Opinião
Marques Mendes: A credibilidade do Ministério Público vai-se esvaziando
As habituais notas da semana de Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, a imagem de Portugal no exterior e a TAP, entre outros temas.
O ESTADO DA PANDEMIA
- Há um mês estávamos num estado de euforia. Agora parece que entrámos em depressão. Antes, Portugal era "bestial". Agora, parece que somos umas "bestas". Nem 8 nem 80. Nem antes tivemos um milagre nem agora estamos perante um desastre. Há um problema sério, sim. Mas não é razão para dramatizar.
- Chegámos até aqui porque fomos vítimas de três situações: má gestão das expectativas; excesso de confiança por parte do Governo; falhas das autoridades de saúde.
- Primeiro: houve uma má gestão das expectativas. Durante Abril e Maio colocámos as expectativas muito altas. Era a ideia de um milagre português. De que tudo tinha sido excepcional. Ora, a verdade é que não houve milagre nenhum. As coisas correram bem, é verdade. Os serviços de saúde não colapsaram. Perante o pesadelo de Espanha ou da Itália, fomos um bom exemplo. Mas atenção: quando iniciámos o desconfinamento no dia 4 de Maio, o número de novos casos por dia era muito elevado – 242 casos. Um valor acima da generalidade dos países europeus. Fizemos de conta que não percebíamos mas o problema estava lá.
- Segundo: houve um excesso de confiança e de facilitismo da parte do Governo. Deslumbrado com o "milagre", o Governo facilitou muito. Fez de conta que não percebia o problema. Um exemplo: há 15 dias reafirmei aqui, com números claros, que havia um problema sério em LVT. Logo a seguir falou-me um membro do Governo, tentando explicar-me que eu não tinha razão, que era um exagero, que tudo estava sob controlo. Agora é o que se vê. O Governo a correr atrás do prejuízo. Não foi competente para agir a tempo e horas. É uma mancha negra no curriculum do Governo.
- Terceiro: houve falhas das autoridades de saúde. Quer ao nível da DGS, quer ao nível dos responsáveis de LVTejo. Primeiro, as autoridades de saúde nunca conseguiram dar uma explicação convincente para o crescimento de casos em LVT; segundo, nunca chamaram a atenção, com a firmeza que se impunha e com propostas claras, para o problema que se estava a gerar em LVT; terceiro, vimos as autarquias a alertar para o problema, não vimos as autoridades de saúde a fazê-lo. Não sei se foi por falta de meios, por falta de competência ou por falta de visão. A verdade é que falharam.
- Posto isto, é tempo de acabar com o espectáculo deprimente que se está a dar: a culpa é dos políticos, dizem uns; a culpa é dos cientistas, replicam outros. Este não é o caminho. Há culpas de todos. Mas a solução não passa por recriminações. Passa por concertação, diálogo e eficácia. Há que ter a humildade de reconhecer que o tema é difícil, complexo e de grande incerteza.
A IMAGEM DE PORTUGAL NO EXTERIOR
- A grande consequência desta falha é na imagem internacional de Portugal. Já são vários os países que colocam Portugal na lista negra. Amanhã será mais um – o Reino Unido. Isto é mau para o turismo português. Estamos a perder toda a vantagem comparativa que tínhamos adquirida em Março e Abril.
- Claro que muitas destas decisões são injustas ou até absurdas. Mas fomos nós que nos colocámos a jeito. Convém a partir de agora fazer bem o trabalho de casa. O que implica prevenção, coerência e eficácia:
- Primeiro: prevenção. Há meses que se fala de uma APP para telemóveis para ajudar na detecção de contactos com infetados. É um trabalho notável do INESC-TEC. É uma pena que não esteja ainda a ser usada. Era um instrumento importante nesta fase. Gostava de ver o Governo mais empenhado na solução. A verdade é que já há três países europeus que avançaram com estas aplicações – a Alemanha, a Suíça e a Itália.
- Segundo: coerência. Maus exemplos geram maus comportamentos. Toda a gente sabe que as grandes concentrações são um risco. A verdade, porém, é que os sinais contraditórios são mais do que muitos: proíbem-se ajuntamentos com mais de 20 pessoas mas depois há manifestações com centenas ou milhares; proíbem-se os Festivais de Verão e a seguir fecham-se os olhos às celebrações do 1º de Maio, às manifestações anti-racismo, à Festa do Avante.
- Terceiro: eficácia. É preciso aplicar com eficácia as medidas agora decididas para LVT. O que não é fácil. Agora, já não há Estado de Emergência. E é preciso estar vigilante perante outros casos e regiões. Não estamos livres de um segundo problema noutra região do País.
A PANDEMIA, REGIÃO A REGIÃO
- Do ponto de vista geral, a tendência mantém-se inalterada há várias semanas. A média nacional de novos casos é muito alta – 327 novos casos por dia . Sendo que79% dos novos casos são em Lisboa e Vale do Tejo.
Analisemos agora, por região, a evolução ao longo das 4 semanas de Junho.
- Região norte – Tem uma situação globalmente estável. A média diária de novos casos ao longo de Junho é baixa (25 novos casos por dia). Mas atenção: semana a semana os novos casos estão a aumentar.
- Região centro – A situação é bastante estável. E tem uma média de novos casos muito baixa (12 novos casos por dia).
- LVTejo – Tem estado estável ao longo destas 4 semanas de Junho. Mas aqui é uma estabilidade muito perigosa. LVT chegou a um planalto muito elevado (272 novos casos por dia).
