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15 de Novembro de 2020 às 21:38

Marques Mendes: Acordo nos Açores é o "Euromilhões do Chega" e "envenena o PSD"

As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, novo estado de emergência à vista, a chegada da vacina, a crise na economia e um novo acordo PSD/Chega.

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O ESTADO DA PANDEMIA

 

  1. Este fim de semana confinado correu bem. As pessoas foram exemplares. Apesar disso, estamos a atravessar um momento explosivo. O pior da pandemia. E não é apenas pelo brutal aumento do número de infetados, internados e óbitos. É também por outras razões.
Primeiro, por uma razão anímica. As pessoas estão cansadas da pandemia; preocupadas com o seu rendimento e o seu emprego; revoltadas com más decisões, maus exemplos e comportamentos.

Segundo, pela falta de consenso político. Ao contrário da primeira vaga, já não há consenso político no combate à pandemia. Todos os partidos "tiraram o corpinho". O Governo está sozinho. Tudo é mais difícil.

Terceiro, por uma quebra de coesão social. A coesão social está a perder-se. Basta ver as manifestações deste fim de semana. O país está em forte tensão e em grande stress!

Finalmente, por uma razão de liderança. Já não há a liderança que houve na 1ª vaga. O Governo foi quase perfeito em Março e Abril. Agora, falha quase todas as semanas.

 

  1. Apesar deste quadro, temos pela frente três realidades dolorosas: primeiro, o SNS está à beira do limite ou já além do limite; depois, a experiência em todo o mundo mostra que só medidas restritivas resolvem o problema; terceiro, a nossa situação está a piorar e não a melhorar, ao contrário do que já sucede com a Bélgica, a Espanha ou a Alemanha, por exemplo. Vejamos (quadros):
Portugal na EuropaHá 15 dias éramos o 14º pior na UE em novos casos. Estávamos abaixo da média europeia. Duas semanas depois, passámos a ser agora o 10ª pior na UE e já estamos pior que a média europeia.

Número de infetados, internados e óbitos – Estamos há várias semanas com um crescimento exponencial.

As previsões são más. Há previsões oficiais que apontam para 8 mil infetados e 5 mil internados no final deste mês.

A taxa média de ocupação de hospitais (enfermaria e UCI) é já de 84%. E há já pelo menos 6 hospitais – 3 no Norte e 3 em LVT – com taxas de ocupação na ordem dos 100% ou mais.


POR QUE ESTAMOS A FALHAR?

 

  1. Perante este descalabro, pergunta-se: por que é que estamos a falhar?
Os cidadãos e a sociedade têm de ajudarDe um modo geral têm ajudado. Há bons e maus exemplos. Por todo o País. Ainda ontem a Igreja Católica admitiu cancelar as celebrações de Natal. Um bom exemplo. Mas tivemos, dias antes, um mau exemplo: o Pingo Doce, que queria abrir lojas antes da hora normal. É lamentável: não podemos só criticar o Governo. Temos também de ajudar. Num fim de semana em que são pedidos sacrifícios especiais, o dever é cumprir a lei, não é contorná-la.

O Governo tem de ajudar e não tem ajudado. O PM assume que tem cometido erros de comunicação. É verdade. Não lembraria ao diabo, por exemplo, fazer uma conferência de imprensa à meia-noite de um sábado para anunciar um recolher obrigatório. Só se for para irritar as pessoas.

O problema é que as maiores falhas do Governo são outras – o Governo falhou sobretudo no planeamento; na eficácia; na decisão a tempo e horas.

           - Não há uma decisão do Governo que não tenha de ser alterada e corrigida. Há improviso a mais e planeamento a menos.

             - Não há uma decisão do Governo que não venha carregada de excepções. Este é o Governo das excepções. Cada decisão tem mais excepções que regras. Assim não há eficácia. A prova é que estamos há cinco semanas a tomar sempre mais medidas e sempre a piorar.

             - Não há uma decisão do Governo que não seja tardia e insuficiente. O caso exemplar é o dos concelhos mais críticos. Já devia ter havido diferenciação de medidas. Um concelho com mil, dois mil ou três mil infetados/dia tem de ter medidas diferentes de um concelho com 240 novos casos. Mesmo assim, o Governo ainda não fez a diferenciação. Está sempre a adiar.

