Opinião
Governo não vai ter coragem de demitir CEO da TAP
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a polémica na TAP, bem como sobre os abusos sexuais na Igreja e do eventual regresso de Passos Coelho à política ativa.
INFLAÇÃO, DESEMPREGO E HABITAÇÃO
1. A crise social é cada vez maior. Aos dramas da inflação e da habitação, é preciso juntar agora também o aumento do desemprego. Assim:
· Segundo o INE, a inflação total baixou pelo quarto mês consecutivo, para 8,2%. E a inflação na energia baixou para 1,96%.
· A inflação nos alimentos, essa, está nos 20,1%, mais do dobro da inflação global. Bastante mais alta até do que em Espanha (15,5%).
· Ainda bem que o governo mandou investigar o que se passa na alimentação. Já não era sem tempo. Tudo isto é muito estranho. Alguém se está a aproveitar para enriquecer de forma ilegítima.
2. Depois, o crédito à habitação. A chaga social continua. Com a subida da Euribor, o aumento da prestação de março de 2023 em relação a setembro de 2022(num empréstimo de 150 mil euros com Euribor a 6 meses) foi de 34,2%. Só em 6 meses.
3. Finalmente, o dado de que menos se fala, mas que começa a preocupar: o aumento do desemprego. Segundo o INE: a nossa taxa de desemprego subiu em janeiro pelo 3º mês consecutivo (7,1%), está bem acima da média da UE (6,1%) e é já a 5ª maior entre os 27 países da União.
4. Com tudo isto, há três desafios essenciais que se colocam ao governo:
a) O desafio social: é urgente um programa social de apoio às famílias mais carenciadas, para apoiar no cabaz alimentar. Já estamos em março.
b) O desafio económico: é preciso acelerar o investimento, designadamente os fundos do PRR, para contribuir também para a redução do desemprego.
c) Desafio político: é bom que o Governo entenda que não chega a redução do défice e da dívida. É importante continuar essa redução. Mas, atenção: com esta alta inflação, os portugueses não comem défice nem dívida. A prioridade tem de ser apoiar os mais pobres e a classe média.
O ESTADO CRÍTICO DA SAÚDE
1. Voltou o drama no SNS. Centrado desta vez no Hospital de Loures: demissões de diretores e encerramento noturno da urgência pediátrica. Até o presidente da Câmara Municipal, socialista, veio pedir ao Governo que pondere voltar ao modelo de PPP. Perante isto, uma pergunta se impõe e um contraste se constata.
· A pergunta é sobre o "crime" que foi o fim das PPP na Saúde. O Hospital de Loures funcionava bem. Agora, passou a ser um problema. Os hospitais de Braga e Vila Franca de Xira funcionavam bem. Agora têm problemas. Então por que é que acabaram com as PPP? Mudar para pior não tem desculpa A realidade acaba sempre por impor-se á ideologia.
· O contraste é entre o primeiro-ministro e o presidente da CM de Loures. Ambos são socialistas. O primeiro-ministro, por preconceito ideológico, acabou com a PPP de Loures. O autarca, esse, não tem problema de pedir o seu regresso. O que lhe interessa é servir as populações.
2. Esta semana conhecemos, pelo JN, um estudo académico, da autoria de dois prestigiados investigadores, Pita Barros e Eduardo Costa, que responde a este autêntico enigma: se o SNS tem todos os anos mais profissionais, por que é que funciona pior? A resposta, analisando o período 2015- 2018, é brutal.
· A explicação está na redução das 40 para as 35 horas nos hospitais. Apesar de ter havido novas contratações de pessoal no SNS, a redução do horário de trabalho anulou o efeito das novas contratações.
· Em 2015, com o regime das 40 horas, houve 74 milhões de horas trabalhadas. Em 2018, apesar de haver mais profissionais no SNS (mais 8.400), houve apenas 73 milhões de horas trabalhadas. Por causa da redução do horário de trabalho para as 35 horas.