- Alentejo – Uma média diária diariamente baixa (8 novos casos por dia). A primeira quinzena de Junho foi magnífica. A segunda quinzena suscita alguma preocupação.
- Algarve – Uma média diária muito baixa (9 novos casos por dia). Uma região que teve um pico na terceira semana – foi o efeito da festa de Lagos. Fora isso, não oferece preocupação. Mas atenção ao mês de Julho e Agosto. Vêm aí as férias e com elas novos riscos.
- Em conclusão: temos de ter uma atenção permanente, Estado e cidadãos. Mas, se surgir um novo caso, não podemos entrar em histeria. Ainda agora surgiu o mesmo numa região pobre da Alemanha. E não é impossível que o mesmo suceda noutros países. São os riscos da pandemia.
NACIONALIZAÇÃO DA TAP?
- Aproxima-se o momento da decisão na TAP. E já não é sem tempo. O mais provável é haver uma decisão já na próxima semana. Não se pode adiar mais. Sem injeção de capital, a TAP não tem dinheiro para pagar salários em Julho. De resto, anteontem, sexta-feira, houve uma reunião decisiva ao mais alto nível dentro do Governo – PM, MF, Ministro das Infraestruturas e Secretário de Estado do Tesouro.
- Aqui chegados, podemos dizer com segurança: ou há um acordo ou há nacionalização da TAP. Não há terceira via. Expliquemos: se houver um acordo entre o Governo e os accionistas privados da TAP, nem que seja na 25ª hora, fica tudo resolvido. E o acordo até pode ter várias modalidades. Se não houver um acordo, o cenário da nacionalização é inevitável. Porque todos os outros cenários são inviáveis.
- Primeiro cenário: o Governo recua nas suas exigências. É impossível. O Governo perderia a face.
- Segundo cenário: o Estado deixa a TAP ir à falência. Outro cenário impossível. O Estado é accionista, não é um accionista qualquer (tem 50% do capital) e a empresa é estratégica para o país.
- Resta o terceiro cenário: não há um acordo, em qualquer das modalidades possíveis. Nessa altura, o Estado não tem alternativa que não seja nacionalizar temporariamente a TAP.
- Posto isto, arriscaria o seguinte: acredito que possa haver um acordo e que esse acordo passe por uma alteração accionista da TAP. Afinal, a alternativa da nacionalização, não sendo brilhante para o Estado, é desastrosa para os privados. Mas se não houver acordo haverá nacionalização.
O FIM DO PROCESSO DOS VISTOS GOLD
- Com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, terminou esta semana o processo judicial dos Vistos Gold. A primeira grande constatação é esta: quando foi da investigação, da acusação e do julgamento, este caso teve grande destaque nos media. Agora que houve decisão final e que os arguidos mais mediáticos foram absolvidos – um ex-Ministro e um ex-Presidente de uma Polícia – não vi que o caso fosse notícia de primeira página em qualquer jornal nacional. Esta desproporção de atitude não é correcta nem justa. Em particular para quem, absolvido no Tribunal, foi antes condenado na praça pública.
- Estamos perante uma derrota pesada do MP. Convinha tirar algumas ilações:
- Primeiro: convinha que o MP percebesse que não chega construir uma narrativa e fazê-la aparecer nos jornais. Para vencer em tribunal, é preciso provas. E sem provas a credibilidade do MP vai-se esvaziando.
- Segundo: era importante que o poder político, em vez de se preocupar em controlar politicamente o MP, se preocupasse em exigir do MP e da PGR eficácia e resultados. Gosto de ver o PR, PM e MJ a garantir independência do MP. Gostava também de os ver a exigir resultados.
- Terceiro: é preciso haver mão pesada para quem comete crimes. Mas é preciso que haja também respeito pelos outros. No caso concreto, houve um ex-Ministro que foi absolvido mas antes ficou com a carreira política liquidada; e houve um antigo Director de uma Polícia que foi igualmente absolvido, mas antes até chegou a estar em prisão domiciliária.
- Caso Tancos: Azeredo Lopes e vários outros arguidos vão a julgamento. Repito o que disse antes: espera-se que o MP tenha provas e não apenas opiniões. Em tribunal o que conta são as provas e não as opiniões.
CENTENO NO BP
- O PM confirmou esta semana que Mário Centeno vai mesmo ser Governador do Banco de Portugal. É a notícia mais previsível e menos surpreendente dos últimos seis meses.
Durante meio ano, Mário Centeno andou a fazer publicidade enganosa. Quando lhe perguntavam pelo seu destino futuro, dizia invariavelmente: que estava focado na governação, que estava focado no orçamento, que estava focado na crise e na recuperação do país. Como se viu, era tudo mentira. Ele só estava focado no BP.
- Confirmou-se também esta semana que a AR, afinal, não vai fazer lei para impedir a sua nomeação. É uma boa decisão para a democracia. Como aqui referi, fazer leis ab hominem é uma aberração democrática. Aprovar uma nova lei de incompatibilidades, é um bom princípio. Aprovar uma lei com fotografia é um mau exemplo.
- Finalmente, é pena que nenhum partido tenha a coragem de rever o regime de nomeação do Governador do BP. Quem nomeia é o Governo. Do meu ponto de vista – defendo-o há anos – devia ser o PR a nomeá-lo, sob proposta do Governo, após audição do Parlamento. Esta solução garantia mais independência ao cargo de Governador do BP.
Em termos de exigência de independência, o cargo de Governador do BP é semelhante ao cargo de PGR. E quem nomeia o PGR é o PR, sob proposta do Governo. Mesmo que seja necessário rever cirurgicamente a Constituição, esta seria uma mudança na boa direcção.