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Luís Marques Mendes 24 de Setembro de 2023 às 21:24

"Costa não teve pejo em desmentir Medina [sobre salário mínimo] para evitar suicídio político"

No seu habitual espaço de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a moção de censura ao Governo, os apoios no crédito à habitação, o Orçamento do Estado para 2024, o jogo da raspadinha e a Ucrânia, entre outros temas.

MOÇÃO DE CENSURA

1. Foi tudo como se previa: uma Moção contra o PSD e não contra o Governo; uma derrota de todas as oposições; e uma vitória do PM, que ganhou politicamente o debate porque assistiu de camarote aos partidos da oposição a dizerem mal uns dos outros. Nada de novo.

2. As grandes novidades, porém, foram duas outras questões: A TAP e o SMN.

a) Primeira novidade: O anúncio da privatização da TAP. É a quinta posição que o PM tem sobre a TAP. António Costa já foi contra qualquer privatização; já foi a favor de uma TAP com 51% de capital público; já foi favorável à solução de 50% de capital público e 50% privado; já esteve ao lado de uma TAP totalmente pública; agora é a favor até da privatização total. Alguns falam em cambalhota do PM. Eu limito-me a constatar que demorou muito tempo até finalmente o Governo ter a posição certa! Oxalá não volte a mudar.

b) Segunda novidade: a tributação do Salário Mínimo Nacional. Aqui, em 24 horas, o Governo também teve vários cenários: começou por dizer que talvez sim; depois, que sim só para alguns; a seguir, que talvez não; e finalmente que não. Ou seja, enquanto o Ministério das Finanças admitia que em 2024 houvesse pela primeira vez tributação sobre o SMN, António Costa não teve pejo em desmentir na AR o seu delfim Fernando Medina, para evitar um suicídio político. A decisão está certa. Mas o sinal político é óbvio. O PM está a pensar nas eleições europeias e não brinca em serviço. Não quer nem mais desgaste nem sobressaltos. O eleitoralismo está de volta. Se é que alguma vez esteve desaparecido. A oposição que se cuide.


APOIO NO CRÉDITO À HABITAÇÃO

1.A única crítica justa que é possível fazer às medidas apresentadas pelo Governo é que chegam tarde. Podiam e deviam ter sido tomadas no início do ano. Já então os juros estavam altos. Tomadas mais cedo, estas medidas provavelmente evitariam que muitas famílias entregassem as suas casas aos Bancos, por impossibilidade de cumprirem os seus contratos.


2. Tirando essa crítica, ambas as medidas podem ser insuficientes – o pesadelo é grande – mas vão na boa direção.

- A bonificação de juros parece ter agora algum significado. Antes, era uma medida simbólica. Agora, esta medida vai custar 200 milhões de euros e pode beneficiar 250 mil famílias (contas e previsões do MF).

- A "moratória" de dois anos não é um desconto. Mas pagar um pouco menos durante estes próximos dois anos e compensar mais tarde pode aliviar no imediato a vida de milhares de pessoas.

- E a conjugação das duas medidas, quando aplicável, é um paliativo mais substancial.


3. Esperemos que o Governo tenha o mesmo equilíbrio na questão das rendas.

- É preciso ajudar os inquilinos mais pobres e com rendimentos médios. Sem dúvida. Mas há inquilinos com rendimentos altos que não precisam de ajuda do Estado.

- É preciso ter em atenção os senhorios. Quando se fala de senhorios pensa-se logo em gente rica ou em Fundos de Investimento. Mas há muitos senhorios que não são ricos. Que têm rendimentos medianos ou até vivem com dificuldades.

- É preciso não matar o que resta do mercado de arrendamento. Doutra forma, temos ainda menos casas para arrendar e preços mais altos.


ORÇAMENTO PARA 2024

1. O OE para 2024 tem de ser elaborado com prudência: o clima económico internacional é incerto; o período de "vacas gordas" orçamentais está a acabar; e o país tem de prosseguir a trajetória de redução da dívida. Mas há uma questão essencial: este OE devia ser acompanhado de um Acordo Social com objetivos ambiciosos: fomentar o crescimento e subir salários, no público e no privado; em especial subir salários para reter os jovens com talento que estão a emigrar. É um "crime" político se não se aproveitar esta oportunidade.


2. A este respeito, merecem especial atenção as propostas apresentadas pela CIP para um Pacto Social com vista ao crescimento e ao aumento de rendimentos. Elas representam uma lufada de ar fresco. São propostas inovadoras que não é habitual a CIP apresentar. E são propostas com ousadia e ambição. Afinal, situações excecionais exigem respostas excecionais.

