Opinião
Marques Mendes: "Ainda vamos ter confinamento pelo menos até meados de março"
As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre a evolução da pandemia em Portugal, a vacinação e a agitação política no CDS, entre outros temas.
O ESTADO DA PANDEMIA
1. O confinamento que estamos a viver foi decretado há cerca de três semanas e reforçado há cerca de duas, com o encerramento das escolas. Passadas estas semanas, como estamos? Melhor? Pior? Na mesma? Vamos aos factos.
a) Número de infetados – Começámos a reduzir. Atingimos o pico na última semana de Janeiro. Mas precisamos de reduzir ainda mais.
b) Número de internados – Descida muito modesta. Continuamos com valores muito altos. E deverão subir ainda nas próximas duas semanas.
c) Número de internados em UCI – A situação é especialmente grave. Ainda não atingimos sequer o pico.
d) Número de óbitos – Há descidas ligeiras mas ainda não está consolidada uma tendência de descida.
2. Conclusões a tirar:
a) Estamos a melhorar no número de infetados mas ainda muito longe dos valores razoáveis recomendados pelo ECDC – 480 por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias (estamos com o triplo).
b) Estamos ainda a piorar em número internados e doentes em UCI, prevendo-se ainda agravamento da situação.
c) As duas próximas semanas vão ser de enorme pressão sobre o SNS. É preciso não esquecer que 90% dos internados em UCI são doentes Covid e um em cada três dos internados em geral também.
d) Por tudo isto, ainda teremos confinamento durante, pelo menos, mais dois estados de emergência. Pelo menos até meio de Março. Se não for mesmo fim de Março. Não podemos voltar a ter recaídas.
O APOIO ALEMÃO
1. Pode ser um apoio simbólico face à dimensão do nosso problema mas é um exercício de solidariedade da UE, que só pode ser enaltecido e bem-vindo.
2. Não se compreende bem o agradecimento envergonhado da parte de Portugal. Se é para tentar disfarçar o falhanço que tivemos, não faz sentido. Já toda a Europa percebeu a nossa situação. Mas não há que ter vergonha: países mais ricos do que nós já beneficiaram de idênticos gestos de solidariedade.
3. A surpresa da escolha do Hospital da Luz, um hospital privado.
· Podia ter sido um hospital militar. Afinal, a equipa alemã é uma equipa de profissionais militares.
· Podia e talvez devia ter sido um hospital público. Afinal, as maiores dificuldades têm estado nos hospitais públicos.
· Mas a escolha recaiu sobre um hospital privado. É uma surpresa com uma mensagem muito positiva – a cooperação entre sector público e privado.
4. E aqui está a grande mudança de atitude do Governo operada esta semana. Depois de ter andado meses a fio a fazer o discurso do "confronto" entre sector público e sector privado – chegando mesmo ao ponto de falar de requisição – o Governo mudou de discurso. Passou agora a elogiar a cooperação entre público, privado e social. Caso para dizer: nunca é tarde para arrependimento e correcção do tiro.
O PROCESSO DE VACINAÇÃO
1. O Governo diz que corre bem. A percepção pública é que corre mal ou muito mal. Eu diria que é tudo ao mesmo tempo: corre bem, mal e muito mal.
a) O que corre bem? A vacinação no terreno. Se olharmos para a situação da UE, Portugal está a vacinar bem. Estamos na média europeia.
b) O que corre mal? A escassez de vacinas. A UE está a sair-se mal em relação aos EUA e ao Reino Unido. A Presidência da CE está a ser criticada por todos os lados, depois de ter sido altamente elogiada no início. Até no governo alemão o Ministro das Finanças, do SPD, critica fortemente Merkel e Von der Leyen.
2. O que corre muito mal? Tudo o resto:
a) Mudança de liderança: Francisco Ramos saiu com dignidade. Gouveia e Melo foi uma escolha positiva e natural. Oferece desde logo a garantia da não politização do processo. Este processo ganha se estiver despido de ruído político e partidário. Um militar oferece essas garantias.
b) Plano de vacinação. O plano está muito descredibilizado. É essencial revisitá-lo e alterá-lo para o tornar mais simples e transparente; sem ambiguidades nem "buracos". Dois exemplos: gestores hospitalares e dirigentes de IPSS e Misericórdias devem ter prioridade? Uns acham que sim. Outros que não. É preciso regras claras e iguais para todos.
c) A trapalhada da vacinação prioritária dos políticos. É uma trapalhada que só gera ruído. Basta olhar para o péssimo exemplo da AR. Nem na vacinação os partidos se entendem.
d) Abusos na vacinação. Esperemos que a acção da PJ e MP seja mais do que mero show off. Em qualquer caso, é preciso agir a montante: regras simples e discurso firme. Até por uma razão: quando tivermos mais vacinas, o risco do abuso vai ser maior.
VACINAR 70% ATÉ AO VERÃO?
