Opinião
Marques Mendes: Vacinação: Não tenho a certeza que uma terceira dose seja boa ideia
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a despedida de Jorge Sampaio, a baixa do IRS e as eleições autárquicas, entre outros temas.
A DESPEDIDA DE JORGE SAMPAIO
- Primeiro destaque: uma homenagem justa, bonita e digna. A homenagem que Jorge Sampaio merecia. Por ter sido um homem bom, um Senhor na política, um estadista e uma referência moral e ética da República.
- Segundo destaque: as intervenções dos filhos e as mensagens vindas de Timor. Todos os discursos foram bons. Do PR, do PAR e do PM. Mas as intervenções da Vera e do André foram especialmente tocantes. Sublinham o lado mais humano e intimista de Jorge Sampaio. E as mensagens vindas de Timor são especiais. Sampaio fez de Timor uma causa da sua vida e os Timorenses estão gratos.
- Terceiro destaque: uma homenagem consensual. Da direita à esquerda, nas figuras publicas e nos cidadãos anónimos, só se viu respeito e admiração. Respeito e admiração pelo homem e pelo político. Isto não é normal. Mas Sampaio era um príncipe, no modo de agir e na proximidade com as pessoas.
- Quarto destaque: uma homenagem genuína. É habitual quando alguém morre haver palavras bonitas. Mas muitas vezes são palavras postiças e de mera circunstância. Desta vez via-se em todos os depoimentos, de apoiantes e de adversários, que eram palavras sentidas e genuínas. As pessoas tinham um genuíno respeito por Jorge Sampaio.
A finalizar: homenagear Sampaio hoje é sobretudo falar dele. No futuro, a melhor homenagem a prestar-lhe é seguir o seu exemplo. De um político de causas e convicções. De um político que respeitava os seus adversários. De um político que era sempre um exemplo de serviço público.
A MÁSCARA E A VACINAÇÃO
- A partir de amanhã, as máscaras deixam de ser obrigatórias na rua. Mas deixar de ser obrigatória não significa que não possa ou não deva ser usada. Se eu pudesse recomendar, recomendaria três coisas:
- primeiro, trazer sempre a máscara no bolso. Pode ser preciso usá-la.
- segundo, usá-la sempre que se está na rua mas não se está sozinho. Sempre que há aglomerados de pessoas, pequenos ou grandes.
- terceiro, não esquecer que, mais mês, menos mês, estamos no Inverno. E nós aprendemos que a máscara também pode ajudar a mitigar a gripe.
- A vacinação: Um sucesso cá dentro; um fracasso em África.
- Em África apenas 6% de pessoas estão vacinadas com a primeira dose. É uma situação que envergonha qualquer cidadão.
- Portugal, ao contrário, é o 2º melhor país do mundo e o primeiro na UE em doses administradas. Um caso de sucesso que está a impressionar a imprensa estrangeira que está cá a avaliar o nosso sucesso.
- A cobertura vacinal está acima de 90% em quase todos os escalões etários.
- Em termos globais, estamos com 85,3% de cobertura com pelo menos uma dose; e 79,6% com vacinação completa. Cada vez mais próximos do fim.
- Vamos ter ou não uma terceira dose para a generalidade da população? A minha intuição diz que sim, mas não tenho a certeza que seja uma boa ideia.
- Primeira: uma terceira dose na UE são milhões de doses que passam a faltar aos países pobres, como é o caso dos países de África. Uma vergonha e um disparate. Vergonha moral – os mais ricos têm obrigação de ajudar os mais pobres. Grande disparate – enquanto o mundo não estiver vacinado, nós não estamos seguros. A pandemia não acaba e podem surgir novas variantes.
- Segundo: os lobbies das farmacêuticas estão activos. Querem vender sempre mais vacinas. Querem sempre mais negócio. E países como os EUA, a Alemanha e a França, alimentam estes desejos. Interessa-lhes defender as suas farmacêuticas. Até a UE faz o jogo – comprou mais milhões de vacinas sem ter a certeza que a terceira dose é necessária.
