Opinião
Marques Mendes: "Costa foge do caso Medina como o diabo da cruz"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o desgaste no Governo com a polémica da contratação de Sérgio Figueiredo por Fernando Medina, da subida dos preços e da "imoral" renúncia de autarcas, entre outros temas.
A SUBIDA DOS PREÇOS
1. A subida dos preços, sobretudo na alimentação e energia, está a atingir dimensões preocupantes. Em particular para as famílias mais pobres. Começa a ser um drama social para milhões de Portugueses. Vejamos:
· A subida de preços de julho de 2021 a Julho de 2022 é brutal: 36,2% no gás; 35,6% na electricidade; 13,9% na alimentação; 12,9% nos transportes; 2,8% na habitação.
· Há vários produtos alimentares essenciais que tiveram aumentos superiores a 25%, 30% e 40% (é o caso, por exemplo, do óleo alimentar, do frango, dos bifes de peru, do salmão e da bolacha Maria).
· Um cabaz alimentar com 63 produtos essenciais (definido pela DECO) teve desde 23 de Fevereiro um aumento de 15% (bem acima da inflação).
· Em conclusão: com uma inflação de 9,1%, um crescimento de apenas 3,1% dos salários (2º trimestre) e 15% de agravamento do cabaz alimentar, a perda de poder de compra dos mais pobres é preocupante.
2. Além da dimensão social, há uma dimensão ética e política muito forte:
a) Dimensão ética: o Estado está a engordar com um crescimento de receitas nunca visto. Até junho, cobrou mais 4 mil milhões de euros de impostos. As famílias, essas, vêem emagrecer os seus orçamentos e o seu poder de compra. A pobreza e as desigualdades sociais aumentam. Claro que o défice e a dívida baixam. Mas as pessoas não se alimentam de défice e de dívida. Começa a ser chocante a falta de acção de um governo de esquerda.
b) Dimensão política: o incómodo político com esta situação já chegou ao PS. Agora é o próprio PS a queixar-se da inacção do Governo. Basta ver as declarações de Carlos César. A preocupação passou a ser nacional.
A POLÉMICA COM FERNANDO MEDINA
1. Manifestamente, os delfins de António Costa não estão a ajudar o Governo. São os próprios socialistas que o reconhecem. Primeiro, foi Pedro Nuno Santos na questão do aeroporto. Agora, é Fernando Medina com a contratação de um consultor. O incómodo é tão grande que ninguém dá uma explicação. O próprio PM foge do caso como o diabo da cruz. Assim, não admira que o PS baixe nas sondagens e que o PM comece a ter mais opiniões negativas que positivas.
2. Este caso tem um potencial de desgaste do Governo enorme. Por três razões:
· Primeiro: pela troca de favores. Sérgio Figueiredo na TVI contratou Medina para comentador. Agora, é Medina no governo que contrata Sérgio Figueiredo para seu consultor. Justa ou injustamente, há uma imagem que fica: a imagem de troca de favores. Voltamos sempre ao exemplo da mulher de César: não basta ser séria, é preciso parecê-lo.
· Segundo: pela irritação que gera na Administração Pública. Contratar no exterior é uma machadada na Administração Pública. É assumir que dentro do Estado não há quadros qualificados. Esta desqualificação da função pública é injusta e inaceitável. O MF não podia fazer isto!
· Terceiro: por contratar com um salário de Ministro. Põe toda a gente irritada: os funcionários públicos que tiveram um aumento miserável de salário; os assessores e consultores de outros gabinetes, que se acham discriminados(dois pesos, duas medidas); os quadros do Centro de Competências recém-criado no Estado que são menosprezados.
3. Estes erros políticos começam a ser de mais: esta semana, a Ministro da Agricultura disse que não queria saber das críticas da CAP porque a CAP tinha apelado ao voto contra o PS. Mas então o Governo só governa para quem votou PS? Pergunta-se: Isto é cansaço do poder ou são tiques de poder absoluto?
AS REENTRÉS DO PSD E DA IL
1. A reentré do PSD começa com a festa do Pontal. Esta festa vem na melhor altura para Luís Montenegro. Até agora, tudo tem corrido bem ao novo líder do PSD: está a subir nas sondagens; cortou com a estratégia e o estilo de Rui Rio; passou a fazer oposição; reganhou autoridade política com a iniciativa de "matar" o referendo à regionalização; e uniu o partido.
· Claro que a oportunidade é boa: o Governo está em processo de desgaste como nunca esteve até agora. E também é óbvio que o mais difícil ainda está para vir: construir uma alternativa. Mas em mês e meio de liderança, melhor era impossível.
· Duas surpresas: a primeira é a ida de Passos Coelho ao Pontal. Acho que tem uma intenção: Passos Coelho ainda não desistiu de voltar à vida política activa. O que ele mais gostava era de voltar a ser PM. Mas, se não for possível, há sempre a hipótese de ser candidato a PR. Pode suceder ou não suceder, mas ele quer deixar todas as portas abertas.