· Esta questão merece um debate. É importante ouvir o Ministério da Saúde. Ou há uma explicação cabal ou fica a ideia de que se contrataram mais profissionais para tapar um buraco. Não para reforçar o SNS.
AS POLÉMICAS DA TAP
1. Na próxima semana a IGF vai apresentar a seu relatório sobre o "caso" Alexandra Reis. E vai concluir pela "ilegalidade" da indemnização atribuída. As dúvidas a desfazer são duas:
a) Primeira: a devolução da indemnização. Alexandra Reis vai aceitar devolver voluntariamente o que recebeu? É uma dúvida pertinente. Se o não fizer, o Estado vai ter de recorrer aos tribunais. É que a IGF não é um tribunal.
b) Segunda, alguém vai ser demitido? Se a IGF conclui que a decisão de indemnizar é ilegal e grave, a consequência lógica deve ser a demissão das duas pessoas que assinaram essa decisão: o chairman e a CEO da TAP. Em coerência não há outra saída. São ambos responsáveis.
· Mas não acredito que o Governo demita a CEO da TAP. Não tem coragem. Talvez o chairman. É o elo mais fraco. O Governo precisa da CEO para conduzir o processo de privatização da Companhia. Os princípios cedem perante os interesses.
2. Entretanto, o Governo vai decidir até ao fim de março o modelo de privatização da TAP. A grande questão que se coloca é esta: será uma privatização total ou parcial? Ao que apurei, o cenário mais provável é o de, numa primeira fase, privatizar a maioria do capital (60% a 70%), estabelecendo-se ao mesmo tempo a possibilidade de, mais tarde, alienar a parte restante. Em qualquer caso, uma coisa é certa: vai começar o processo de reversão das reversões. Entretanto, pagou-se um preço muito alto por tamanha aventura e ligeireza.
3. Finalmente, a polémica da privatização de 2015, no tempo de Passos Coelho e do negócio de aviões feito pelo Sr. Neelman, alegadamente em prejuízo da TAP. A revista Visão fez, a esse respeito, uma investigação muito impressiva. Não sei se este negócio foi ilegal, lesivo para a TAP ou se o Governo de Passos Coelho tem qualquer responsabilidade. O que sei é que, instalada a suspeita, é preciso investigar tudo. Doa a quem doer.
ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA
1. Começo por subscrever o que disse, em editorial do Público, Andreia Sanches: a Igreja teve esta semana uma oportunidade perdida. E acrescento: a Igreja deu um passo atrás. Um tiro no pé. A expectativa era grande e a desilusão foi bem maior. A Igreja tinha reagido bem, inicialmente, ao relatório da Comissão Independente. Anteontem, ao contrário, cometeu três erros enormes:
· Primeiro erro, o erro da ambiguidade. Num momento em que eram precisos atos e decisões concretas, a Igreja só teve palavras: vagas, ambíguas e inconsequentes. Afinal, não aprendeu nada.
· Segundo erro, o erro da insensibilidade. Ao negar a ideia de indemnizar as vítimas, a Igreja foi injusta, insensível e parcial. Os padres são membros da Igreja e fizeram o que fizeram com a cobertura da Igreja, por acção ou omissão. Ou por encobrimento ou por falta de prevenção.
· Terceiro erro, o erro da falta de coragem. Já se percebeu que a Igreja é incapaz de agir em relação aos padres abusadores que estão no ativo. Já se intuiu que, na prática, vai ficar tudo na mesma. E não devia ficar. A doutrina devia ser esta: um padre sob suspeita deve ser imediata e preventivamente suspenso de funções. E aguardar assim o seu julgamento civil ou canónico. Não fazer uma suspensão imediata e preventiva em situações desta gravidade é voltar a beneficiar o infrator e agredir novamente as vítimas indefesas. É muito injusto.
