Opinião
Marques Mendes: Preço das casas em Lisboa e Porto mata o elevador social
No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Luís Marques Mendes aborda a escalada dos preços da habitação em Lisboa e no Porto, fala dos mais recentes dados económicos, da economia paralela e das "rentrées" políticas do PSD e Iniciativa Liberal, entre outros temas.
O TURISMO ALGARVIO
- Muito se tem dito sobre o turismo no Algarve. Está melhor ou pior? Há mais ou menos turistas este ano? Os restaurantes estão mais ou menos vazios? Independentemente da sensação de cada um, há dados objetivos que a AHETA, uma importante associação do setor, tornou públicos nos últimos dias:
- O turismo de estrangeiros não diminuiu. Os estrangeiros continuam a apostar no Algarve. Mas o turismo nacional está a registar uma queda de cerca de 7% em relação ao ano anterior. É a AHETA que o diz.
- Nada disto é surpreendente. Há sobretudo duas razões que podem justificar esta quebra.
- Uma razão parece óbvia: a crise social que se vive em Portugal. Por causa da inflação e da subida dos juros no crédito à habitação. Com tudo isto, as pessoas têm menos rendimento e menor poder de compra. Assim, são "obrigadas" a cortar nas férias. Ou não fazem férias fora de casa, ou fazem férias mais curtas, ou fazem férias em locais mais baratos.
- A outra razão já requer mais atenção: o Algarve está muito caro. Os preços subiram muito. Subiram nos hotéis, nos apartamentos e na restauração. Estes preços altos não são, em regra, um problema para os estrangeiros. Mas são um problema para os portugueses. A diferença do poder de compra é significativa. Acresce que há locais alternativos mais baratos. Desde logo, no sul de Espanha. Ora, este é um problema sério. Um problema que deve merecer a atenção dos operadores turísticos e dos empresários hoteleiros do Algarve.
LISBOA COM AS CASAS MAIS CARAS DA EUROPA
- Dentro de dias o Presidente da República vai decidir o que fazer ao pacote da habitação. Se Marcelo promulga ou veta ninguém sabe. Mas há algo que já se sabe: depois de no início do ano o Governo ter apresentado o programa "Mais Habitação", os preços das casas em Lisboa subiram ainda mais. Lisboa passou a ser mesmo, nestes dois últimos trimestres, a cidade da Europa com rendas mais caras. O que significa que o pacote de habitação do Governo gerou desde o início um efeito negativo. E continua a ser contestado, da direita à esquerda, do CDS ao PCP.
- Segundo um site internacional da especialidade, Lisboa ultrapassou Amsterdão como a cidade mais cara da Europa para arrendar.
- O preço médio do arrendamento de um T1 em Lisboa é de 2.500€; em Amesterdão é de 2.300€; em Utrecht é de 1,950€; em Paris é de 1.800€; e em Munique é de 1,755€.
- Arrendar um quarto em Lisboa já custa 550€ e no Porto 415€. São os valores médios do 2º trimestre de 2023. O que significa, no caso de Lisboa, um aumento de 29% no espaço de um ano. A capital é, também nesta vertente, a cidade mais cara da Europa.
- A falta de casa a preços acessíveis gera muitos dramas. Desde logo, dois sérios:
- Primeiro, a liquidação do elevador social. Há muita gente que não pode mudar-se para Lisboa ou Porto, onde, em regra, estão os empregos com salários mais altos. Tudo porque as casas são muito caras. Assim, mata-se o elevador social. As pessoas têm mais dificuldade em subir na vida.
- Segundo, a saída de Lisboa. Com os preços das casas e o agravamento do crédito à habitação, começam já a ser relevantes os casos de pessoas que deixam de morar em Lisboa e se mudam para cidades periféricas. Não aguentam os preços que se praticam na capital. Outro drama social.
O DESEMPREGO, INFLAÇÃO E SALÁRIOS
- Na economia há boas notícias, notícias menos boas e algumas curiosidades.
- Notícias boas: a queda da inflação pelo nono mês consecutivo (3,1%); a queda da taxa de desemprego, contribuindo para um novo recorde de emprego (quase 5 milhões de portugueses empregados); e uma subida real dos salários de 2,4%, sendo maior o aumento no privado que no Estado;
- Notícias menos boas: a queda das exportações, fruto de dificuldades nos países de destino, designadamente nos EUA; a queda do emprego qualificado. No espaço de um ano, temos menos 128 mil trabalhadores licenciados a trabalhar em Portugal. Uma queda de 7,3% por causa da emigração; finalmente, o baixo valor dos salários reais. Mesmo com um aumento real no 2º trimestre do ano, o valor líquido dos salários é, em média, de 1044€. Um valor muito baixo.
- Dos dados divulgados esta semana há ainda três curiosidades a registar:
- Teletrabalho: não nasceu com a pandemia, mas cresceu com a pandemia. Agora, já sem pandemia, percebe-se que veio para ficar: já são mais de 909 mil portugueses a trabalhar em teletrabalho (18%). É uma mudança estrutural no padrão tradicional do mercado de trabalho.