· A segunda é o discurso do líder do PSD. Ao que apurei, Montenegro irá apresentar um plano concreto e quantificado de apoio às pessoas, famílias e empresas mais afectadas com a subida de preços.
2. Quanto à IL, com a sua rentrée em Portimão, confirmam-se duas coisas: primeiro, o partido é eficaz a fazer oposição e desta vez teve a "ajuda" de Fernando Medina; depois, vê-se que cada vez mais se apresenta como o sucessor do CDS para uma futura coligação de governo com o PSD.
A RENÚNCIA DE AUTARCAS
1. Esta semana o Presidente da Câmara do Seixal, eleito pela CDU, anunciou a renuncia ao seu cargo. Ele que acabou de ser eleito há menos de um ano. Tudo porque, não se podendo recandidatar mais, o PCP quer que o segundo da lista tenha tempo e condições para se preparar para ser o próximo Presidente eleito.
2. Comportamentos semelhantes já foram adoptados por autarcas do PS e PSD. Seja como for, tudo isto é altamente censurável. Parece um caso de somenos, mas é um comportamento degradante para a democracia.
· Primeiro: é uma falta de respeito pelas populações. Os eleitores votam num Presidente e passado pouco tempo confrontam-se com outro Presidente que não foi eleito.
· Segundo: é um atentado às regras democráticas. Nas eleições autárquicas os eleitores votam mais em pessoas que em partidos. São eleições altamente personalizadas. Não é aceitável, pois, que se escolha um Presidente e que pouco tempo depois o voto dos eleitores seja completamente desvirtuado. O número dois da lista é eleito vereador. Não é eleito Presidente.
· Tudo isto pode ser legal. Mas tudo isto é imoral. Pena é que no plano do Estado ninguém diga nada e ninguém faça nada.
O ESTADO DA GUERRA
1. A guerra não tem avanços significativos. A síntese das últimas semanas é esta: os russos continuam a dar prioridade à frente Leste, para tomar Donetsk, mas os avanços são muito lentos; e os Ucranianos, já com o novo armamento pesado ocidental, estão a protelar e condicionar o avanço russo, mas não são capazes de lançar uma grande contra-ofensiva para inverter a situação.
2. Vejamos, em maior detalhe. Do lado da Rússia:
· Prioridade russa continua a ser a frente leste (captura de Donetsk)
· Objectivo: tomar Bakhmut e a seguir Slowiansk e Kramatorsk.
· Os avanços são muito lentos (5/10km nas últimas semanas).
· Entretanto, reorientaram tropas para Sul (defender Kherson).
· Preparam campanha para descredibilizar Zelensky.
· E estão a "reforçar" empresas de armamento. Sinal de guerra longa.
3. Do lado ucraniano:
· Ucrânia já está a usar novo armamento ocidental (Himars e M270).
· Sobretudo nos ataques a Kherson (já destruíram 4 pontes).
· Este reforço está a condicionar os russos.
· E a obrigar a reajustamentos das suas tropas.
· Mas não se vislumbra nenhuma grande ofensiva ucraniana.
4. Finalmente, uma decisão estratégica: o novo gasoduto da Ibéria à Europa:
· O mundo mudou com a guerra. A começar na energia.
· Há anos que Portugal quer ligação energética à Europa.
· Só agora o gasoduto vai poder avançar.
· Bom para a Europa: fim da dependência russa.
· Bom para Portugal: Sines a nova "Base das Lajes".
ELEIÇÕES EM ANGOLA E BRASIL
1. Dentro de semana e meia temos eleições em Angola, a 24 de Agosto. Eleições presidenciais e legislativas. São eleições com características muito especiais face a qualquer sufrágio anterior:
· São as eleições mais disputadas de sempre;
· O MPLA está muito desgastado, sobretudo por causa da pobreza e das desigualdades sociais;
· A UNITA ganhou a força que nunca teve, em especial por causa do novo líder que mobiliza fortemente a população jovem.
· O ambiente político e social é altamente crispado.
· Ganhe quem ganhar, o risco é o de revolta popular por parte de quem perder, com a insinuação de manipulação de resultados.
2. Daqui a dois meses temos outras eleições importantes no Brasil. Também estas são eleições atípicas: pelo radicalismo, pela ausência do centro político, pelo que pode suceder na sequência dos resultados eleitorais. Vejamos:
· São as eleições mais polarizadas de sempre.
· Há um polo à esquerda: Lula, favorito nas sondagens.
· Há outro polo à direita: Bolsonaro, em risco de derrota.
· Falta um candidato moderado do centro.
· É quase impossível Lula da Silva não ganhar, seja à 1ª ou à 2ª volta.
· A grande dúvida é se Bolsonaro reconhece a derrota, ou se, ao contrário, vai tentar imitar as tropelias de Trump.