- Grande objetivo das propostas: fazer com que a massa salarial cresça cerca de 20% em 2024/2025.

- Medida inovadora: criação de um 15% mês de salário, num esforço repartido pelas empresas e pelo Estado: as empresas pagam mais um salário e o Estado isenta de imposto e contribuições.

- Medida de reforço de liquidez para as famílias: redução temporária da TSU em 14,75% (2024/2025). O valor da redução vai na totalidade para os trabalhadores (uma parte para salário, outra para plano de reforma).

- Um novo IRS Jovem: os primeiros 100 mil euros não são tributados em IRS. Para combater a emigração de jovens de talento.

- Distribuição de lucros pelos trabalhadores. Outro bom exemplo.

- Para todas estas propostas, há argumentos a favor e contra. São propostas fora da caixa. Mas não aproveitar esta abertura para negociar é um crime. E não é com as soluções tradicionais que mudamos de vida.


A RASPADINHA

1. Um estudo elaborado por dois investigadores da Universidade do Minho, a pedido do Conselho Económico e Social, acerca do jogo da Raspadinha, tem uma conclusão brutal: quem tem menos dinheiro é quem mais joga, em regra pessoas com rendimentos abaixo de 664€ que vão à procura de melhorar a sua vida, normalmente em vão, agravando a sua situação social. É um problema social mais sério do que se imagina. Não estamos a falar de mais um jogo; estamos a falar do agravamento da pobreza em Portugal.


2. Perante este problema social, o estudo propõe a regulação do jogo em vez da sua proibição. Com todo o respeito pelos autores do estudo, a minha opinião é que é preciso ter a coragem de acabar com a Raspadinha.

- Em teoria, eu seria a favor da regulação, ou seja, da definição de regras e de limites ao jogo e aos potenciais jogadores. Na prática, a regulação nunca irá funcionar: ninguém vai cumprir as regras e ninguém as vai fiscalizar. Não é possível ter um polícia à porta de cada estabelecimento que vende a raspadinha.

- A função do Estado é combater a pobreza. Não é incentivar a pobreza. É incompreensível que a SCML ande a dar com uma mão o que tira com a outra: por um lado, apoia os mais desfavorecidos; por outro lado, tira dinheiro aos mais desfavorecidos.

- Claro que a SCML precisa de receitas. Está com sérias dificuldades financeiras. Mas não pode ter receitas á custa de um jogo com estes efeitos perversos. Este não é um jogo social. É absolutamente imoral.

- Percebo o risco de, proibindo, se poder fomentar o jogo clandestino. Neste caso, acho um risco bem mais pequeno que a certeza de o Estado andar a incentivar a imoralidade e a pobreza. Haja coragem para fazer o que deve ser feito: acabar com a Raspadinha.


A SEMANA DA UCRÂNIA

1. A Ucrânia foi grande notícia durante a semana: Zelensky na ONU; Zelensky nos EUA e Canadá; novos apoios americanos à Ucrânia. Mas a notícia mais preocupante foi outra: pela primeira vez depois do início da guerra quebrou-se a unanimidade dentro da UE a favor da Ucrânia. E foi a Polónia que o fez, ao decidir deixar de enviar mais armas para a Ucrânia. São razões eleitorais internas que justificam estas posições (o medo do governo polaco de perder votos dos agricultores por causa da concorrência dos cereais ucranianos). Mas o que conta é o resultado final e o sinal político que é dado.


2. Um dos maiores ativos até hoje em favor da Ucrânia era o apoio unânime do Ocidente e, em especial, da UE. E este era também o maior revés de Putin. Ele não conseguia dividir a Europa. Afinal, os sinais começam agora a preocupar:

- A Polónia "afasta-se" da Ucrânia. E a Polónia é um grande país e um dos maiores apoiantes da Ucrânia até hoje.

- A Eslováquia está a semanas de ter um governo pró-Putin, de acordo com as sondagens.

- A Hungria, pró-Putin, até agora isolada, passa a ganhar mais força.

- OS EUA têm eleições daqui a um ano. Se Biden não ganha, o apoio à Ucrânia diminui ou até desaparece.

- E falta saber se outros Países da UE não seguem o mesmo caminho, com a aproximação de eleições nacionais. Afinal, como diz Teresa de Sousa, a Ucrânia não dá um voto. Embora seja uma grande causa.












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