Opinião
"Derrota do PS em Lisboa pode abrir crise política nacional"
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre o desconfinamento, a vacinação, o novo aeroporto e o confronto entre Medina e Moedas para a Câmara de Lisboa, entre outros temas.
O PROCESSO DE VACINAÇÃO
1. Primeiro, as más notícias. Em matéria de vacinação, a UE parece um queijo suíço. São só buracos. Fora as compras conjuntas, tudo é um completo falhanço.
· A UE continua muito atrás de Israel, EUA e Reino Unido na vacinação;
· A EMA é muito mais lenta que o regulador americano e britânico na aprovação das vacinas;
· A escassez de vacinas na UE tem a ver com contratos mal negociados – contratos com números e datas indicativos de fornecimento e não cláusulas vinculativas;
· Para que o caos seja completo, cada um agora está para seu lado – a Hungria, Polónia e República Checa compram a vacina russa; a Áustria e a Dinamarca fazem uma parceria com Israel.
2. Segundo, as boas notícias. Tirando a escassez de vacinas, a vacinação em Portugal continua a correr bem:
· No ranking europeu, estamos a vacinar acima da média europeia;
· Os três grupos prioritários – maiores de 80 anos, lares e cuidados continuados e profissionais de saúde – são os três grupos mais vacinados, como era previsível;
· Por regiões, também o processo de vacinação está equilibrado. A novidade é a ilha do Corvo que será o primeiro território da UE a ficar totalmente vacinado na próxima semana.
3. Terceiro, algumas surpresas, novidades e interrogações:
a) Surpresa desagradável – Em todo o país os idosos com mais de 80 anos têm prioridade. E são chamados por ordem decrescente da idade. Em Lisboa e Vale do Tejo não estava a suceder isso. O processo estava a ser aleatório. Inaceitável.
b) Surpresa agradável – A vacina da Johnson & Johnson já vai ser aprovada no dia 11 de Março. É a quarta vacina que vamos ter. Duas vantagens: só exige uma toma e temos 4,5 milhões de vacinas compradas.
c) Mudança positiva da UE – A UE mudou de posição quanto à vacina russa. Se a EMA a aprovar, a UE vai comprar a vacina russa para a distribuir pelos Estados Membros.
d) Duas decisões positivas a nível nacional: está prestes a ser decidido que a vacina da Astrazeneca se aplique a maiores de 65 anos; no entretanto, esta vacina vai começar a ser administrada aos professores (que passarão a ser grupo prioritário) uma vez que a esmagadora maioria tem menos de 65 anos.
QUANDO VAMOS DESCONFINAR?
1. O Presidente da República definiu os objectivos a alcançar para podermos começar a desconfinar. Três desses objectivos estão práticamente atingidos. O último está próximo.
a) Número de infetados – O objectivo era um número diário de infetados abaixo de 2000. Estamos com 790 casos. Objectivo superado.
b) Número de internados – O objectivo era ter 1500 internados. Estamos neste momento com uma média diária semanal de 1730. Objectivo quase atingido.
c) Média europeia de casos – O objectivo era estar abaixo da média europeia. Segundo o ECDC a média europeia é de 312 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias. Portugal está com 174 casos. Objectivo alcançado.
d) Doentes em UCI – Único objectivo não atingido. O objectivo era o valor de 200 e a média diária semanal está no dobro, mas com tendência decrescente.
Estamos em condições de começar a desconfinar, de forma suave, gradual e faseada. Se o Governo o não fizer, os cidadãos desconfinam sem autorização.
2. O que vai então acontecer? Tudo vai ser diferente do desconfinamento do 2020. Vamos por partes. Amanhã na reunião do Infarmed, em resposta a um pedido anterior do primeiro-ministro, vão ser apresentados dois planos científicos:
a) O primeiro plano é um plano de confinamento. É um trabalho da autoria, entre outros, de Carmo Gomes e Baltazar Nunes, e que aponta os números que são sinais de alerta para obrigar a um confinamento. É um plano para ter orientações para o futuro.
b) O segundo plano é um plano para desconfinar. É um trabalho da autoria de Óscar Felgueiras e Raquel Duarte e que aponta, do ponto de vista científico e sanitário, quando é que se pode desconfinar.
· É, na prática, um guia para desconfinar. Define regras, critérios e limites. Prevê 5 níveis de confinamento. Aplica-se aos próximos 6 meses;
· Explica cientificamente quais as actividades mais "perigosas" em termos de contágio (chega a dar o exemplo, cientificamente falando, de que pode haver comércio aberto e restaurantes fechados e não haver grandes problemas de contágio).
· Dá o sinal de que é possível desconfinar já, de forma suave.
3. O que é que o Governo deverá decidir a seguir?
· Provável – Abertura de creches, pré-escolar e 1º ciclo a 15 de Março.
· Em reflexão – Abertura de barbeiros, cabeleireiros e comércio de bairro;
· Depois da Páscoa – Restaurantes e outros graus de ensino;
· Páscoa – Proibição de circulação entre concelhos;
· Haverá um calendário indicativo de reaberturas para o futuro;
· Decisões de alterações só de 15 em 15 dias.
