Opinião
Marques Mendes: Se nada for feito nas moratórias, podemos ter um “buraco” sério
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, as eleições autárquicas e a bazuca europeia, entre outros temas.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Depois da tempestade, começa a chegar a bonança. Os números não mentem.
- Número de infetados – Objectivo a atingir para desconfinar: 2.000 infetados/dia. Na semana passada tínhamos 2906/dia; esta semana já estamos nos 1681/dia. Abaixo do objectivo.
- Número de internados – Objectivo a atingir para desconfinar – 1.500 internados. Na semana passada tínhamos 5531; esta semana temos 3922.
- Número de doentes em UCI – Objectivo a atingir para desconfinar – 200. Na semana passada tínhamos 839; esta semana temos 701.
Conclusão: o confinamento está a resultar. Mas ainda estamos longe de atingir os objectivos dentro dos hospitais (internados e UCI).
- Quando começamos a desconfinar? Até meados de Março é impossível. Temos mais três semanas de confinamento. A partir daí pode haver um problema sério. Se a meio de Março o objectivo definido for alcançado, como é que o Governo justifica que não se comece a desconfinar? Com os alunos em casa a arruinarem a sua aprendizagem? Com a economia a sofrer? Com a pobreza a aumentar? Com a falta de apoios que grassa? O Governo tem de explicar.
- No entretanto, no melhor pano cai a nódoa: na quarta-feira Mariana Vieira da Silva, a Ministra, disse que ainda não é tempo de falar de desconfinamento. Ontem, a mesma Mariana Vieira da Silva, militante do PS, falou de desconfinamento para dizer que começará pelas escola Afinal, deve levar-se a sério a Ministra ou a militante do PS? Numa coisa ela tem razão: o desconfinamento tem de começar pelas escolas.
- Mas só podemos desconfinar se houver alternativa – a testagem e o rastreio. Mas aí estamos mal. O Governo prometeu reforçar o número de testes. A DGS até falou em 100 mil testes/dia. Apesar disso, o número de testes baixo. Estamos a ter, apenas, 31 mil testes/dia. Há duas semanas tínhamos o dobro. Afinal, a propaganda é uma coisa. Os factos são outros.
- Vacinação – Nada de novo. Estamos a vacinar ao nível dos demais países da UE. E continuamos com falta de vacinas. A única novidade não é boa – para aqueles que "sonhavam" com a hipótese da vacina chinesa ou russa, as hipóteses são nulas. A primeira, nunca chegou a ser solução. A vacina russa, essa, chegou a ser ponderada em Bruxelas. Havia abertura para a considerar. Depois da visita do Sr. Borrel a Moscovo, a hipótese gorou-se por razões políticas.
APOIOS SOCIAIS
- Agora, a pandemia económica e social. Aqui, há boas decisões, más noticias e preocupações para o futuro:
- Boa decisão: a decisão relativa ao pagamento aos pais que acompanham os filhos em casa. Pode ter sido uma decisão tardia. Pode ter sido tomada por pressão do PCP/BE. Podia abranger também os alunos do segundo ciclo. Mas não deixa de ser uma boa decisão.
- Má notícia: os atrasos inexplicáveis do Estado no financiamento da chamada educação especial (apoio a crianças e jovens com problemas de aprendizagem). Primeiro, há processos de apoio a crianças necessitadas que aguardam há mais de 6 meses uma decisão de autorização; segundo, em processos já autorizados há dívidas da Segurança Social desde Setembro de 2020; terceiro, mesmo em relação ao ano lectivo anterior, há pagamentos ainda em atraso em relação a Abril, Maio e Junho de 2020. Esta insensibilidade social não é aceitável.
- Mas o que mais preocupa é o futuro. Continua a faltar planeamento:
- Moratórias – O que está a ser feito para evitar problemas quando acabarem as moratórias, em Setembro? Aparentemente NADA. Se nada for feito, podemos ter um "buraco" sério.
- Turismo – O que é que está a ser pensado para recuperar a imagem do país em termos internacionais depois desta 3ª vaga pandémica?
- Empresas – As nossas empresas estão altamente endividadas. Com capitais próprios muito abaixo do que é normal nos EUA ou na UE. Não conseguem investir e crescer. O que é que está a ser preparado para as capitalizar? O que está no PRR é pífio. Ataca-se com uma fisga um problema que precisa de uma bazuca!
A BAZUCA EUROPEIA
- Está em debate público o plano para aplicar a chamada Bazuca Europeia – 13,9 mil milhões de euros a fundo perdido. Onde é que o Governo se propõe gastar este dinheiro? Sobretudo em três grandes áreas:
- Pilar de Resiliência – 8,5 mil milhões Euros (61% do total), com investimento no Sector Social; no Sector Produtivo; na Competitividade e Coesão.
- Pilar da transição climática – 2,8 mil milhões Euros (21% do total), com investimento na Mobilidade Sustentável; na Descarbonização e Economia Circular; na Eficiência Energética e Renováveis.
- Pilar da transição digital – 2,5 mil milhões Euros (18% do total), com investimento na Escola digital; nas Empresas 4.0; na Administração Pública.