- Empregos precários: o emprego cresce, mas os contratos precários também crescem. Um crescimento de 13% no 1º trimestre deste ano. É melhor ter um emprego precário do que não ter. Mas o aumento da precariedade laboral não é um bom sinal.
- Duplo emprego: segundo os dados oficiais, há 271 mil portugueses com dois empregos. Em termos absolutos não há grande novidade. Trabalhadores com dois ou até mais empregos sempre houve. Só que o número agora registado é um recorde estatístico e social.
O PESO DA ECONOMIA PARALELA
- Há poucas semanas apresentei aqui um tema que chocou muita gente: o número de greves na CP. Hoje, ao apresentar os novos números da economia paralela não sei se o choque não é ainda maior. A economia paralela, também chamada economia informal ou não registada, está a crescer. Pouco se fala desta economia que foge ao pagamento de impostos. Mas ela está forte. Um estudo recente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto veio colocar o dedo na ferida: a economia paralela atinge níveis impressionantes.
- Vejamos:
- Primeiro, a economia paralela atingiu em 2022 um novo recorde histórico: 34% do PIB. Depois de ter estado nos 24,8% em 1996. E em 32% em 2010.
- Segundo, são 82mil milhões de euros sem tributação. Muito mais que os 37,5 MM€ de fundos da UE que Portugal tem para gastar até 2026. Ou dos cerca de 50 MM€ de fundos até ao fim da década.
- Terceiro, bastaria um imposto de 20% sobre este valor, para o Estado arrecadar receita que daria para pagar toda a despesa pública de saúde ou educação. Um imposto de 20% daria uma receita potencial de 16 MM€. A despesa com a saúde é de 14 MM€ e da educação de 9 MM€.
- Porquê este crescimento da economia paralela? Uma das razões, embora não a única, está nos impostos demasiado altos que temos. Impostos altos são normalmente um incentivo a "fugir" ao pagamento de impostos. Acresce que, para muitos cidadãos, pagar mais impostos não tem um efetivo retorno em termos sociais e de serviços públicos. Estas razões não legitimam a fuga aos impostos. Mas ajudam a explicá-la.
O PONTAL DO PSD
- O PSD faz amanhã a sua rentrée. É a histórica Festa do Pontal. Aí começa um ano político especialmente importante para Luís Montenegro. Ano político em que o líder do PSD tem pela frente cinco grandes desafios:
- Vencer com maioria absoluta as eleições na Madeira, já em setembro, em que o PSD lidera uma coligação com o CDS. Os indicadores são muito positivos. A eleição é regional, mas os efeitos também se vão sentir a nível nacional.
- Vencer as eleições europeias de junho de 2024. São eleições vitais para Montenegro reforçar a sua liderança e inverter um longo ciclo de derrotas do PSD. As últimas que ganhou já foram em 2015, há oito anos.
- Escolher um cabeça de lista forte e mobilizador para a lista do Parlamento Europeu. Nas europeias, os cabeças de lista contam. E o PS terá uma cabeça de lista muito popular: Marta Temido.
- Consolidar a oposição, mediante um discurso firme e virado para as pessoas e a apresentação de ideias e propostas alternativas.
- Afirmar o primeiro lugar nas sondagens, depois das subidas dos últimos meses que garantem ao PSD, pelo menos, um empate técnico.
- A Festa do Pontal de amanhã pode ser politicamente marcante. O PSD vai apresentar a sua proposta de reforma do IRS, antecipando-se ao governo.
- Embora não seja público, o PSD criou há já algum tempo um grupo de economistas e fiscalistas encarregados de prepararem uma reforma fiscal para o futuro programa eleitoral de governo.
- Do trabalho já realizado, Luís Montenegro decidiu antecipar agora algumas medidas imediatas de redução do IRS, com três objetivos: subir salários, evitar a emigração de jovens de talento e apoiar a classe média. Assim, vai ter a iniciativa política e marcar a agenda mediática. É deste modo que se faz oposição e se constrói o estatuto de alternativa.
A RENTRÉE DA IL
- Entretanto, já ontem a IL fez a sua rentrée: com 10 compromissos para o futuro. Vê-se que há dois temas fortes no discurso da IL: a reforma do sistema eleitoral e a reforma da Saúde.
- Rui Rocha, o líder da IL, lançou em força o tema da reforma do sistema eleitoral. É um assunto importante. Receio é que não diga muito ao povo.
- E reforçou o tema da saúde, já antes lançado por João Cotrim Figueiredo. É a ideia de criar uma nova Lei de Base da Saúde. Não é uma intenção suscetível de ser concretizada porque o PS tem maioria absoluta. Mas é uma boa ideia alternativa e uma causa popular.
- Em qualquer caso, o grande desafio da IL e o do seu novo líder são as eleições europeias. É a primeira vez que a IL vai a votos em eleições europeias. Estas eleições são, para a IL, uma espécie de primárias das legislativas.
- Se tiver um bom resultado – por exemplo, eleger dois deputados – afirma-se com força para as eleições legislativas e ganha o estatuto de parceiro privilegiado do PSD. Para isso, precisa de ter um bom cabeça de lista nas europeias. João Cotrim Figueiredo é o nome mais provável e é um nome forte.