2. Este desastre só é possível porque a Igreja está internamente dividida. Há Bispos muito conservadores. E há outros mais abertos e sensíveis. Por exemplo, em Lisboa, o Patriarcado vai apoiar as vítimas através da APAV, com quem vai celebrar um protocolo de cooperação. Em qualquer caso, no seu conjunto, a Conferência Episcopal prestou um mau serviço à Igreja, aos seus fiéis e à sociedade. Não há normalmente uma segunda oportunidade para criar uma boa impressão. É uma desilusão.
PASSOS COELHO DE REGRESSO?
1. As especulações em torno do regresso de Passos Coelho são regulares. Primeiro, falou-se que podia ser candidato presidencial. Nos últimos tempos, diz-se que, afinal, o que Passos Coelho deseja é voltar a ser primeiro-ministro. Esta semana, a especulação reforçou-se e o foco centrou-se no objetivo de S. Bento.
· Do ponto de vista pessoal é uma opção legitima e compreensível. No fundo, Passos Coelho considera que tem um trabalho inacabado. Em 2015, ganhou eleições, mas foi afastado de primeiro-ministro.
· Do ponto de vista político há um problema. É que o lugar de candidato a primeiro-ministro não está vago. Está ocupado por Luís Montenegro. Que ainda por cima foi eleito há poucos meses. Está legitimado.
2. Isto significa que só em meados de 2024 vamos ter uma clarificação. E essa clarificação vai depender muito do resultado das eleições europeias.
· Se o PSD ganhar as eleições, Montenegro sai reforçado, será o candidato a primeiro-ministro e pode muito bem ser primeiro-ministro em 2026. Até porque nessa altura já não haverá candidatura de Costa e o PS está em fim de ciclo.
· Se o PSD perder as europeias, então é muito provável que Montenegro seja forçado a sair da liderança e aí Passos Coelho pode voltar para ser líder e candidato a primeiro-ministro.
3. Até lá, a especulação vai manter-se. É natural. No PSD começa a cheirar a poder. No entretanto, o PS e o Governo vão tentar beneficiar com este ruído. Mas também se pode dar o caso de esta polémica beneficiar Luís Montenegro, tornando-o mais determinado e mais afirmativo. Não seria a primeira vez que um líder acossado e dado como perdido sairia reforçado. Foi assim com Guterres, no PS, e Durão Barroso, no PSD.
MARTA TEMIDO CANDIDATA
1. Marta Temido, em entrevista à SIC, abriu o desafio autárquico. Confirmou implicitamente o que já se previa há meses. Vai ser a candidata do PS à Câmara Municipal de Lisboa. Esta é a entrevista própria de quem está de regresso à política. Não de quem saiu da política.
2. Em termos autárquicos, o PS vai apostar muito em pessoas ligadas à Saúde. Também no Porto, o candidato do PS à Câmara vai ser Manuel Pizarro, o atual Ministro da Saúde. É o mais provável.
Claro que há outros candidatos a candidatos: José Luís Carneiro, Matos Fernandes, Eduardo Vítor Rodrigues. Mas a escolha vai recair em Manuel Pizarro. Ele, de resto, está quase todos os dias nas televisões. Isso tem a ver com a Saúde, mas não apenas com a Saúde. Chama-se gestão de imagem e também tem a ver com as próximas eleições autárquicas.
3. No PSD, a situação é diferente. Em Lisboa, o candidato é, obviamente, Carlos Moedas, que tem a vantagem de ser poder. No Porto, o processo está mais atrasado. Os dois nomes de que mais se fala são Paulo Rangel e Pedro Duarte. Mas é bastante provável que surjam outros.
Até por uma razão suplementar: no Porto, apesar de cessar funções, Rui Moreira, até pelas relações especiais que tem com Luís Montenegro, vai ter uma grande influência na escolha do candidato do PSD ao Município. E bem pode ser um nome de que até agora não se falou.