- Finalmente: não há ainda nenhum estudo científico a provar que uma terceira dose generalizada é necessária. Uma matéria destas não se pode resolver por palpite ou por negócio. É preciso debater este assunto.
O JUIZ NEGACIONISTA
- O caso do Juiz Rui Fonseca e Castro parece um assunto menor, mas não é. Um magistrado, com estas atitudes e comportamentos, pode afectar e muito a imagem de uma classe inteira. Tudo nele é estranho:
- Primeiro: a sua carreira. Começou por ser magistrado, saiu para fazer advocacia e voltou novamente à magistratura. Isto pode ser legal mas não é saudável. Da parte do CSM devia haver um grau de exigência muito maior na análise destas situações.
- Segundo: o seu comportamento na comarca de Odemira. Foi curto. Mas foi polémico, controverso e com afirmações que não são próprias de um juiz.
- Terceiro: as suas atitudes esta semana perante a PSP e o CSM. São atitudes deploráveis. Este homem ou é louco; ou faz-se de louco; ou é um exibicionista. Em qualquer uma das hipóteses o seu comportamento é grave. Viola todos os deveres de um cidadão e de um juiz.
- Parece que o Conselho Superior da Magistratura vai tomar uma decisão sobre o seu futuro no dia 8 de Outubro. É óbvio para qualquer cidadão de bom senso que só pode haver uma decisão – a expulsão da magistratura. É preciso cumprir a lei, defender a imagem dos magistrados e evitar a tentação de generalizações.
A BAIXA DO IRS
- O PM, em entrevista à TVI, anunciou uma redução do IRS em 2022, designadamente através do desdobramento de dois escalões: o 3º e o 6º escalões. É uma medida na direcção certa, porque aliviar impostos é necessário e urgente. Sobretudo para a classe média, fustigada com demasiada carga fiscal. Ninguém discorda, à esquerda e à direita.
- Mas é, sobretudo, uma grande jogada política e eleitoral.
- Primeiro: o PM anuncia que vai desdobrar dois escalões do IRS. Mas não diz nada de concreto.. Que desdobramentos vai fazer? Quantos novos escalões vai criar? Que taxas vai aplicar? Que reduções em concreto é que as pessoas vão ter? De concreto, nada. Ou seja: gera uma boa impressão; cria grandes expectativas; toda a gente aplaude; no final o mais provável é que seja um alívio meramente simbólico.
- Segundo: cria um bom ambiente político para o PS em vésperas de eleições autárquicas. É óbvio que se trata de uma jogada eleitoralista.
- Terceiro: dá uma marca ao próximo OE (o Orçamento da redução da carga fiscal) e condiciona totalmente a sua viabilização. Quem é que ousa chumbar um OE, abrindo uma crise política e derrubando um Governo que até quer baixar impostos? Ninguém. Isso seria suicídio.
- Isto é o PM igual a si próprio, usando a sua principal qualidade: a habilidade política. E, como a generalidade dos partidos foi no engodo desta jogada, o PM brilha. No final, depois das eleições autárquicas, virá a decepção: corre-se o risco de uma redução fiscal simbólica. Cada contribuinte não irá sentir grande diferença. Basta recordar que no PE apresentado a Bruxelas já estava prevista esta medida. Custo total: 200 milhões. Ou seja, uma redução muito pequena. Como diz Bruno Faria Lopes no Negócios, "o alívio fiscal terá mais impacto na política que no bolso dos contribuintes".
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
- O debate entre Medina e Moedas. Uma oportunidade desperdiçada por Carlos Moedas.
- Não é que Medina tivesse estado brilhante. Longe disso. Esteve demasiado agressivo e até bastante arrogante. E não consegue explicar o seu grande falhanço no domínio da habitação. Prometeu 6 mil casas a rendas acessíveis. Concretizou cerca de mil.