Finalmente, os erros da DGS. O último é o da vacina contra a gripe. Antes, prometeram-se vacinas para todos. Até se fez uma campanha de vacinação, com PR, PM e DGS. Agora, há falta de vacinas. Assim é difícil confiar.

 

  1. Posto isto, há que dizer: muitas pessoas não gostam do Governo, estão descontentes com o Governo, são adversários do Governo ou querem até o derrube do Governo. Todas têm as suas razões. Mas o tempo que vivemos é especialmente grave. Este tempo não se compadece com clubite e partidarite. É preciso unidade e coesão. A verdade é esta: ou ganhamos todos ou perdemos todos este combate. Podemos ser críticos e exigentes do Governo, mas temos de ser construtivos e colaborantes. E o Governo tem de ser o primeiro a ajudar.

 


NOVO ESTADO DE EMERGÊNCIA À VISTA?

 

  1. Acho que é inevitável. Governo fará a proposta ao PR no dia 19, o Parlamento aprova a 20 e o PR fala ao Pais a 20 ou 23. Porque a situação ainda vai agravar-se nas próximas semanas. Mas estou convencido que o confinamento dos fins de semana não se vai manter. Porquê? Por causa do Congresso do PCP que ocorre no último fim de semana do mês. Para evitar a ideia de que há dois pesos e duas medidas. Mesmo assim, essa percepção de dualidade de critérios vai permanecer. A essa respeito, eu diria: em pandemia, mesmo com estado de emergência, um congresso político não deve ser proibido. Mas o PCP devia ter o bom senso de o adiar. Não o adiando, o PCP dá um mau exemplo e vai pagar um preço por isso.

 

  1. Agora, acho essencial duas coisas:
Primeiro: é fundamental que o mais tardar até ao final deste mês o Governo diga o que vai fazer em relação ao Natal. Não pode ser depois do fim do mês. Vai proibir ou não a circulação entre concelhos? As pessoas precisam de programar o Natal. Além do mais, o Governo teve ontem uma inestimável ajuda do Presidente da Conferência Episcopal da Igreja Católica.

Segundo: é essencial que o Governo faça diferenciações por concelhos. E que tenha a coragem de tomar medidas a sério nos concelhos com mais de mil, dois mil ou três mil novos infetados/100 mil habitantes. Se o Governo não tiver esta coragem, então a situação pode descontrolar-se definitivamente e ser dramática nos hospitais – os médicos a não poderem tratar todos os doentes.

 

A CHEGADA DA VACINA

 

  1. Para não ser tudo mau, para haver esperança, uma excelente notícia: se tudo correr bem, no fim de Janeiro ou em Fevereiro de 2021 podemos começar a ter em Portugal as primeiras vacinas contra a Covid 19. Expliquemos, para não gerar falsas expectativas:
Primeiro: há duas vacinas em fase mais adiantada – a da Pfizer/BioNtech e a da Astrazeneca/Universidade de Oxford;

Segundo: estas duas vacinas podem vir a ser autorizadas pela EMA (Agência Europeia do Medicamento) até ao final deste ano. É que desta vez os testes da fase 3 e o processo de aprovação estão a decorrer ao mesmo tempo;

Terceiro: a produção das novas vacinas já começou. É a chamada produção de risco. Como a vacina é urgente e o processo de aprovação e últimos testes decorreu em paralelo, as empresas, por sua conta e risco, já avançaram com a produção. Assim, a distribuição poderá começar já em Janeiro, diz a EMA;

Quarto: a UE fez compras conjuntas e antecipadas. Comprou para 30 países (27 da UE + Noruega, Islândia e Liechtenstein). As vacinas vão chegar a todos ao mesmo tempo – a Portugal, Alemanha, Itália, França.

Quinto: são compras substanciais. À Pfizer a UE comprou 200 milhões de doses. À Astrazeneca a UE comprou 300 milhões de doses. Como somos 2,3% da população europeia, devemos receber das duas cerca de 11,5 milhões de doses. Para além de outras duas vacinas, em fase não tão adiantada (Johnson & Johnson e Sanofi/GSK).

