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Opinião
31 de Janeiro de 2021 às 21:46

Marques Mendes: "Na vacinação dos órgãos de soberania fomos do 8 ao 80. É um erro tremendo"

As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre a nova vaga da pandemia, a vacinação e a reeleição de Marcelo, entre outros temas.

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A NOVA VAGA DE PANDEMIA

 

  1. Ocupamos hoje o lugar da Itália e da Espanha da primeira fase. Mas não somos apenas os piores da Europa e do mundo. Estamos muito piores que os outros, sobretudo os que são referenciais de comparação connosco – a Espanha, nossa vizinha, a Alemanha, o maior país da UE, e a própria média da União. Muito mau em termos de saúde, de economia e da imagem de Portugal no mundo.

 

  1. Como é que chegámos até aqui? Estamos ao menos a aprender com os erros cometidos? Vamos por partes. Como chegámos até aqui?
  • Primeiro: uma razão globaltoda a gente sabia que a seguir ao Verão a situação se agravaria em todo o mundo. A segunda vaga era inevitável. Portugal não seria excepção. Não planeámos a resposta.
  • Segundo: uma razão nacionala irresponsabilidade no período do Natal. Enquanto a Alemanha apertava a malha, Portugal facilitou. Era o disparate de "salvar o Natal". Hoje, todos os especialistas reconhecem que os dias 25, 26, 27, 28 e 29 de Dezembro foram fatais. Foi o descontrole total. A Alemanha, essa, aguentou.
  • Terceiro: uma razão específica – a estirpe inglesa que chegou a Portugal antes do Natal. Mandava a "jurisprudência das cautelas" prevenir, não relaxar nem facilitar. Porque era mais contagiante. Fez-se o contrário. E não foi por falta de informação. Foi por falta de coragem. O Governo queria ser popular no Natal.

 

  1. O problema maior é que os erros continuam. Não aprendemos nada:
  • Ambulâncias em frente aos hospitais Resolveu-se ao fim de cinco dias, depois do pandemónio. Mais um exemplo de falta de planeamento, de coordenação e de incapacidade de antecipação.
  • Ministros que falam de mais e geram instabilidade. A Ministra da Saúde admitiu o envio de doentes para o estrangeiro. Depois foi desmentida. Medidas destas não se pré-anunciam. Ou se concretizam ou não se publicitam. Um Ministro é um decisor, não um comentador. O Governo devia dar menos entrevistas e passar a decidir melhor.
  • Vacinação dos órgãos de soberaniaPassámos do 8 para o 80. Uma coisa é uma excepção para 20 ou 30 pessoas. Outra é exagerar com centenas ou um milhar. É um erro tremendo do Governo quando os idosos e muitos profissionais de saúde ainda não foram vacinados.
  • Abusos de vacinaçõesPodem ser poucos casos. Mas cada caso é um abalo na confiança dos cidadãos nas instituições. Reina um sentimento de impunidade. E ainda estamos no início. O abuso nas vacinações devia ser crime. Se a lei não o define como tal, o Governo devia mudar a lei. Isto é um crime de desobediência ao contrário.

Combater crises ou tragédias não é mesmo o ponto forte do Governo!

 

 

O QUE FAZER AGORA?

  1. Primeiro: aguardar com paciência o achatar da curva. Segundo os especialistas, o pico de infecções dar-se-á na próxima semana; já há sinais ténues de desaceleração do crescimento de infecções (o factor R); resultados visíveis só daqui a 8, 10 dias; reduzir para 4 mil casos/dia – valor mínimo aceitável – nunca antes de 15 de Março; todo o processo de melhoria é lento e gradual.

 

  1. Segundo: confiança. Confiança nos profissionais de saúde. Confiança na cooperação entre público e privado. Confiança nas instituições. O exemplo de cooperação entre a Madeira e o continente é um bom sinal.

