Opinião
Marques Mendes: Estado de emergência deverá durar até fim de abril ou início de maio
As habituais notas da semana de Luís Marques Mendes no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala essencialmente sobre o covid-19 e as suas consequências.
COVID 19 – O LADO DA SAÚDE PÚBLICA
1.Em primeiro lugar, há que dizer que tudo está a correr dentro da normalidade e até com aspectos positivos:
- Primeiro: estamos a afastar-nos de Itália e Espanha em vez de nos aproximarmos. O número de infectados está a crescer – e ainda vai crescer mais – mas a situação entre nós é menos grave que em Itália e Espanha.
- Segundo: o número de vítimas mortais já é grande mas está percentualmente abaixo da média global e da média de Itália e Espanha.
- Terceiro: há, como nunca, um ambiente de confiança em torno dos profissionais de saúde que é simplesmente notável. Em tempo de crise as pessoas têm de acreditar e têm de saber em quem podem acreditar.
- Quarto, o número de testes vai aumentar. O Instituto de Medicina Molecular, dirigido pela cientista Maria Manuel Mota, está também a desenvolver centenas de novos testes diários para diagnosticar a doença, o que é um avanço importante de iniciativa nacional.
- Finalmente, outra boa notícia, esta em primeira mão. O Ministério da Segurança Social, em parceria com o Instituto de Medicina Molecular e a Cruz Vermelha Portuguesa, vai, a partir do início desta semana, começar a fazer testes a idosos dos lares de terceira idade. Objectivo: fazer 300 testes por dia, alargando progressivamente o seu número até chegar a 10 mil testes daqui a algumas semanas.
- Em segundo lugar, o momento do pico da crise. Falou-se que seria em fins de Abril, depois em meados de Abril, agora o mês de Maio. Legitimamente as pessoas perguntam: este arrastamento é bom ou mau? Do ponto de vista da gestão da informação é mau – falar de três datas diferentes em poucos dias só gera insegurança e intranquilidade nas pessoas. Do ponto de vista da saúde pública é bom. Trata-se de criar as condições para salvar o maior número possível de vidas.
Na prática, em vez de um pico teremos um planalto e o crescimento de doentes por dia e semana é mais suave e moderado. Evita-se, assim, que os hospitais entrem em colapso, o que seria uma tragédia, como se tem visto em Itália e Espanha.
- Mas esta opção tem consequências. Sobretudo três:
- a) Primeira: a retoma da actividade económica dar-se-á mais tarde. Provavelmente nunca antes do fim de Maio ou princípio de Junho. É um mal necessário.
- b) Segunda: o estado de emergência pode ter de ser renovado não uma vez mas, pelo menos, duas vezes. O fim do estado de emergência ocorre no próximo dia 2 de Abril. Vai ser renovado até ao dia 16 de Abril. E o mais provável é que tenha de ser renovado segunda vez, até finais de Abril ou princípio de Maio. Mas é por uma boa causa.
- c) Terceira: o isolamento das pessoas pode durar um pouco mais. Não é fácil. Mas não temos alternativa válida. Se violarmos o isolamento deitamos tudo a perder.
COVID 19 – VACINA PARA QUANDO?
1.Qualquer vacina, em circunstâncias normais, leva dois anos a fabricar. Porquê? Porque é o medicamento mais sujeito a controle de qualidade, a vigilância e a fiscalização. Não há medicamento que tenha um controle de qualidade tão exigente.
E porquê? Por uma razão de eficácia e por uma razão de segurança. Há que garantir que a vacina é mesmo eficaz e produz o efeito pretendido. E é preciso assegurar que não tem danos colaterais na saúde de quem a toma.
- 2. Posto isto, sobre a vacina para a Covid 19, há que dizer:
- a) Primeiro: estima-se que haja cerca de 40 firmas em todo o mundo envolvidas na investigação desta vacina. Percebe-se que assim seja: esta é uma grande oportunidade de negócio e uma grande oportunidade em termos de humanidade.
- b) Há 4 destas investigações em fase mais avançada. Uma a fazer testes em animais. Três outras já em fase de testes em humanos. Mesmo assim há que ter em atenção que são vários meses para fazer testes. Primeiro, são os testes em pessoas voluntárias saudáveis; depois, são os testes em pessoas saudáveis localizadas em zonas de grande exposição; finalmente, testes num núcleo bem mais alargado de pessoas.