- O problema de Moedas é que precisava de ganhar claramente o debate. De estar ao ataque. De colocar Medina à defesa. E isso ele não conseguiu. Resta-lhe agora a campanha eleitoral. Até porque os debates ajudam à dinâmica das campanhas mas normalmente não dão votos!
- Os casos da noite eleitoral de 26 de Setembro: Lisboa, Almada e Coimbra.
- Há aqui três questões políticas relevantes: primeiro, saber quem ganha, embora a probabilidade de ser o PS seja enorme; segundo, saber se Medina tem ou não maioria absoluta, que é a diferença entre uma grande vitória e uma vitória normal. Isto é importante para a sua carreira política futura; finalmente, saber se Moedas, caso perca, consegue fazer mais ou menos que o pleno do PSD e do CDS há 4 anos, o que também é relevante para o seu futuro político.
- Almada. Uma disputa que vai ser voto a voto. Aqui não há meio-termo: quer para o PS quer para a CDU, ou haverá uma grande vitória ou uma derrota pesada. Com uma diferença: se a CDU ganhar, "salva" a noite e o resultado eleitoral. O PS, esse, não precisa disso.
- Coimbra. Outra disputa renhidíssima. A única Câmara grande que o PSD tem possibilidade de ganhar no Continente. E até tem uma certa obrigação, face aos resultados de há 4 anos e à ampla coligação que agora fez. Se o PS perder, é uma derrota pesada. O Presidente da CM é o Presidente da ANMP.
- As demais "curiosidades" políticas do dia 26 de Setembro:
- Açores – Há ou não o efeito de mudança do Governo Regional? O PSD vai beneficiar dessa mudança ou o PS vai aguentar?
- Chega – Vai ganhar alguma Câmara? Alguns especialistas falam na hipóteses de Moura, no Alentejo. Mas, sobretudo, a grande questão: mesmo não ganhando Câmaras, o Chega tirará votos à CDU no Alentejo e ao PSD noutros pontos do país? Pode haver algumas surpresas!
O 11 DE SETEMBRO
- O 11 de Setembro foi a ficção transformada em realidade. Muita coisa mudou:
- Nos EUA, mudaram as grandes prioridades estratégicas. O combate ao terrorismo passou a ser o grande objectivo. Daí as guerras no Afeganistão e no Iraque e a liquidação de Bin Laden. A China, ao invés, deixou de ser para os EUA o competidor estratégico. Resultados? O 11 de Setembro não se repetiu. Foi caso único nos EUA. Mas a China entrou na OMC, cresceu exponencialmente, é hoje a grande ameaça ao poderio norte-americano e voltou a ser novamente o alvo estratégico dos EUA.
- Nas nossas vidas foi uma mudança brutal. Mudou quase tudo. A segurança nos aeroportos; a invasão das comunicações; a redução da nossa privacidade; a diminuição dos nossos direitos, liberdades e garantias. Uma mudança em prol de um bem maior: a segurança. Sem segurança, não há verdadeira liberdade nem democracia plena.
- Nas democracias ocidentais reforçámos a nossa superioridade no plano dos valores; mas passámos a ter outra consciência das nossas vulnerabilidades em matéria de segurança. É bom não esquecer uma e outras.
- O mundo está mais seguro? Estima-se que sim. Mas há riscos no horizonte:
- Há hoje mais atenção à segurança global; maior preparação das forças e serviços de segurança; sobretudo, maior partilha de informação entre os serviços secretos dos vários países. Isto é o essencial.
- Mas atenção: um mundo mais seguro não é um mundo imune ao terrorismo. Como se viu nos ataques de Madrid, Paris, Bruxelas ou Londres, todos já depois do 11 de Setembro.
- E a reviravolta no Afeganistão pode não ajudar. O regime talibã é especialista em "exportar" terrorismo. Esta é a consequência de os EUA terem mudado novamente de prioridades. A China volta a ser a grande prioridade norte-americana. A seu tempo veremos os resultados.