 

  1. Terceiro: responsabilidade. Temos de cumprir o confinamento. Não há alternativa. Basta olhar para o mundo inteiro. Se não cumprirmos, teremos um confinamento mais longo e mais penoso para a saúde e a economia.

 

  1. Quarto, verdade e serenidade. Ser-se governo nesta fase não é fácil. Mas os governantes também não ajudam.
  • O MAI não pode ir ao Parlamento fazer um comício e falar aos gritos. A autoridade é serena. E quando não é serena não é autoridade.
  • A Ministra da Saúde não pode chamar criminosos aos que a criticam. Esta arrogância mata. Em vez de unir está a dividir os portugueses.
  • Mas pior. Está em negação. A negar as falhas, descoordenações, insuficiências. O que mais irrita as pessoas é a fuga á verdade.

 

 

  1. Finalmente, atenção à economia. Não temos uma pandemia. Temos três: a pandemia da Covid 19; a pandemia dos doentes não Covid; a pandemia económica. Será que os apoios estão a chegar à economia, às empresas e aos trabalhadores? O Ministro da Economia devia explicar.

 

 

A VACINAÇÃO

 

  1. Comecemos pela Europa e pelo mundo. Há boas e más notícias.
  2. Boa notícia: a vacina da Astrazeneca foi aprovada anteontem. Para Portugal é excelente porque nos vai fornecer quase 7 milhões de doses. A má notícia: a empresa está em "guerra" com a UE. Não quer fornecer de imediato o número de vacinas que tinha contratado com a UE. Suspeita-se de desvios para o RU e até para a China. Parece que voltámos ao tempo da espionagem e da Guerra Fria com uma guerra geopolítica em torno das vacinas.
  3. Outra boa notícia: a vacina da Jansen está a avançar e pode chegar a Portugal em Abril. Excelente notícia porque é a única vacina que requer apenas uma toma. Terminaram os ensaios clínicos da 3ª fase. A má notícia: a empresa vai avançar mais depressa para os EUA que para a UE.
  4. Má notícia: a UE começou bem, com as compras conjuntas de vacinas, mas agora não vai bem no processo de vacinação. Países como Israel, EUA, RU estão a vacinar a um ritmo bem superior ao da UE. É difícil de entender.

 

  1. Quanto a PortugalCom excepção dos abusos, o processo tem corrido bem. O grande calcanhar de Aquiles é a escassez de vacinas. Até Março temos poucas vacinas para administrar. A seguir, a situação melhora. Vejamos:
  • Vacinas recebidas até Janeiro – 396.000 mil doses
  • Vacinas a receber em Fevereiro/Março – 2.2000.000 milhões de doses
  • Vacinas a receber em Abril, Maio e Junho – 5.100.000 milhões de doses
  • Até Junho temos doses suficientes para vacinar 38% da população.
  • Mas há uma esperança adicional: falta saber quantas doses vamos receber da Astrazeneca e da Jansen no 2º trimestre. E podemos receber dessas empresas mais 2 a 3 milhões de doses.

 

  1. Finalmente, uma boa notícia: esta semana haverá mais 7 mil doses para vacinar profissionais de saúde do sector privado.

A REELEIÇÃO DE MARCELO

 

  1. Dificilmente algum candidato presidencial no futuro, à esquerda ou à direita, terá uma vitória tão forte como esta:
  • MRS venceu em todos os concelhos do país. Nem Soares o conseguiu.
  • Só não venceu em 9 das 3091 freguesias do país. Esmagador.
  • A seguir a Soares é o melhor resultado numa reeleição.
  • Tudo em tempo de pandemia com a abstenção a subir.
  • Reforçou muito a sua legitimidade e autoridade.

 

  1. Provavelmente MRS vai ter o mandato mais difícil que algum Presidente já teve até hoje. Cinco factores de dificuldade:
  • A pandemia;
  • A crise económica e social prolongada;
  • A precária base de apoio do Governo;
  • A falta de alternativa à direita;
  • O risco de o país caminhar para a ingovernabilidade. Na prática, o risco de não ser possível um governo forte à esquerda e à direita.

