Opinião
Marques Mendes: Desconfinamento “suave, gradual e faseado” deve começar por abrir parte das escolas
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre Um ano de pandemia; Quando vamos desconfinar?; A candidatura de Carlos Moedas; Operação Marquês; Bazuca Europeia e Os acordos na TAP.
UM ANO DE PANDEMIA
- Faz terça-feira um ano que a pandemia chegou a Portugal. Um breve balanço:
Evolução do PIB – Uma contracção de 7,6%. Num só ano, o PIB encolheu 15 mil milhões euros. Mais do que o valor da bazuca que vamos receber!
Dívida pública – Um agravamento de 16 pp. A terceira maior dívida da UE.
Total de desempregados inscritos no IEFP – Mais 104 mil inscritos no IEFP no espaço de um ano. E o número não é maior graças ao lay off.
Saldo da balança de turismo – A diferença entre receitas que os turistas geram em Portugal e as que os portugueses gastam lá fora encolheu 53,8%.
Dormidas em instalações turísticas – Uma quebra de 75% na hotelaria, de 63,5 no alojamento local e 41% no turismo rural.
Venda de automóveis – Uma diminuição de 33,9% num só ano. Esta quebra dá bem a ideia da dimensão da crise.
- É inevitável tirar algumas conclusões:
- Primeiro, investir a sério no SNS. Com os cortes da troika e as cativações de Centeno, foram oito anos de falta de investimento no SNS. Esta atitude tem de ser invertida. Devia haver mesmo um acordo interpartidário para garantir um investimento plurianual no SNS.
-Segundo, precisamos de uma União Europeia da Saúde. Ou seja, de uma política comum de saúde a nível da UEE. A saúde não pode ser só uma política nacional. É preciso coordenação, monitorização e investimento a nível europeu. As pandemias não vão acabar.
No domínio da educação. Esta crise vai trazer um dano para os jovens por causa do fecho das escolas. Sobretudo ao nível das classes mais baixas, onde as famílias não têm capacidade para ajudar os filhos nos estudos nem têm dinheiro para explicações. É essencial investir na recuperação das aprendizagens.
No domínio económico e social há que perceber três coisas:
- Primeiro, duas crises gravíssimas no espaço de uma década geram o maior problema de todos: maiores desigualdades sociais.
- Segundo, o pior ainda está para vir. Para já o país está anestesiado com o lay off e com as moratórias. Quando estas duas anestesias terminarem, a dor vai ser maior.
- Terceiro, vamos levar dois a três anos a voltar aos níveis de riqueza que tínhamos em 2019. Ou seja, mais dois a três anos perdidos. Depois do que perdemos no tempo da troika.
QUANDO VAMOS DESCONFINAR?
- Comecemos pelo estado da arte:
Número de internados – Estamos com 2638, próximos do objectivo apontado (1500 internamentos);
Número de doentes em UCI – Aqui, sim, ainda estamos longe do objectivo. Temos 546 doentes em UCI para um objectivo de 200.
Número de testes – Ao contrário do prometido, continuam a diminuir em vez de aumentar. Esta semana houve uma nova redução.
Em conclusão: como disse na semana passada, esta renovação do estado de emergência faz todo o sentido. Não devemos cair em precipitações.
- E daqui a 15 dias? Faz sentido manter este confinamento? Analisando o discurso do PR, parece que sim. Ouvindo o discurso do PM, parece que não. São, de facto, dois discursos diferentes. Mas são complementares. Ambos têm razão. Tem razão o PR quando diz: não podemos desconfinar agora, para voltar a confinar na Páscoa, para desconfinar logo a seguir. Tem razão o PM quando afirma que a meio de Março, com a evolução que se tem dado, é tempo de ter um plano para desconfinar.
- Assim sendo, o equilíbrio possível e desejável é este.
Entretanto, na segunda quinzena de Março, o desconfinamento deve começar, de forma suave, gradual e faseada, começando por abrir uma parte das escolas(creches, jardins de infância, 1º ciclo)
Ao mesmo tempo, o Governo deve garantir um eficaz plano de testagem e rastreio, em especial nas escolas. Mas para isso é preciso ter escolas abertas.
Finalmente, o Governo devia apelar à Igreja Católica para que as celebrações da Páscoa sejam suspensas, à semelhança do que sucedeu no ano anterior. Estou certo que a Igreja até o fará por iniciativa própria.
- A vacinação – Há algumas boas notícias para tentar resolver o problema do reforço da produção de vacinas:
A Astrazeneca já tem um acordo com uma empresa alemã para produzir mais vacinas e há a hipótese de também produzir na Índia;
A vacina da Janssen será aprovada já no próximo mês de Março;
Em Paredes de Coura está a avançar uma empresa que a partir de Outubro já produzirá vacinas.
A CANDIDATURA DE CARLOS MOEDAS
- Esta candidatura revela duas coisas:
Inteligência da parte Rui Rio. O líder do PSD foi inteligente. Precisava de arrancar em força para as autárquicas. Lisboa era o seu maior teste. Não podia falhar. E não falhou. Apresentou o melhor candidato possível.
- Mas o que está em causa é mais do que a CM de Lisboa. É o futuro do PSD.
Por que é que Rui Rio está assim tão empenhado nas eleições autárquicas? Porque as autárquicas são vitais para a sua estratégia.