O NOVO AEROPORTO
1. O caso do novo aeroporto de Lisboa é daqueles casos que exibe um dos nossos piores defeitos – a falta de visão estratégica e a incapacidade de decidir. Vejamos:
a) Primeiro: volta tudo à estaca zero. A solução do Montijo estava decidida e contratualizada. Decidida por dois governos – o Governo de Passos Coelho e o Governo de António Costa. De repente, fica tudo sem efeito. Vai ser feita uma nova avaliação estratégica.
b) Segundo: dois anos perdidos – 2020 e 2021. Dois anos sem "boom" turístico que eram capitais para começar a construir o novo aeroporto de modo a que ele estivesse bem avançado quando voltarmos a ter o turismo em alta.
c) Terceiro: para tudo acabar, quase seguramente, na solução Montijo + Portela. A solução Alcochete tem problemas ainda mais sérios:
· Do ponto de vista financeiro, é uma solução muito mais cara que o Montijo (5 ou 6 vezes mais cara);
· Do ponto de vista do calendário, é muito mais demorada que o Montijo. Leva 7 a 10 anos. Só retirar o campo de tiro leva 3 anos;
· Do ponto de vista ambiental, também está cheia de problemas.
2. A única boa notícia é esta: finalmente, há acordo entre PS e PSD para mudar a lei que impede uma autarquia de bloquear uma obra nacional, neste caso a localização de um aeroporto. No entretanto, haverá uma avaliação estratégica, provavelmente feita por uma empresa privada internacional, cujo trabalho deverá decorrer até ao final deste ano.
A POSSE DE MARCELO
1. Quando Marcelo Rebelo de Sousa anunciou a recandidatura, escrevi um artigo intitulado BOA SORTE, PRESIDENTE. E porquê? Porque o segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa ainda será mais difícil que o primeiro. Será tudo mais imprevisível.
· São imprevisíveis as consequências das próximas autárquicas. Se o PS perder Lisboa pode haver uma crise política.
· É imprevisível o efeito da saída de António Costa da liderança do PS e do Governo em 2023. Imprevisível à esquerda e à direita.
· É imprevisível que governo vai sair das próximas eleições legislativas. Vai sair um governo forte ou vamos ter um ciclo de ingovernabilidade à esquerda e à direita?
· É imprevisível como é que vai ser a recuperação económica e social do país. Vamos recuperar rapidamente? Vamos ter uma crise social profunda? Com a Bazuca vamos ter mais do mesmo ou vamos finalmente inverter o declínio que há 20 anos temos na UE?
2. Com todas estas incertezas, o PR vai ter necessariamente um segundo mandato mais interventivo e mais complexo. Podem ser vários mandatos dentro do mesmo mandato. Com duas ambições claras:
a) Primeiro: Marcelo Rebelo de Sousa vai querer ser um Presidente diferente dos anteriores – um PR que favorece a estabilidade e não alimenta conflitos institucionais; um PR interventivo sem nunca ser líder de oposição; um PR com a autoridade e popularidade em alta até 2025 para ter capacidade para intervir.
b) Segundo: Marcelo Rebelo de Sousa vai querer ser protagonista sobretudo em duas áreas: na saúde e na economia. Para mostrar que as duas grandes pandemias do seu mandato – a pandemia sanitária e a pandemia económica – não foram só uma fatalidade. Foram também uma oportunidade para mudar de vida.
O CONFRONTO MOEDAS/MEDINA
1. Em 15 dias, com a candidatura de Carlos Moedas, muita coisa mudou na política nacional. Mais do que se imagina. Vamos por partes:
a) Primeiro, vai ser um confronto interessante: são dois políticos decentes, tranquilos e civilizados; são dois políticos com ideias estruturadas; são dois políticos ambiciosos – ambos querem no futuro líderes do PS e do PSD.
b) Segundo, vai ser um confronto equilibrado: se o PS for sozinho às eleições, sem coligações à esquerda, tanto pode ganhar um como outro – Medina ou Moedas. Claro que, com os dados de hoje, Medina tem vantagem. É o incumbente. Mas Moedas tem potencial de crescimento. Não tem anti-corpos à esquerda. Até foi várias vezes elogiado pelo Governo quando era Comissário Europeu.
2. Posto isto, há um factor Moedas na política nacional. A candidatura de Moedas vai acarretar consequências sérias para a esquerda e para a direita.
a) À esquerda, Medina pensava ter nesta eleição um passeio tranquilo. Esse passeio acabou. Ele precisa de ganhar para não acabar politicamente ao mais alto nível da vida partidária e nacional.
b) Ainda à esquerda, a vitória de Medina é decisiva para o PS. Para todo o PS. A derrota do PS em Lisboa será uma espécie de novo pântano. Pode abrir mesmo uma crise política nacional.
c) À direita, emergiu um novo protagonista. Moedas pode ganhar estatuto e futuro mesmo perdendo a eleição, desde que tenha um bom resultado.
d) Ainda à direita, esta candidatura veio reforçar a liderança de Rui Rio e veio retirar espaço de manobra para eventuais candidaturas adversárias.