Opinião
Divergência entre Governo e PS nos impostos é "ultrapassável."
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala das posições de Governo e PS face aos impostos, da desistência de Biden nas eleições dos EUA e do TGV, entre outros temas.
BIDEN E TRUMP
- A desistência de Biden não surpreende. Depois de tudo o que sucedeu nos últimos dias não tinha escapatória: tinha contra ele a maioria do partido; as principais figuras, entre as quais Obama; a imprensa afeta aos Democratas; e os financiadores da campanha. É capaz de ser a melhor solução possível. Mas não quer dizer que possa ser uma solução "milagrosa" para levar os Democratas à vitória. É condição necessária, sem dúvida. Falta saber se é condição suficiente.
- Primeiro, porque há pouco tempo até à eleição. Depois, porque não se sabe se em tão pouco tempo haverá hipótese de lançar um candidato ganhador. Kamala Harris, a vice-presidente, também tem os seus anticorpos. Várias outras figuras faladas têm também falta de tempo para se afirmarem. Só Michelle Obama será incontestável, mas não parece que possa avançar.
- A única grande vantagem que os Democratas têm com esta decisão é a vantagem do efeito surpresa. De repente, as atenções que estavam todas concentradas em Trump vão passar a estar viradas para a candidatura democrata. E o efeito surpresa, em política, tem normalmente muita força. O próprio discurso anti-Biden, que os Republicanos têm ensaiado fica desatualizado. Passou a ficar tudo em aberto.
- Do lado dos Republicanos, há motivação e oportunismo.
- Motivação, porque tudo lhes corre bem: a fragilidade de Biden, as divisões nos Democratas e o atentado falhado a Trump.
- Oportunismo, porque Trump parece agora transformado, à última da hora, no Chefe da União Nacional, o reconciliador-mor dos EUA. É o maior exercício de oportunismo de que há memória.
- Tudo isto é tática eleitoral. Até pode ser que resulte. Mas nada disto é genuíno. Trump é hoje o mesmo de sempre: o que incentivou o ataque ao Capitólio; o que dividiu a América ao meio; o que atacou os cientistas na pandemia; o que afrontou até o seu vice-presidente Mike Pence.
- Uma coisa é certa: a vitória de Trump será uma calamidade para a Ucrânia e para a UE. A Ucrânia ficará mais à mercê da Rússia. A Europa vai ficar entre a ameaça russa e o abandono americano.
AUMENTO DA CRIMINALIDADE EM LISBOA E PORTO
- Há um problema sério nas áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto: o aumento da criminalidade e do sentimento de insegurança. É um problema que não está ainda na agenda política e governativa, mas que preocupa seriamente as pessoas e os autarcas. É necessário e urgente um plano de intervenção e combate a este problema.
- A questão já estava identificada no Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2023, mas foi-lhe dada pouca atenção:
- Os crimes violentos aumentaram em 2022 e 2023. No ano passado a criminalidade grupal aumentou cerca de 15%. A delinquência juvenil agravou-se em quase 9%. As apreensões de droga aumentaram 13,6%.
- O problema mais sério é, porém, na Grande Lisboa e no Grande Porto. Aí estão mais de metade dos crimes violentos do país, designadamente: criminalidade de grupo; criminalidade associada ao tráfico e consumo de droga; e criminalidade violenta em zonas de diversão noturna.
- Com duas circunstâncias agravantes: primeiro, a realidade é provavelmente bem superior à que os números retratam, porque muitas pessoas já nem sequer fazem queixa às autoridades; segundo, há uma séria escassez de polícias na rua.
- O MAI precisa de um plano de intervenção que garanta, pelo menos:
- Mais policiamento nas ruas, única forma de dissuadir o crime e de repor o sentimento de segurança.
- Maior recurso à videovigilância. Um instrumento essencial.
- Maior atenção a situações específicas: praias e zonas de diversão noturna.
- Maior cooperação com as autarquias locais na resolução de um problema que não é de xenofobia. É um problema de criminalidade e toda a criminalidade tem de ser combatida.
NEGOCIAÇÕES DO ORÇAMENTO
- O debate do Estado da Nação não teve história. Foi um debate requentado. O que teve interesse foi perceber o estado da negociação do Orçamento. Houve muito "teatro" político. E deste "teatro" há três conclusões a tirar:
- A primeira é que a política mudou muito em pouco tempo. Há meses, a grande dúvida era saber se o OE seria aprovado ou chumbado. Agora, não há dúvida: o OE vai ser viabilizado. Só falta saber quem é que o vai viabilizar: o PS ou o Chega. Tudo mudou porque as sondagens mostram que os portugueses querem estabilidade e rejeitam crises. Logo, nenhum partido quer aparecer aos olhos do povo como fator de instabilidade.
- A segunda é que o PS teve a mudança mais radical. Há poucos meses o seu líder dizia que era quase impossível viabilizar o Orçamento. Esta semana já passou mesmo a ter um mandato para negociar. O que mostra que Pedro Nuno Santos é um político pragmático: não quer desagradar aos seus autarcas; não quer correr o risco de eleições antecipadas; e percebe que neste momento é mais popular viabilizar o OE do que rejeitá-lo.