- c) Em conclusão: se tudo correr bem, teremos vacina no próximo ano. Mas nunca antes da Primavera. Há que ter esperança mas uma esperança controlada pelo tempo.
- Duas curiosidades importantes: Bill Gates e a China.
- Bill Gates é um grande mecenas nesta área. Estima-se que dois biliões de dólares foram já doados através da sua fundação e da sua mulher a 3 grandes grupos que estão nestas investigações: a GSK (inglesa), a Inovio e a Moderna (americanas).
- Finalmente, fala-se muito do avanço da China nesta área. É natural que a China queira ter esta bandeira. Faz parte da sua estratégia imperial. Mas, ao que parece, é mais propaganda que realidade. Afinal, quem vai à frente nestas investigações são ingleses e americanos.
COVID 19 – O LADO DA ECONOMIA
- Há uma semana, fiz aqui críticas ao discurso do Governo e a algumas das suas decisões em matéria económica. Hoje, devo dizer que o Governo merece uma saudação – porque mudou, corrigiu e melhorou.
- a) Mudou o discurso – Antes tinha um discurso facilitista. Esta semana corrigiu o tiro e já tem um discurso mais realista, admitindo que a crise será longa e profunda, provavelmente com a maior recessão da democracia. Mesmo quando é dura, a verdade é sempre melhor que a mentira e a ilusão.
- b) Mudou a medida talvez mais importante – o lay off simplificado. Antes era a confusão das confusões. Foram precisas três versões e muitas críticas para finalmente o Governo acertar. Agora, o regime é simples, é claro e é automático. Em qualquer caso, falta ainda o Governo explicar uma coisa: mês a mês, em que dia é que transfere as verbas para o pagamento aos trabalhadores? Isto é essencial para as empresas poderem planear a sua vida financeira.
- 2. Posto isto, aqui deixo uma chamada de atenção: o Governo está a gerir esta crise económica como se fosse uma crise igual às outras. E não é. É uma crise diferente. Mais do que linhas de crédito, o que as empresas precisavam era de apoios a fundo perdido. As linhas de crédito são uma ideia barata para os governos, para os bancos e para as grandes empresas. Mas desconfio que não sejam uma boa solução para a generalidade das PME. Muitas nunca lá conseguirão chegar. Ainda por cima nem sequer temos um Banco de Fomento.
- Finalmente, três sugestões:
- a) A burocracia. Se não houver um Ministro a "vigiar" a execução das várias medidas, a burocracia vai matar boas intenções. Precisávamos de um Simplex Covid 19.
- b) As dívidas do Estado. O Estado deve alguns milhões de euros a fornecedores. Este é o momento para pagar essas dívidas. Ajuda à tesouraria das empresas. Tal como já está a fazer a EDP, segundo li na imprensa.
- c) O pagamento especial por conta. Este ano, excepcionalmente, o Governo não devia de cobrar às PME o PEC. Era mais uma medida a ajudar à liquidez das empresas.
COVID 19 – A GESTÃO POLÍTICA
- Primeiro: a solidariedade institucional entre órgãos de soberania – PR, PAR e PM. Um excelente sinal político. Exemplo maior e inédito foi a reunião que se realizou na passada 3ª feira com médicos e outros especialistas de saúde. Reunião que vai repetir-se no próximo dia 31 de Março, no Infarmed, mas agora com uma novidade adicional – vão participar também por videoconferência os membros do Conselho de Estado.
- Segundo: a convergência político-partidária. Todos os partidos, da direita à esquerda, têm evidenciado uma grande maturidade política. Têm feito reparos, críticas e propostas, como é normal. Mas têm estado unidos no essencial.
- Terceiro: a acção globalmente positiva do Governo e do PM António Costa, que as sondagens têm evidenciado. O que mostra duas coisas:
- a) Primeiro, que o PM aprendeu com os erros do passado. Sobretudo os erros que cometeu na tragédia dos fogos, em 2017. Na altura falhou. Falhou porque desvalorizou. Falhou porque andou a reboque dos acontecimentos. Falhou porque mostrou grande insensibilidade.
- b) Segundo, percebe-se que agora o PM quer recuperar da má imagem que deixou no país nessa altura. E, por isso, está em permanência na linha da frente – lidera as operações; está no terreno; tenta controlar os acontecimentos.