 

  1. Finalmente, há que ter em atenção as prioridades da vacinaçãoprofissionais de saúde, idosos e grupos de risco. Sendo que, se tudo correr bem, no final de 2021 podemos atingir a imunidade geral da população.

 

EFEITOS DA CRISE NA ECONOMIA

 

  1. Na economia mundial temos uma surpresa: a China. O país onde a pandemia começou é o país que, em termos económicos, melhor se vai sair da situação neste ano de 2020. A previsão é que mesmo neste ano de crise a China tenha um crescimento positivo (1% do PIB) e um crescimento exponencial de 9% em 2021. Ao contrário, UE e EUA terão fortes recessões este ano e uma recuperação lenta no próximo ano. Combater pandemias em democracia é mais dificil.

 

  1. Quanto a Portugal:
O mais provável é que a nossa recuperação seja em formato de W- duas quedas e duas recuperações. Caímos no 1º semestre; recuperámos no 3º trimestre; vamos voltar a cair no final deste ano; iniciaremos a recuperação final em 2021.

Controlada a pandemia e com a chegada da vacina, todos os sectores começarão a recuperar. Há dois, porém, que vão ter uma recuperação mais lenta – o turismo e a aviação. Recuperação plena só talvez em 2022. Uma má notícia para as agências de viagens, para a TAP, para os hotéis.

Há um outro sector – a restauração – que é uma espécie de parente pobre da governação. Os apoios do Governo vão na direcção certa mas são insuficientes. O Governo devia ponderar um apoio fiscal à restauração em sede de OE.

 

  1. Finalmente, o surreal - dois instrumentos essenciais já  desactualizados:
A Bazuca EuropeiaA UE aprovou um apoio extraordinário de 750 mil milhões de euros para a recuperação económica resultante da crise da primeira vaga. Só que com a nova vaga esta bazuca já está desactualizada. O que vai fazer a UE?

Depois, o OE para 2021Vai ser aprovado na próxima semana. Antes disso, já está desactualizado. Vamos ter, provavelmente, menos receita, mais despesa, mais recessão este ano, menos crescimento em 2021, um défice maior. E um ou dois orçamentos rectificativos em 2021. É a originalidade da Covid 19.

NOVO ACORDO PSD/CHEGA?

 

  1. Sobre o acordo da nova geringonça açoriana, há quem diga que o Chega é um perdedor. Penso exactamente ao contrário. Acho que o Chega é o grande vencedor destas semanas. Saiu-lhe o Euromilhões.
No espaço de um ano entra para a AR; entra para a Assembleia Legislativa dos Açores; faz um acordo com o PSD para viabilizar o Governo Regional Açoriano; e tem já a perspectiva de um acordo nacional no futuro. Melhor era impossível. É o Euromilhões da política.

 

  1. Para o PSD – disse-o há uma semana – a solução legítima dos Açores seria um problema sério a nível nacional. Mas o problema agravou-se esta semana. Em vez de dizer que esta solução nos Açores não era repetível a nível nacional (como fez o líder do PP espanhol, Pablo Casado), o PSD, ao contrário, gerou a percepção de que um acordo com o Chega se pode repetir no plano nacional. Ora, a política vive de percepções. E esta percepção é um erro colossal.
Primeiro: é uma Avenida para o Chega crescer. Se os eleitores de direita percepcionam que votar no PSD ou no Chega é mais ou menos o mesmo porque eles a seguir se entendem, o efeito é este: o Chega cresce e o PSD perde voto útil.

Segundo: é o passaporte para o PSD perder votos nos eleitores moderados do Centro. Estes eleitores dificilmente toleram um entendimento com um partido com comportamentos radicais, racistas e xenófobos.

Terceiro: esta é uma grande ajuda para acabar com o CDS e o substituir pelo Chega. Um erro estratégico. Péssimo para a democracia.

Finalmente: como diz Pacheco Pereira, tudo isto envenena a vida política e envenena o PSD. Nas próximas eleições – sejam daqui a um, dois ou três anos – em vez de se discutirem os erros do Governo, o que mais se vai discutir é a probabilidade de um acordo PSD/Chega. O PS e os partidos à sua esquerda agradecem o bónus!!

 

 

 

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