 

  1. O PR vai precisar de todo o seu talento, sobretudo se tivermos em atenção três sérias condicionantes:
  2. Primeiro: o PR não faz milagres nem pode substituir-se aos partidos, quer a governar, quer a fazer oposição.
  3. Segundo: o PR não pode fazer governos de iniciativa presidencial. Isso não existe. É ficção científica.
  4. Terceiro: o PR não contará com um governo de Bloco Central. No contexto que se vive é uma solução politicamente inviável. A não ser que PS e PSD quisessem estender uma "passadeira vermelha" aos extremos, neste caso ao Chega e ao BE.

 

O EFEITO VENTURA

 

  1. No plano partidário, Ventura foi o grande ganhador das presidenciais. À esquerda, BE e PCP foram severamente derrotados. À direita, CDS e PSD saíram enfraquecidos com a ascensão meteórica do Chega. O efeito Ventura já começou a dar-se, pelo menos no CDS.
  2. Houve várias demissões na direcção do CDS, em particular Filipe Lobo d’Ávila; e houve sobretudo o desafio de Adolfo Mesquita Nunes – quer um Congresso e anunciou a sua disponibilidade para se candidatar a líder;
  3. Quanto a Adolfo Mesquita Nunes, o seu gesto é de coragem. No estado em que o CDS está, quase em risco de sobrevivência, é corajosa uma decisão de candidatura à liderança;
  4. Quanto a Francisco Rodrigues dos Santos: do ponto de vista formal, tem argumentos para dizer não a um Congresso extraordinário; do ponto de vista político, se disser não, fica à defesa, revela medo do confronto e acaba em situação mais frágil do que já hoje está. Quando nos partidos há este tipo de desafios, a melhor solução é clarificar. Adiar é cair no pântano.

 

  1. No PSD, a clarificação só se vai dar daqui a um ano, em Janeiro de 2022, nas directas de então. E essa clarificação pode depender de dois factores: do resultado que o PSD tiver nas autárquicas de Setembro deste ano; e do eventual regresso de Passos Coelho à liderança do PSD. Se Passos Coelho decidir regressar à liderança do PSD, não será nem antes nem depois de Janeiro de 2021. Será precisamente daqui a um ano. E aí pode haver um confronto entre Rui Rio e Passos Coelho. É um cenário possível.

 

 

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS

 

  1. Depois do que sucedeu nas presidenciais, as eleições autárquicas ganharam ainda mais importância. Serão umas super-autárquicas. Decisivas, pelo menos, para três partidos:
  2. Para o PCPDesde que há geringonça, o PCP está sempre em queda. Perde de eleição em eleição. Se voltar a perder autarquias este ano, entra num "buraco negro". Se pudesse, o PS oferecia meia-dúzia de Câmaras ao PCP, de mão beijada, só para salvar a geringonça.
  3. Para o PSO PS precisa de voltar a ganhar claramente esta eleição. Se perder ou tiver uma queda grande, António Costa pode ficar igual a António Guterres há 20 anos. É o pântano e o fim.
  4. Para o PSDO PSD precisa de ganhar ou ter uma forte recuperação. Se não recuperar no pior momento do Governo quando é que recupera? Mas o PSD tem todas as condições para recuperar, desde que tenha candidatos fortes, sobretudo em Lisboa, Porto e noutros centros urbanos.

 

  1. Em qualquer caso, o PSD corre dois riscos:
  • Primeiro: o risco de perder candidatos para o Chega. Os descontentes com o PSD (por exemplo, candidatos rejeitados) podem oferecer-se ao Chega. O Chega pode não ganhar Câmaras mas pode fazê-las perder.
  • Segundo: o risco de o voto do Chega se fidelizar, passando de voto pontual e conjuntural a voto permanente e sistémico. O risco agravou-se com as palavras de Rio na noite eleitoral. Parecia falar do Chega como aliado. O PSD ganhava com uma clarificação.
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