- Rui Rio quer disputar as próximas legislativas. E acha que as vai ganhar. Porque as vai disputar já não contra António Costa, que está de saída, mas contra o seu provável sucessor PNSantos, considerado um adversário mais fácil de derrotar.
- Para isso tem que ser reeleito nas próximas eleições internas do PSD daqui a um ano. E, para ser reeleito, precisa de fazer uma boa figura e um bom resultado nas autárquicas.
- E a verdade é esta: o PSD tem boas possibilidades nas autárquicas. Pode vencer Coimbra e Figueira da Foz. Tem boas hipóteses em Setúbal e Castelo Branco. Sem esquecer que a candidatura de Moedas ajuda a mobilizar. Porque Lisboa é uma "montra". E o candidato é um bom protagonista.
OPERAÇÃO MARQUÊS – DECISÃO QUANDO?
- Na próxima semana completam-se oito meses sobre o momento em que terminou o debate instrutório sobre a Operação Marquês. Oito meses passados ainda não há decisão do Juiz de Instrução, Ivo Rosa. No fundo, a decisão é saber: quem vai e quem não vai a julgamento; e quem vai a julgamento é pronunciado por todos os crimes de que vem acusado ou apenas por alguns? Exemplificando: José Sócrates vai a julgamento ou não? E, indo a julgamento, vai ser pronunciado por todos os crimes de que está acusado ou apenas por alguns? A acusação por corrupção mantém-se ou vai cair?
A este respeito, há duas questões importantes:
Este processo é muito complexo. É um megaprocesso. A vida do Juiz de Instrução, neste caso, não é fácil. Mesmo tendo estado em exclusividade. Só que oito meses para decidir são oito meses. Não são oito semanas. É tempo de mais para não haver decisão. Este atraso é mau para a imagem da Justiça.
Não é preciso ser-se jurista para presumir uma coisa: tantos meses sem decisão significa que várias partes da acusação do Mº Pº vão cair. Quais? Ninguém sabe? Mas todos estes meses são para fundamentar "à prova de bala" a decisão. E ela tem de ser tão mais fundamentada quantas mais partes da acusação do Mº Pº ficarem pelo caminho. Como dizia há poucas semanas Ricardo Costa, no Expresso, este é o ano de todos os abalos. É a pandemia e pode ser a Operação Marquês!
BAZUCA EUROPEIA – O QUE VAI MUDAR?
- Termina amanhã o debate público sobre o plano para aplicar a bazuca europeia. Se nada mudar é mau. Mais do mesmo não é solução. Vejamos:
Em 2019 voltámos a baixar. Da 18ª posição para o 19º lugar. Fomos ultrapassados não por um mas por mais dois países – a Estónia e a Lituânia. Só não estamos em 20º lugar porque entretanto "ultrapassámos" a Grécia que piorou ainda mais do que nós. Não foi mérito nosso!!
Em conclusão: nos últimos 20 anos houve 5 países que nos ultrapassaram. Nos próximos anos podemos ser ultrapassados por cinco outros – Polónia, Eslováquia, Hungria, Roménia e Letónia. Uma calamidade, se suceder.
- É possível inverter esta situação e evitar este risco? Claro que sim. É preciso apostar no investimento público; na competitividade e no crescimento; na capitalização das empresas.
Precisamos agora de reforçar a preocupação com a competitividade e não só com a recuperação e a resiliência. De resto, até o nome do plano devia mudar. Devia ser Plano de Recuperação, Resiliência e Competitividade. Para dar o sinal certo. E apostar num objectivo ambicioso de crescimento: ao nível dos países de leste que são nossos competidores directos.
Finalmente, as empresas e a sua capitalização. O sinal está dado no PRR e vai na direcção certa. Mas é preciso reforçar as verbas para a capitalização das empresas. O valor que está no Plano é baixo (1,250 mil milhões). Precisava de passar para o dobro ou para o triplo, com maior recurso aos empréstimos. Não é nenhum drama para a dívida pública e é a grande oportunidade de fazer uma mudança de fundo.
OS ACORDOS DA TAP
- Primeiro apontamento – Eu tenho um grande respeito pelos trabalhadores da TAP. Respeito que se reforçou agora. Eles não são os culpados pelo estado a que a TAP chegou. E, todavia, evidenciaram um grande sentido de responsabilidade ao aprovarem estes acordos históricos de redução de salários e de pessoas. Dir-se-á que não tinham grande alternativa. É verdade. Mas perceberam duas coisas: que a TAP tem de mudar de vida; e que a mudança se faz com paz social e não com conflito laboral.
- Segundo apontamento - Mudar de vida significa o quê? Significa ter uma TAP mais pequena, com menos rotas, menos aviões, menos pessoal, menos custos. É pesado? É, mas a alternativa é fechar. Até por duas razões adicionais: primeiro, depois deste plano de reestruturação, Bruxelas não autoriza injectar mais dinheiro público na TAP nos próximos dez anos; segundo, e mais importante, os portugueses estão no limite da tolerância para com a TAP e não aceitam que o Estado passe a vida a despejar milhões e milhões na Companhia.
- Terceiro apontamento - Faltam agora três outros passos essenciais:
Tornar definitivamente claro qual é o financiamento público à Companhia. É uma questão de transparência.
Executar o plano de reestruturação que vier a ser aprovado. Este é o passo mais sensível. Nós, portugueses, somos especialistas em fazer excelentes planos que depois são sistematicamente alterados e desvirtuados.