- Este plano é bem-vindo. Mas tem, pelo menos, três grandes problemas:
- Falta de ambição: Qual é a nossa grande urgência? Crescer mais que os Países de Leste, que são os nossos competidores directos e que nos estão a ultrapassar no ranking Europeu. Só que o objectivo do Governo não é esse. O governo só quer crescer ao nível da media europeia. À primeira vista, parece bom e bonito. Na prática é um desastre. É que Polónia, Hungria, Eslováquia, Letónia e Roménia crescem mais que a média europeia e estão prestes a ultrapassar-nos. Se não os acompanhamos, perdemos. Por este andar, dentro de poucos anos somos um dos cinco Países mais pobres da UE.
- Visão estatizante – Outro pecado capital do PRR. Neste plano, há Estado a mais e Sociedade a menos. Isto não parece um Plano de Recuperação do País. Parece um plano de recuperação do Estado. Parece um adicional ao OE. É um Plano profundamente desequilibrado contra as empresas. E são as empresas que criam riqueza.
- Empréstimos – O Governo pode utilizar até 15 mil milhões de euros de empréstimos que a UE põe à sua disposição. Mas só vai utilizar 2,7 mil milhões. Porquê? Porque temos uma dívida pública muito alta e o Governo tem medo de agravar a situação. A lição a tirar é esta: andámos anos a agravar o défice e a dívida com despesa corrente e agora não podemos usar dinheiro que era essencial para investir. Os erros pagam-se caro.
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
As eleições autárquicas começam a "mexer". E vão mexer ainda mais. Desde logo porque vão ser decisivas para avaliar se a seguir vamos ter ou não ter uma crise política. Estas eleições são um risco para o PCP, um problema para o PS, uma oportunidade para o PSD.
- Um risco para o PCP – Desde que há geringonça, o PCP está sempre em queda. Perde de eleição em eleição. Se volta a perder autarquias este ano, entra num "buraco negro". Se pudesse, o PS oferecia meia-dúzia de Câmaras ao PCP, de mão beijada, só para salvar a geringonça e para se salvar a si próprio.
- Um problema para o PS – O PS precisa de voltar a ganhar esta eleição. Se perder ou tiver uma queda grande, António Costa pode ficar igual a António Guterres há 20 anos. É o fantasma do pântano e da crise. Claro que o PS tem uma folga grande mas vai disputar eleições num ambiente desfavorável.
- Uma oportunidade para o PSD – O PSD teve há quatro anos o seu pior resultado autárquico de sempre. Fazer pior agora é impossível. Tem, pois, uma enorme oportunidade de crescer. Mas, para ter sucesso, não chega ganhar mais duas ou três Câmaras – tem que ganhar umas quinze, vinte ou mais. Para isso, o PSD precisa de ter candidatos fortes e credíveis, sobretudo nas grandes cidades, como Lisboa e Porto. Se tiver candidatos fortes, sobretudo em Lisboa e no Porto, o PSD parte para a eleição com uma dinâmica de vitória. Se não tiver, parte derrotado.
RUI RIO E RUI MOREIRA EM CONFRONTO
- Numa entrevista à Rádio Observador, Rui Rio abriu uma polémica política com o Presidente da CM do Porto. A primeira conclusão a tirar é simples: o único que tem a ganhar com esta polémica é Rui Moreira. Mostra que está forte, que está de pedra e cal, que todos o temem, e que os partidos – neste caso o PSD – têm muita dificuldade em derrotá-lo.
- Para o PSD nada disto é bom. O líder do PSD dá uma entrevista para assinalar três anos de liderança e qual é a mensagem que sai para o exterior? Uma ideia nova? Uma causa alternativa? Uma crítica ao PM? Não. A mensagem que passa é a de um conflito com dois Presidentes de Câmara. Isto não é uma boa imagem. É um erro.
- Primeiro: O adversário do líder da oposição é o PM. Não são os autarcas. Ele está a concorrer para ser PM. Não para ser autarca.
- Segundo: Sempre que o líder da oposição distrai as atenções da governação deixa o PM à solta. Mau para a oposição, mau para a democracia.
- Terceiro: É uma completa inversão de prioridades. O que o PSD mais precisa de fazer é mostrar diferenças em relação ao Governo. Ao fim destes anos, a generalidade dos portugueses não percebe quais são as diferenças essenciais entre PS e PSD. Não sei se a falha é na política ou na comunicação. Ou nas duas ao mesmo tempo. O que sei é que o PSD precisa de mais trabalho, melhor trabalho, trabalho focado no essencial e não no acessório.
A POLÉMICA COM O PRESIDENTE DO TC
- É uma polémica sem sentido. Goste-se ou não se goste das ideias, do estilo e da linguagem do Prof. Caupers, ele tem direito a ter aquelas ideias, aquele estilo e aquela linguagem. Como qualquer um de nós tem o direito a concordar, a discordar ou a criticar. Vivemos em liberdade e democracia. Não no tempo da inquisição. Nem no regime do pensamento único.
- Lamentável é a atitude dos que exigem que ele se retrate, se demita ou vá explicar-se à AR:
- Retratar-se de quê? Seria pior a emenda que o soneto! Uma pessoa de carácter assume as suas ideias;
- Demitir-se porquê? Então em Portugal uma pessoa é "corrida" por delito de opinião? Onde está o Estado de direito?
- Ir ao Parlamento? Então os Senhores Deputados não sabem que os Tribunais são independentes? Não sabem que um Tribunal não é uma Direcção-Geral ou uma empresa pública? Será preciso fazer um desenho?