- A terceira é que ter popularidade ajuda muito. Se o Governo estivesse em má forma, viabilizar o OE seria um drama. Como o Governo está a ser bem visto e o primeiro-ministro é o político mais popular do País, ninguém quer "esticar a corda" e ser o mau da fita.
- No quadro desta negociação, há um partido que não conta para a viabilização do OE, mas ao qual o Governo deve dar atenção: a IL. É que, mais ano, menos ano, se Luís Montenegro e a AD quiserem dispor de uma maioria absoluta, vão precisar da IL. Não para substituir o CDS, mas para acrescentar. E estas estratégias preparam-se com antecedência.
COMO FAZER ACORDO NOS IMPOSTOS?
- Vista a dimensão política das negociações, é preciso antecipar o seu conteúdo. Toda a gente diz que há uma divergência insanável entre o PS e o Governo no domínio dos impostos. Não me parece. Há uma divergência, sim, mas uma divergência ultrapassável.
- Vejamos o caso do IRC. O Governo não pode prescindir da redução do IRC. É uma medida estrutural. Mas é possível aproximar posições com o PS. Tendo uma modelação da redução do IRC.
- Não pode haver um IRC por setores de atividade. Isso a CE não autoriza. Mas pode haver uma redução do IRC em função do tipo de investimento. Privilegiando, por exemplo, as empresas que mais investem em inovação, digitalização ou sustentabilidade.
- Desta forma, o Governo já se aproxima do PS. E esta aproximação tem outra vantagem: pode garantir a estabilidade desta reforma fiscal, o que é bom para atrair novos investidores.
- O mesmo se diga no IRS Jovem. A medida tem de existir: é preciso diminuir a emigração dos jovens de talento. Mas a medida pode ser calibrada: calibrada nos montantes, calibrada em termos de progressividade, calibrada até no modo de aplicação, por forma a que, ao chegar ao fim, se possa evitar uma mudança brusca. Uma convergência de posições pode ter também a vantagem de se evitar um recurso ao TC. É que não é líquida a constitucionalidade da medida.
- Importante, também, vai ser a decisão de retomar o regime fiscal dos residentes não habituais (RNH): um IRS mais favorável (20%) para atrair estrangeiros qualificados ou até portugueses que hoje vivem lá fora. Não pensionistas, mas quadros muito qualificados. Não é matéria do OE. Mas é decisão que o Governo deverá tomar dentro em breve.
TGV EM MARCHA
- Há anos que se fala de construir o TGV. No tempo de Sócrates, a obra esteve para avançar. Mas tudo voltou atrás. Desta vez, parece ser a sério. Esta semana foi o momento de viragem: primeiro, confirmou-se em concurso que há um interessado para construir o 1º troço do TGV (o mais difícil); segundo, o governo decidiu abrir o concurso do 2º troço; terceiro, a CE já aprovou o primeiro financiamento a Portugal para o TGV e novo pedido de financiamento será feito em setembro.
- Este investimento é absolutamente estratégico para Portugal. Vejamos:
- Em 2030 estará construído o primeiro troço, que inclui uma nova ponte sobre o Douro. Em 2031, estará concluído o 2º troço, o que vai permitir a circulação de 19 comboios por dia, em cada sentido, em alta velocidade. E em 2032 estará concluído todo o projeto.
- Com o TGV a funcionar em pleno, a partir de 2032, haverá 60 comboios por dia, entre Lisboa e Porto, em ambos os sentidos, em alta velocidade. A viagem Porto-Lisboa em TGV durará 1 hora e 19 minutos (atualmente a viagem em Alfa Pendular leva cerca de 3 horas). O custo do bilhete na mesma viagem Lisboa-Porto custará 25€ ou 26€ (bem mais barato que o custo atual no Alfa).
- A tudo isto acresce que o atual Alfa Pendular vai poder circular em melhores condições, em virtude de poder utilizar também as novas linhas, mais eficientes.
- Em suma: haverá uma melhoria enorme de serviço para as pessoas. E outra grande melhoria para a circulação de mercadorias. A sociedade ganha em qualidade. A economia ganha em competitividade.
OS CARGOS EUROPEUS
- Desta vez, a UE esteve bem melhor que os EUA. Decidiu os cargos europeus com rapidez, com coerência e de forma inequívoca. Muitos achavam que havia demasiado otimismo em torno do vaticínio da eleição de António Costa para o Conselho Europeu e de Ursula von der Leyen para a Comissão Europeia. Como se constata, havia realismo.
- Os líderes europeus e os deputados ao PE perceberam que não é tempo de aventuras: o tempo que aí vem, se a vitória de Trump se confirmar, é um tempo mau para a UE. A Europa vai ter de abrir mais os cordões à bolsa em investimento militar. Estará cada vez mais entregue a si própria.
- Ursula von der Leyen avançou com duas novas promessas: um Comissário para a Habitação, outro para as Migrações. Faz sentido. Mas o problema central da Europa é económico. A Europa está todos os anos a perder na comparação com os EUA: perde no crescimento da economia, perde na competitividade, perde na atração de investimento, perde na retenção dos seus talentos.
- Um exemplo concreto: só nos últimos cinco anos, de 2019 a 2023, o PIB europeu cresceu menos 5 pp que o PIB dos EUA. E nos anos anteriores a tendência foi a mesma. Este é o desafio essencial da UE: inverter o declínio em que está mergulhada.