1. O primeiro-ministro disse esta semana que até ao Verão 70% da população pode estar vacinada. Isto é possível? É, desde que verificadas duas condições:
a) A primeira, que não controlamos: o fornecimento de vacinas passar a ser feito a um ritmo mais acentuado. Temos que receber mais vacinas.
b) A segunda, que só depende de nós: vamos ter logística, organização e recursos humanos suficientes para vacinar 50 mil pessoas por dia ou mais lá para Abril, Maio e Junho? Hoje só vacinamos 10 mil por dia.
2. Entretanto há uma questão séria com a vacina de Astrazeneca: uma contradição e um contratempo mas não um drama.
a) Uma contradição: uma boa parte dos países da UE já decidiu não administrá-la a maiores de 65 anos, porque considera não estar garantida a sua eficácia nesse grupo etário. Mas a EMA aprovou a vacina sem reservas e o RU até já a administrou a 90% dos seus idosos.
b) Um contratempo: para Portugal é um contratempo. É a vacina de que temos mais doses. O Infarmed ainda não decidiu o que fazer. Temos que aguardar a decisão.
Mas, atenção: se Portugal decidir em sentido diferente destes Países Europeus vai instalar-se um ruído perigoso e um sentimento de desconfiança e insegurança da parte das pessoas.
c) Mas não há drama: se a decisão for a de não administrar a vacina às pessoas de mais de 65 anos, há sempre alternativa. Administra-se a vacina da Astrazeneca a outros grupos etários e administram-se as vacinas da Pfizer e da Moderna aos mais velhos. Esta é a vantagem de termos várias vacinas disponíveis.
O IMPACTO DA PANDEMIA NO GOVERNO
Esta nova fase da pandemia tem um grande impacto na estratégia do Governo– no plano europeu, económico e político.
1. Plano europeu – O Governo apostou tudo em fazer uma grande presidência da UE. E pode fazê-la. Mas já vai ser uma presidência ensombrada. O facto de sermos o pior país nos dados da pandemia retira brilho à nossa presidência. A liderança também se faz pelo exemplo. Ora o exemplo que estamos a dar é mau e constrangedor.
2. Plano económico – Tivemos em 2020 uma forte recessão. O Governo pensava que 2021 e 2022 seriam anos de forte recuperação e que o nosso PIB voltaria já em 2022 aos valores de 2019. Ora esta ideia está posta em causa. Mesmo que este ano não seja um ano de nova recessão, será sempre um ano de recuperação muito curta. Voltar aos valores do PIB pré-crise só provavelmente em 2023. Se não for mais tarde.
3. Plano político – Também no plano político esta pandemia tem consequências:
· Consequências nas autárquicas. António Costa pensava chegar às autárquicas em alta. Em clara recuperação, com a economia a crescer. Esta atmosfera de vitória já não vai acontecer. Até pode mesmo assim vencer as eleições. Mas o desgaste e a crise vão deixar sequelas sérias.
· Consequências numa próxima remodelação. O primeiro-ministro vai remodelar o Governo, antes ou depois das autárquicas. Muito gente pensa que esse será um ponto de viragem. Mas vai ser difícil. Quem são as figuras de prestígio que aceitam ir para o Governo num tempo de desgaste, de crise e de fim de ciclo? O risco é de haver uma remodelação pífia.
· Consequências no ambiente político de 2023. Mesmo que as eleições nacionais sejam no prazo normal, uma coisa é certa: o Governo vai chegar a 2023 muito desgastado e dividido. A pandemia mudou radicalmente o ciclo político e a estratégia do Governo.
CDS EM CRISE
1. Este é um daqueles momentos em que ganham os dois protagonistas – ganhou o líder do CDS e ganhou o seu desafiador.
a) Francisco Rodrigues dos Santos fez exactamente o que Rui Rio fez há dois anos quando foi desafiado por Luís Montenegro. Disse não ao Congresso; avançou com uma Moção de Confiança; preferiu uma votação em Conselho Nacional. E tal como Rio ganhou, embora por menor percentagem de votos. Internamente ficou relegitimado.
b) Adolfo Mesquita Nunes também ganhou. Primeiro, teve um resultado acima das expectativas; depois, ganhou autoridade: teve a coragem de alertar para a gravidade do momento e de se disponibilizar para a liderança; terceiro, fica em excelentes condições para disputar a liderança no Congresso do CDS daqui a um ano, se o desejar.
2. No entretanto, Francisco Rodrigues do Santos teve o mérito de ganhar uma batalha, mas falta-lhe o essencial: ganhar a guerra, ou seja, ganhar no país.
a) Este Conselho Nacional foi mais do mesmo: muito virado para dentro; muitos ajustes de contas pessoais; poucas mensagens para o país. Passou ao lado da generalidade dos portugueses.
b) O essencial, agora, é ganhar no país. O CDS faz falta à democracia. Mas não tem muito tempo para fugir ao espectro do desaparecimento. Para isso tem que ter causas, agenda e protagonistas credíveis. É o próximo e grande desafio do CDS.