A previsão de um crescimento económico medíocre. Depois da recuperação pandémica, crescer 2% ao ano é uma miséria; um défice de apoio às empresas, seja na capitalização, no apoio à gestão e na produtividade; uma ausência total de apoio ao turismo, o sector mais afectado pela pandemia; um forte centralismo na gestão dos fundos (tudo gerido a partir de Lisboa). Pede-se a regionalização, pratica-se o centralismo.
- A cultura foi uma das boas novidades depois do debate público do PRR. Antes não havia cultura no PRR. Agora passou a existir. É uma vitória da Ministra da Cultura. Antes muito criticada, agora merece ser elogiada.
Esta aposta na cultura pode ser um marco. Um tempo de viragem. A cultura tem sido o parente pobre do Estado. Era importante que a cultura – e sobretudo o património cultural – fosse também vista como instrumento de desenvolvimento económico e coesão social. Basta olhar para o exemplo da França. A cultura não é só cultura. É também desenvolvimento colectivo.
A TRAPALHADA DO SIRESP
- Primeira trapalhada: estamos a poucos meses da próxima época de fogos; daqui a dois meses termina o contrato de gestão do Siresp; e ninguém sabe o que vai acontecer. Apesar de o SIRESP ser insubstituível no combate aos fogos.
- Segunda trapalhada: Presidente do CA do Siresp demitiu-se em discordância com a inércia do Governo.
- Terceira trapalhada: de 3 membros do CA do Siresp só um está em pleno. O Presidente demitiu-se e a gestora financeira faleceu. Não foram substituídos.
- Quarta trapalhada: os serviços jurídicos do próprio Estado recomendam a renovação do contrato; dizem que a renovação é legalmente possível. Pergunta-se: de que é que o MAI está à espera para resolver o assunto?
EVOCAÇÃO DO 25 DE ABRIL
Em matéria de comemorações, temos três factos distintos:
- Primeiro, a polémica acerca de quem podia e não podia participar no desfile popular do 25 de Abril. Uma polémica sem sentido. O 25 de Abril tem autores mas não tem proprietários. Não é nem um cartel nem um clube privado de ninguém. É uma festa de todos. Não apropriável por ninguém.
- Segundo, o combate à corrupção. Foi o grande tema dos discursos e declarações desta manhã. Sócrates foi o ausente mais presente destas comemorações. Ele e o seu comportamento suspeito estão a fazer mais pela união no combate à corrupção do que muitos discursos inflamados do passado. Cada partido quer mostrar que é mais anti-corrupção que o outro. Há um campeonato concorrido entre os partidos no combate à corrupção.
- Um mérito – Dos Juízes. A sua proposta sensata uniu os partidos.
- Terceiro, o discurso do PR. Um belo discurso. Bem escrito, bem lido, bem pensado e estruturado. E corajoso.
- Surpreendeu: não foi um discurso sobre a conjuntura, a actualidade do dia, o trique-trique da política. Foi um discurso de unidade, de coesão, de tolerância e de reconciliação do País com a sua história colonial.
- Foi o PR, novamente, no seu papel de conciliador. Face a polémicas recentes (brasões de Belém, Marcelino da Mata) parece haver dois países com ideias opostas da nossa história. O PR deu uma aula política sobre a nossa história para unir estes dois Países: toda a nossa história é importante, a boa e a má; temos que assumir tudo, sem contemplações nem auto-flagelações; há que unir e não dividir.
- Parece mas não é um discurso de passado. É um discurso pedagógico e de futuro. Um país sem memória, sem história e sem unidade não tem futuro.
SONDAGEM SIC/EXPRESSO
- Desta sondagem há três conclusões a tirar:
- A primeira: se houvesse agora eleições antecipadas, ficava tudo praticamente na mesma. O PS voltava a ganhar mas sem maioria; a esquerda continuava minoritária na AR; o PSD subia alguns pontos mas a direita continuava sem maioria para governar.
- A segunda: uma crise política com eleições antecipadas não interessa a ninguém, muito menos ao PS e ao PSD. Só ao Chega.
- O PS nunca chega à maioria absoluta. Abrir crise é perder tempo.
- O PSD não consegue ganhar e governar. Crise, seria o fim de Rio.
- O Chega é o único que subirá. Mas dar-lhe esse bónus ninguém quer.
- Conclusão: não vamos ter qualquer crise no OE. Só ameaças.
- Para o futuro, as duas datas marcantes não são as do OE. São outras:
- Janeiro de 2022 – Eleições internas do PSD. Rui Rio fica ou sai? Sair vai depender de duas coisas: do resultado autárquico e do eventual regresso de Passos Coelho.
- Primavera de 2023 – Eleições internas no PS. Costa sai da liderança do PS ou não? Com os dados existentes, direi que sim. Com a hipótese de um cargo europeu em 2024. Nunca antes.