- Em qualquer caso impõe-se um reparo: o PM pode liderar as operações mas não deve exagerar nas afirmações. Proclamações como as que fez na TVI – que nunca falta nem faltará nada nos hospitais – devem ser evitadas. Primeiro, porque correm o risco de ser desmentidas pelos factos; depois, porque criam uma irritação desnecessária dentro e fora dos hospitais.
A UNIÃO EUROPEIA
- O que sucedeu no Conselho Europeu desta semana – com quatro países a inviabilizar uma solução europeia para a crise – pode ser o princípio do fim da UE. Dizer isto não é ser alarmista. Infelizmente, é ser muito realista.
- Tudo isto parece igual ao passado. Mas não é. Agora, a divisão agora é mais grave e pode levar mesmo ao fim da Zona Euro e da própria UE.
- a) Primeiro: há 8 anos, os países mais "duros" ainda podiam ter alguma razão. Afinal, a crise das dívidas soberanas era só de alguns países (como Grécia e Portugal) e os próprios tinham alguma culpa no cartório. Agora não é assim. A crise é global e não nacional. E ninguém tem culpa da crise.
- b) Segundo: há 8 anos, os países que batiam o pé – Portugal e Espanha – eram pequenos, política e economicamente pouco relevantes. A sua eventual saída do Euro seria um mau sinal politico mas não abalava a Zona Euro. Agora é diferente. Agora o conflito é com a Itália e com a Espanha, duas das maiores economias da UE. Se a Itália sair da Zona Euro, acaba a Zona Euro e a seguir pode implodir a UE.
- c) Terceiro: se não houver uma solução europeia, a Itália pode ter necessidade de abandonar a Zona Euro para fazer a sua reconstrução económica. Pode ter que emitir moeda para fazer o seu próprio caminho. E para emitir moeda tem de deixar de estar sujeita ao BCE. Isto é um risco muito sério. O risco de implodir o projecto europeu.
- d) Finalmente: tudo isto é fatal na opinião pública de vários países. Pergunta-se: se a UE não é solidária entre si numa crise como esta, para que serve a UE? Isto é fatal. Mata a confiança dos cidadãos na UE. Faz crescer os populistas. Empurra os responsáveis políticos para posições extremadas e radicais.
Em conclusão: se a UE se desagregar, isso é pior que a doença do COVID 19 e que a crise económica. É matar o projecto de uma geração. Uma verdadeira calamidade.
O VÍRUS PELO MUNDO
- Esta crise é global. As reacções, porém, variam muito.
- a) Temos casos de ziguezagues graves. É o exemplo dos EUA e do RU.
- Nos EUA, Trump passou do 8 para o 80. Primeiro, desvalorizou a epidemia. Agora, preocupado com a situação, chegou ao extremo oposto de ir distribuir cheques chorudos a milhões de americanos. Arrisca, porém, que os EUA sejam o país campeão mundial de infectados e mortos por causa da doença.
- No RU, novo ziguezague. Numa primeira fase, o Governo seguiu uma estratégia diferente. A ideia de imunidade de grupo, não decretando o isolamento social. Agora, mudou de alto a baixo para tentar contrariar a gravidade que a situação estava a atingir.
- b) Temos casos de apoios que são dados com segundas intenções. É o caso da Rússia e da China. Ambas estão a apoiar a Itália. No caso da Rússia, que nem sequer tem bons serviços de saúde para bem da sua população, é claro que é um apoio com claras intenções políticas – o que a Rússia quer é dividir os europeus e conquistar aliados para ver se são levantadas as sanções que lhe foram impostas por causa da anexação da Crimeia. No caso da China, é uma tentativa de "limpar" a sua imagem e afirmar as suas tentações imperiais no mundo. A China está a aproveitar a pandemia para alargar a sua influência externa. Ainda por cima agora que Trump "corta" com a Europa.
- c) Temos casos graves de abuso e autoritarismo. É o caso do Brasil, da Hungria e de Israel. No Brasil, Bolsonaro já está em guerra com a justiça e com os governadores de vários estados. Na Hungria, o Governo quer aproveitar o estado de emergência para abusar dos seus poderes. Já teve um "puxão de orelhas" da UE. Em Israel, o PM Netanyau, a braços com a justiça, fechou o Parlamento, o que já lhe valeu uma decisão desfavorável do Supremo Tribunal. Nos três casos, é a pandemia a servir de pretexto para abuso do poder.